Muitas pessoas nos questionam sobre o agravamento de multas ambientais previsto no art. 11 do Decreto Federal 6.514/2008, que dispôs sobre infrações e sanções administrativas relativas ao meio ambiente, conforme estabelecido pela Lei Federal 9.605/1998.
Referido artigo está assim redigido:
Art. 11. O cometimento de nova infração ambiental pelo mesmo infrator, no período de cinco anos, contados da lavratura de auto de infração anterior devidamente confirmado no julgamento de que trata o art. 124, implica:
I – aplicação da multa em triplo, no caso de cometimento da mesma infração; ou
II – aplicação da multa em dobro, no caso de cometimento de infração distinta.
1º O agravamento será apurado no procedimento da nova infração, do qual se fará constar, por cópia, o auto de infração anterior e o julgamento que o confirmou.
2º Antes do julgamento da nova infração, a autoridade ambiental deverá verificar a existência de auto de infração anterior confirmado em julgamento, para fins de aplicação do agravamento da nova penalidade.
3º Após o julgamento da nova infração, não será efetuado o agravamento da penalidade.
4º Constatada a existência de auto de infração anteriormente confirmado em julgamento, a autoridade ambiental deverá:
I – agravar a pena conforme disposto no caput;
II – notificar o autuado para que se manifeste sobre o agravamento da penalidade no prazo de dez dias; e
III – julgar a nova infração considerando o agravamento da penalidade.
Como se vê, o agravamento da multa por reincidência é aplicado no momento do julgamento do auto de infração ambiental, desde que assegurado ao autuado o direito de se manifestar sobre o agravamento.
No entanto, temos defendido a ilegalidade do agravamento da multa ambiental por reincidência.
Índice
Breves considerações
Os arts. 70, 71 e 72 da Lei Federal 9.605/98 preveem que condutas lesivas ao meio ambiente poderão ser reprimidas por meio de sanções específicas e, portanto, é a base legal para autuações. Veja-se o caput do art. 70:
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
Logo após a publicação da Lei 9.605/98, foi editado o Decreto Federal 3.179/1999, o qual regulamentou o art. 70 da Lei 9.605/98 e descreveu quais seriam as condutas que mereceriam reprimenda por parte da Administração Pública.
Note-se, contudo, que sob a égide do Decreto 3.179/1999, havia previsão de aplicação de sanção em dobro ou em triplo nos casos de reincidência genérica ou específica, respectivamente.
Tal previsão não era denominada especificamente como “agravamento” até então.
Posteriormente, o Decreto 3.179/1999 foi revogado pelo Decreto 6.514/2008, o qual inovou no ordenamento jurídico ao prever novos institutos, tais como o do agravamento, com o objetivo de auxiliar e garantir a eficácia e efetividade da aplicação das sanções ambientais.
Assim, não obstante o intuito de maximização da proteção do meio ambiente, pela previsão de instrumentos de agravamento da sanção administrativa, ambos os Decreto (3.179/1999 e 6.514/2008) extrapolaram os limites de sua competência ao inserir disposição sancionatória não prevista previamente pelo Poder Legislativo Federal, notadamente pela Lei Federal 9.605/1998.
Princípio da legalidade – Lei Federal 9.605/98
De fato, em nenhum momento a Lei Federal 9.605/98, ao dispor sobre as infrações administrativas, previu qualquer modalidade de agravamento destas. Vejamos:
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
1º São autoridades competentes para lavrar AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.
2º Qualquer pessoa, constatando infração ambiental, poderá dirigir representação às autoridades relacionadas no parágrafo anterior, para efeito do exercício do seu poder de polícia.
3º A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co- responsabilidade.
4º As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições desta Lei.
Art. 71. O processo administrativo para apuração de infração ambiental deve observar os seguintes prazos máximos:
I – vinte dias para o infrator oferecer defesa ou impugnação contra o AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL, contados da data da ciência da autuação;
II – trinta dias para a autoridade competente julgar o auto de infração, contados da data da sua lavratura, apresentada ou não a defesa ou impugnação;
III – vinte dias para o infrator recorrer da decisão condenatória à instância superior do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, ou à Diretoria de Portos e Costas, do Ministério da Marinha, de acordo com o tipo de autuação;
IV – cinco dias para o pagamento de multa, contados da data do recebimento da notificação.
Sanções para as infrações administrativas ambientais:
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:
I – advertência;
II – multa simples;
III – multa diária;
IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
V – destruição ou inutilização do produto;
VI – suspensão de venda e fabricação do produto;
VII – embargo de obra ou atividade;
VIII – demolição de obra;
IX – suspensão parcial ou total de atividades;
X – (VETADO)
XI – restritiva de direitos.
§ 1º Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as sanções a elas cominadas.
§ 2º A advertência será aplicada pela inobservância das disposições desta Lei e da legislação em vigor, ou de preceitos regulamentares, sem prejuízo das demais sanções previstas neste artigo.
§ 3º A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo:
I – advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha;
II – opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério da
§ 4° A multa simples pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.
§ 5º A multa diária será aplicada sempre que o cometimento da infração se prolongar no tempo.
§ 6º A apreensão e destruição referidas nos incisos IV e V do caput obedecerão ao disposto no art. 25 desta Lei.
§ 7º As sanções indicadas nos incisos VI a IX do caput serão aplicadas quando o produto, a obra, a atividade ou o estabelecimento não estiverem obedecendo às prescrições legais ou regulamentares.
§ 8º As sanções restritivas de direito são:
I – suspensão de registro, licença ou autorização;
II – cancelamento de registro, licença ou autorização;
III – perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais;
IV – perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;
V – proibição de contratar com a Administração Pública, pelo período de até três anos.
A simples leitura dos dispositivos acima transcritos demonstra que a previsão de agravamento das multas ambientais trazida pelos Decretos regulamentadores da Lei dos Crimes Ambientais não encontra qualquer respaldo legal.
Assim, se não há na Lei 9.605/98 a possibilidade de agravamento das penalidades lá tipificadas, mero Decreto com o fim de regulamentar a aplicação da Lei evidentemente não pode ir além!
Ausência de previsão para agravamento da multa ambiental
A despeito da louvável tentativa da previsão de instrumento de agravamento da sanção ambiental como meio de maximizar a proteção ao meio ambiente, tal modificação do preceito sancionatório, notadamente da alteração dos limites das multas ambientais previstas em lei, não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio.
Isso porque, conforme assegurado no art. 5º, II, da Constituição Federal, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Trata- se da expressão escrita de um dos mais importantes princípios de nosso ordenamento jurídico, o Princípio da Legalidade.
Diante desse princípio constitucional, o Poder Executivo não pode impor aos administrados obrigações ou mesmo sanções que não estejam delimitadas na própria lei.
Ou seja, a Administração Pública não tem competência para inovar no mundo jurídico criando obrigações e/ou disposições mediante normas administrativas (no caso, Decreto).
Só quem pode fazê-lo é o Poder Legislativo, por meio de lei em sentido estrito.
Limites para edição de Decreto
O art. 84, IV, da Constituição Federal, ao se referir à competência do Presidente da República para a expedição de decretos e regulamentos, esclarece que essa prerrogativa se destina à “fiel execução” das leis.
O art. 37 da Constituição Federal, por sua vez, estabelece que a administração pública direta e indireta será submetida a determinados princípios – e não é por acaso que o primeiro deles, referido no caput desse dispositivo, é justamente o princípio da legalidade.
Esses preceitos constitucionais, de fato, visam impedir a concretização de pretensões do Executivo no sentido de disciplinar, ele próprio e segundo critérios arbitrários, a liberdade e a propriedade dos administrados, por meio da imposição de sanções ou penas pecuniárias fundamentadas em meros decretos ou outros atos regulatórios.
Só por lei se disciplina liberdade e propriedade; só por lei se impõem penas e sanções; e, finalmente, só para cumprir dispositivos legais é que o Executivo pode expedir decretos.
A possibilidade de prever que uma multa já aplicada tenha seu valor dobrado ou ainda triplicado ao longo do processo administrativo sancionatório com base em mera determinação administrativa – dada a relevância do assunto – só poderia ser introduzida no ordenamento jurídico por lei em sentido estrito, pois se trata de verdadeira sanção, o que não é o caso!
O que diz a doutrina
Cabe aqui trazer o entendimento do Professor Paulo de Bessa Antunes, um dos maiores expoentes da doutrina ambiental em âmbito nacional, especificamente no que concerne ao art. 11 do Decreto 6514/2008:
O artigo ora em comento não encontra amparo na Lei 9.605/98 que, ao tratar das infrações administrativas limitou-se ao que consta dos arts. 70 e seguintes, nada dispondo sobre reincidência.
Os arts. 6º até o 24 estabelecem medidas para aplicação de penas judiciais e não administrativas e, como é óbvio, não é possível a aplicação da analogia para a restrição de direitos.
E mais, não é jurídico que se considere para fins de reincidência a data de emissão do auto de infração ambiental, haja vista que somente após a decisão administrativa é que se poderá considerar alguém como infrator da legislação ambiental, tal como ocorre com a aplicação da norma penal.
Relembre-se, todavia, que o já mencionado capítulo VI da Lei 9605/98 não trata do agravamento de penalidades administrativas, o que, em minha opinião, gera o mesmo vício de legalidade acima já comentado.[1]
Ou seja, a melhor doutrina corrobora o entendimento no sentido de que o agravamento da sanção administrativa ambiental pelo cometimento de nova infração no período de 5 anos não encontra amparo legal.
Momento do agravamento da penalidade
Ainda que todos os argumentos acima trazidos sejam desprezados, a aplicação do procedimento previsto no art. 11 do Decreto Federal 6.514/2008 veda a possibilidade de majoração da sanção após o julgamento da infração passível de agravamento.
Na prática, temos observado o agravamento da multa ambiental por reincidência em sede de julgamento de recurso hierárquico, em contrariedade com o que dispõe o próprio Decreto 6.514/2008, padecendo de vício.
Cumpre salientar o disposto no já colacionado art. 11 combinado com o art. 124, ambos do Decreto Federal 6.514/08, a saber:
Art. 124. Oferecida ou não a defesa, a autoridade julgadora, no prazo de trinta dias, julgará o auto de infração ambiental, decidindo sobre a aplicação das penalidades.
§ 1º Nos termos do que dispõe o art. 101, as medidas administrativas que forem aplicadas no momento da autuação deverão ser apreciadas no ato decisório, sob pena de ineficácia.
§ 2º A inobservância do prazo para julgamento não torna nula a decisão da autoridade julgadora e o processo.
§3º O órgão ou entidade ambiental competente indicará, em ato próprio, a autoridade administrativa responsável pelo julgamento da defesa, observando-se o disposto no art. 17 da Lei 9.784, de 1999.
Conforme se depreende das disposições legais acima versadas, ainda que se entenda legal, a análise do agravamento deve ocorrer em momento anterior ao julgamento da Defesa Administrativa.
Isto é, tal agravamento da multa ambiental por reincidência deve ser analisado pela autoridade ambiental no bojo do procedimento da nova infração, que, por sua vez, deve estar instruído de cópia do auto de infração ambiental anterior e cópia do julgamento que o confirmou.
Somado a isso, o caput do art. 11 supracitado faz referência clara ao art. 124 do mesmo diploma legal, também versado acima.
Nesse contexto, o art. 124, também supratranscrito, indica que o julgamento ao qual o art. 11 se refere é aquele que deve ocorrer em 30 (trinta) dias contados a partir do oferecimento da defesa pelo Autuado.
O Decreto 6.514/08 não deixa a menor margem de dúvida de que é a Decisão de 1ª instância que gera a preclusão da análise a respeito de eventual agravamento da penalidade, ainda, ressalte-se, que tal seja ilegal, como temos defendido.
Doutrina e o agravamento após a decisão de 1ª instância
O agravamento de sanção ambiental administrativa após o seu julgamento viola o próprio Decreto 6.514/08, ou seja, julgado o auto de infração ambiental e interposto o competente recurso, não há mais que se falar em agravamento da multa ambiental por reincidência.
Curt Trennepohl [2], ex-Presidente do IBAMA, autor da obra “Infrações contra o Meio Ambiente”, elucida a questão:
O §3º deste art. 11 traz uma importante inovação, que permite maior segurança jurídica ao administrado e, ao mesmo tempo, represente uma séria possibilidade de responsabilização do agente público menos atento.
Se a autoridade competente, ao julgar um auto de infração ambiental lavrado com fulcro no Decreto 6.514/2008, proferir o julgamento sem verificar a existência de autuação anterior, mesmo aquelas lavradas com base no Decreto 3.179/99, não poderá mais aplicar o agravamento.
Neste caso hipotético, é evidente que o servidor poderá ser responsabilizado pelo erro.
Resta evidente que tal arbitrariedade – agravamento da penalidade após seu julgamento – não pode ser cometida, cabendo, quando aplicada de maneira indevida, a revogação do agravamento da multa ambiental por reincidência.
Conclusão
De tudo que foi dito, podemos concluir que, não há previsão legal em Lei para agravamento das multas ambientais trazida pelos Decretos regulamentadores da Lei dos Crimes Ambientais.
É que se não há na Lei 9.605/98 a possibilidade de agravamento das penalidades lá tipificadas, mero Decreto regulamentador não pode prever o que a Lei não prevê, de modo que eventual agravamento é nulo.
Por outro lado, ainda que se entenda pela legalidade do agravamento de multa ambiental, o Decreto 6.514/08 é claro em dispor que a Decisão de 1ª instância gera a preclusão da análise a respeito do agravamento da penalidade.
Isto é, o agravamento da penalidade imposta no auto de infração ambiental não pode ocorrer após proferida a Decisão de 1ª Instância, ainda que pendente a análise do competente recurso hierárquico.
Assim, é nulo o agravamento da penalidade quando imposto após o julgamento do processo administrativo relativo ao auto de infração ambiental, ou seja, após a confirmação da própria penalidade que foi agravada, constituindo medida absolutamente contrária ao disposto no Decreto 6.514/2008.
Portanto, defendemos que o agravamento da multa ambiental por reincidência não encontra amparo, tão pouco o agravamento imposto após a decisão de 1ª instância que homologa o auto de infração ambiental.