Analisa-se aqui, a constitucionalidade dos dispositivos legais do Decreto 6.514/08 editado para regulamentar o art. 70 da Lei 9.605/08, cujos dispositivos são usados pelo IBAMA e ICMBio e diversos outros órgãos estaduais e municipais para lavrar auto de infração ambiental.
Cumpre-nos esclarecer, inicialmente, que o auto de infração ambiental é ato administrativo, formalizado através de documento específico pelo qual a autoridade competente, diante de uma infração à legislação ambiental, procede à sua descrição e imposição da sanção correspondente, devendo, para tanto, obedecer os requisitos exigidos por lei, em atenção ao princípio da legalidade que rege a Administração Pública.
No âmbito das infrações ambientais, deve-se observar os preceitos da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas decorrentes de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, especificamente no que diz respeito às infrações administrativas, disciplinadas no Capítulo VI, arts. 70 a 76, bem como de seu decreto regulamentador (Decreto Federal 6514/08).
Índice
1. Princípio da legalidade
Cediço, à Administração Pública cabe proteger o meio ambiente, conforme ordem constitucional dos arts. 23 e 225., submetendo-se à ordem do art. 37 da Constituição Federal:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)
Ícone do Direito Administrativo, Celso Antônio Bandeira de Mello[1] já afirmou categoricamente:
Princípio da legalidade – Este princípio basilar no Estado de Direito, como é sabido e ressabido, significa subordinação da Administração à lei; e nisto cumpre importantíssima função de garantia dos administrados contra eventual uso desatado do Poder pelos que comandam o aparelho estatal. Entre nós a previsão de sua positividade está incorporada de modo pleno, por força dos arts. 5º, II, 37, caput, e 84, IV, da Constituição Federal. É fácil perceber-se sua enorme relevância ante o tema das infrações e sanções administrativas, por estarem em causa situações em que se encontra desencadeada uma frontal composição entre Administração e administrado, na qual a Administração comparecerá com todo seu poderio, como eventual vergastadora da conduta deste último. Bem por isto, tanto infrações administrativas como suas correspondentes sanções têm que ser instituídas em lei – não em regulamento, instrução, portaria e quejandos.
Ou seja, o respeito ao princípio da legalidade é a regra, da qual só se abre exceção quando se fala em questões que, por sua própria particularidade especial, não possam ser definidas em lei.
Ocorre que não há que se falar de exceção, quando as condutas que possam ser consideradas lesivas ao meio ambiente não se alteram de forma tão dinâmica que seja necessária a atitude emergencial do Executivo.
Logo, devem ser previstas em lei, com tipos definidos e apenas regulamentadas pelo Executivo dentro de sua competência.
2. Inconstitucionalidade dos arts. 70 e 75 da Lei 9.605/1998
Nesta linha de raciocínio há que se destacar acerca da inconstitucionalidade dos arts. 70 e 75 da Lei 9.605/1998.
Isso porque, o art. 70 se caracteriza como norma de competência, pois enumera que “toda ação ou omissão que viole as regras de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente” é considerada infração administrativa e atribui ao Poder Executivo (art. 80 do mesmo diploma) sua regulamentação, verdadeiramente chancelou ao Poder Executivo, ao total arrepio do princípio republicano da legalidade, a possibilidade de dizer quais seriam todas estas ações que caracterizariam infrações administrativas.
Assim, referido dispositivo, exatamente por atribuir competência ao Poder Executivo que só pode ser realizada pelo Legislativo (em atenção ao princípio da legalidade), é inconstitucional.
O art. 70 é totalmente vazio de conteúdo. Ao “disciplinar” que “toda ação ou omissão” que viola as regras jurídicas que visam proteger o meio ambiente, o referido dispositivo, na realidade, nada disse: Deixou a cargo do Decreto disciplinar inteiramente a matéria.
Assim, qualquer conduta, mesmo que sem qualquer previsão legal, pode ser sancionada em Decreto. Poder-se-ia chegar ao absurdo de considerar que efetivamente qualquer conduta que lesasse o meio ambiente pudesse ser penalizada por meio de Decreto.
É que toda conduta humana, de forma ou outra, contribuiu, em maior ou menor escala, para a degradação do meio ambiente.
Ou seja, o supracitado dispositivo abriu a possibilidade de o Executivo, sem o devido processo legislativo, punir qualquer atitude humana, como, por exemplo, derrubar o detergente, sem querer, em uma poça d’água (onde haveria a afirmação de que houve conduta culposa que prejudicou área úmida, posto que a responsabilidade seria objetiva) ou até mesmo respirar, posto que a respiração eleva os níveis de CO2 na atmosfera.
O mais absurdo é que, nos termos em que a legislação se põe atualmente, tal hipótese é totalmente plausível. O Decreto não passa pelos mesmos critérios da Lei em sentido estrito, não está condicionado ao processo legislativo e tampouco ao controle de constitucionalidade.
Exatamente pelo mesmo motivo o art. 75 da supracitada Lei é inconstitucional. Fixa, em caráter abstrato, uma pena mínima de R$50,00 e uma pena máxima de R$50.000.000,00.
Afirmar que tais patamares possuem o condão de regular minimamente o poder discricionário da Administração Pública é risível. Logo, por delegar completamente o poder de sanção, referido dispositivo é, também, inconstitucional.
Assim, por consequência, também são inconstitucionais todos aqueles dispositivos sancionadores do Decreto 6.514 (que revogou o 3.179).
3. A proteção do meio ambiente não pode se dar ao arrepio da Lei
Há que se considerar que o cerne da questão aqui apreciada não se trata da existência ou não de lesão ao meio ambiente, mas sim da inconstitucionalidade da norma que embasa a sanção em questão.
É que por maior que seja a proteção jurídica devida ao meio ambiente, que deve ser efetiva e constantemente protegido (assim como a vida, a dignidade, a liberdade e tantos outros valores) não se pode olvidar de princípio basilar da Administração Pública, que é a legalidade estrita.
O Estado (seja o Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário) não pode, em hipótese alguma, sob o pretexto de defender certo direito ou valor jurídico, ignorar e privar o acusado de um direito inerente ao Estado de Direito, e, se assim agir, deixará de ser um estado “de Direito” para se equiparar a estados totalitários, como as famigeradas ditaduras e até mesmo as extintas monarquias absolutas de direito divino.
Absurda e infelizmente o mesmo não se pode falar quando o Direito Ambiental é analisado: órgãos ambientais de um ente federativo podem anular licenças emitidas regularmente por órgãos de outro ente, sem qualquer formalidade, sem olvidar que se lavram autos de infração por mera liberalidade do agente fiscal
Ora, não são sopesados quaisquer outros direitos, por mais importantes que sejam, como, por exemplo, a dignidade (em casos de propriedade de subsistência) e a função social da propriedade (em casos nos quais a “proteção” ambiental existe por mera exigência legal, sem qualquer embasamento científico ou mesmo cultural).
De fato, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é garantia constitucional e, legitimamente, em alguns casos, deve se sobrepor a diversos outros direitos, quando em conflito.
O que não se pode aceitar é que toda a lógica jurídica, pautada especialmente pelos princípios da Constituição da República, seja verdadeiramente desconstruída em exultação a um único direito isolado e que sem os demais (vida, dignidade, liberdade, igualdade, legalidade, etc.) efetivamente nada significa.
Em outras palavras: o meio ambiente deve ser amplamente protegido, mas tal proteção não pode mitigar a quase totalidade de valores jurídicos do Estado de Direito.
E exatamente em decisões recorrentes na seara ambiental, o princípio da legalidade é deixado ao oblívio, verdadeiramente elevando o direito ao meio ambiente equilibrado em detrimento do próprio Estado de Direito.
Novamente, o meio ambiente deve ser protegido e prezar por isso é missão do Estado, assim como é dever jurídico de toda a sociedade não atentar contra a integridade ambiental.
O que se argumenta aqui é que a finalidade (proteção ambiental), que é realmente válida, não pode legitimar atos ilegais do Estado.
A história já mostrou que quando se protege um valor jurídico, efetivamente merecedor de todo o resguardo estatal, olvidando-se de direitos fundamentais, a consequência se torna muito mais grave do que a não proteção do bem em questão.
Não há dúvida de que a vida deve ser protegida, mas ao acusado de homicídio devem ser garantidos todos os direitos inerentes à sua defesa.
O mesmo se fala do ressarcimento civil por danos ao erário e até mesmo nas lides entre particulares. Um mínimo de princípios deve ser seguido. O que, no caso em questão, não ocorre.
4. Princípio da legalidade e a jurisprudência
Ao contrário do que acontece quando se cuida de danos ao meio ambiente, é possível notar que em todas as áreas de atuação da Administração Pública o princípio da legalidade é garantia inconteste:
OBRIGAÇÕES FISCAIS. REGIME ESPECIAL PARA SEU CUMPRIMENTO IMPOSTO A CONTRIBUINTE, POR ATO ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, EM MATÉRIA TRIBUTARIA. DELEGAÇÃO A AUTORIDADE FISCAL INCABÍVEL NA ESPÉCIE. A imposição de um sistema de sanções administrativas e fiscais, por mero ato administrativo, caso a caso, não se compadece com a indispensável segurança que há de ter o contribuinte, no que concerne a suas relações com o fisco e as obrigações que lhe advém dos tributos. As sanções a serem impostas ao contribuinte faltoso não poderão pender do arbítrio da autoridade fiscal, mas resultar de expressa disposição de lei. (…). (STF, RE 100.919, Primeira Turma, Rel. Néri da Silveira, j. 07/02/1986, v.u.,)
ADMINISTRATIVO. IBAMA. AUTO DE INFRAÇÃO. IMPOSIÇÃO DE MULTA COM BASE NO ART. 46, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 9.605/98, NO ART. 32 DO DECRETO N. 3.179/99 E NA PORTARIA N. 44/93-N DO IBAMA. ILEGALIDADE. 1. O art. 46 da Lei 9.605/98 tipifica crime cometido contra o meio ambiente, do que decorre ser a multa nele prevista de caráter penal e não administrativo, cuja aplicação é privativa do Poder Judiciário. 2. O Decreto n. 3.179/99 tipifica diversas infrações administrativas relacionadas a atividades lesivas ao meio ambiente. Entretanto, tal ato normativo não é instrumento hábil para imposição de multas, porquanto fere o princípio constitucional da reserva de lei ao impor penalidades.
A definição de infrações e a cominação de sanções administrativas, após a vigência da Constituição de 1988, somente podem decorrer de lei em sentido formal. 3. Excluídas tais disposições legais do auto de infração, restará ele fundado apenas na Portaria n. 44/93-N do IBAMA que não é instrumento hábil para imposição de multas, porquanto fere o princípio constitucional da reserva de lei ao contemplar penalidades. (…). (TRF1, AC 2006.38.00.037546-7, Oitava Turma, Rel. Roberto Carvalho Veloso, j. 09/11/2007, v.u.),
ADMINISTRATIVO. IBAMA. AUTO DE INFRAÇÃO. IMPOSIÇÃO MULTA. LEI Nº 9.605/98. ART. 50. DEC. Nº 3.179/99. I. O art. 50 da Lei 9.605/98 tipifica crime cometido contra o meio ambiente e não infração administrativa a ser punida pelo IBAMA. Assim sendo, somente o Juiz criminal, após regular processo penal, poderia impor as penalidades nele previstas. A competência para a aplicação de multa por infração do art. 60 da Lei nº 9.605/98, que descreve crime ambiental, é privativa do Poder Judiciário. II. É ilegal a tipificação de infrações administrativas por meio de Decreto.
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO-ANP. AUTO DE INFRAÇÃO E MULTA SEM FUNDAMENTADO EM LEI. IRREGULARIDADE. Quanto à imposição de penalidades administrativas, é pacífico na jurisprudência pátria, a posição, à qual me filio, de que somente a lei pode criar sanções administrativas e pecuniárias. Logo, se a sanção foi aplicada com suporte no Decreto nº 1.021/93, deve ser reconhecido como violado o princípio da legalidade, já que não há amparo legal para infligir a referida penalização. A questão suscitada a respeito do Decreto-Lei nº 538/38, que o STF teria reconhecido a sua recepção pela CF/88, e cujo art. 14, elencaria todas as características fundamentar a aplicação da penalidade imposta, não procede.
Isto porque ‘O artigo 14, do Decreto-lei 538/38, conferiu, à Administração Pública, poder discricionário para controlar a comercialização de combustíveis, tendo aquela expedido o Decreto 1.021/93 para completar o mencionado artigo.’, consoante julgado desta Corte. Portanto, prevalecendo o Decreto 1.021/93, como fundamento do ato administrativo sancionador, não há que se falar em legalidade da sanção aplicada. (TRF4, AC 2007.71.99.006122-9, Terceira Turma, Rel.ª Vânia Hack de Almeida, D.E. 30/05/2007, grifado)
ADMINISTRATIVO – CONCINE – EXIBIÇÃO DE FILMES BRASILEIROS DE LONGA METRAGEM – RESOLUÇÃO DO CONCINE Nº 170/88 – PREVISÃO DE SANÇÕES ADMINISTRATIVAS E INTERDIÇÃO DO ESTABELECIMENTO – IMPOSSIBILIDADE POR FALTA DE AMPARO LEGAL – O EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA DEMANDA OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.
1. As atribuições conferidas ao Instituto Nacional de Cinema – INC passaram, a partir da edição da Lei nº .281/75, a ser exercidas pela Empresa Brasileira de Filmes S.A. – Embrafilme e pelo Conselho Nacional de Cinema – CONCINE, órgão de assessoramento do Ministério da Educação e Cultura criado pelo Decreto nº 77.299/76, posteriormente revogado pelo Decreto nº 93.881/86.
2. Por ausência de previsão, em qualquer dos dispositivos da Lei nº 6.281/75, da conduta ilícita, bem assim, da gradação da pena cabível em caso de desobediência da regra de reserva de mercado debatida, tipificada pelo item X, n. 7, da Seção III, da Resolução nº 25/78, ilegal se mostra a aplicação de multas ou a interdição de estabelecimentos, pelo CONCINE.
3. Sob o influxo do princípio republicano, do qual deflui os princípios da legalidade e legalidade estrita, inviável admitir emane o comando legal proibitivo dotado de preceito sancionatório da mesma autoridade incumbida de aplicá-lo. Somente o parlamento, na representação legítima dos anseios coletivos, poderia impor sanções administrativas. (…). (TRF3, AC 18.712, Sexta Turma, Rel. Mairan Maia, j. 14/03/2007, v.u., grifado)
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LOCAÇÃO DE FITAS DE VIDEOCASSETE. CONCINE. RESOLUÇÃO N. 97/83 E 98/83. LIMITES DA AÇÃO FISCALIZADORA DO CONCINE. COMPETÊNCIA PARA ADOTAR SANÇÕES ADMINISTRATIVAS. DECRETO 77.299/76. (…). II – O procedimento administrativo sancionatório deve seguir a trilha da legalidade administrativa. As sanções, mesmo administrativas, devem advir diretamente da lei. (…).
ADMINISTRATIVO – AUTUAÇÃO ADMINISTRATIVA EMBASADA EM PORTARIA DO EX-IBDF – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. 1. Sem sustentação a autuação administrativa baseada em Portaria do extinto IBDF resultante de delegação prevista no art. 26 do DL n.º 267/89, revogada pelo art. 25 do ADCT. 2. A Portaria do ex-IBDF não é instrumento adequado a, originariamente, prescrever infrações e sanções administrativas, pois viola o princípio da reserva legal. Somente a Lei pode descrever infração e impor penalidade. (…).
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO REGIONAL DE CORRETORES DE IMÓVEIS. MULTA ELEITORAL. ANUIDADE. NATUREZA JURÍDICA TRIBUTÁRIA. ADIN 1.717/DF. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. COBRANÇA. POSSIBILIDADE. LEI Nº 10.795/2003. MULTA DISCIPLINAR. RESOLUÇÃO 927/2005 DO COFECI. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (…). 8. A aplicação de sanções administrativas somente se torna legítima quando o ato praticado pelo administrado estiver previamente definido por lei, em sentido estrito, como infração administrativa. (…). Dos julgados acima cotejados, tem-se que em todas as hipóteses que a administração pública pretende sancionar o administrado, há que existir lei em sentido estrito que assim disponha.
Em dois daqueles acórdãos falou-se exatamente na atividade fiscalizadora do IBAMA (ou o órgão ambiental em geral) e decidiu-se que não pode o simples decreto dispor sobre as penalidades em questão, o que se dirá de Portaria.
O que aparentemente ocorre é uma certa esquizofrenia jurídica: Levado pela ânsia de proteger o meio ambiente e pela recente onda ambiental, o que, de fato, é louvável, o Poder Executivo vem emitindo decisões contraditórias em que, num momento, afirma que somente a lei em sentido estrito pode definir sanções, mesmo que administrativas, e, quando se põe em análise questões ambientais, afirma que a legalidade não está violada.
Além daqueles julgados, seguem outros que também consideraram que a legalidade deve ser respeitada “ainda que” se trate de direito ambiental:
AÇAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 5º, 8º, 9º, 10, 13, § lº, E 14 DA PORTARIA Nº 113, DE 25.09.97, DO IBAMA. Normas por meio das quais a autarquia, sem lei que o autorizasse, instituiu taxa para registro de pessoas físicas e jurídicas no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais, e estabeleceu sanções para a hipótese de inobservância de requisitos impostos aos contribuintes, com ofensa ao princípio da legalidade estrita que disciplina, não apenas o direito de exigir tributo, mas também o direito de punir. Plausibilidade dos fundamentos do pedido, aliada à conveniência de pronta suspensão da eficácia dos dispositivos impugnados. Cautelar deferida.
ADMINISTRATIVO. IBAMA. IMPOSIÇÃO DE MULTA AMBIENTAL. FUNDAMENTAÇÃO. PORTARIA. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. É vedado ao IBAMA instituir sanções sem expressa previsão legal. Questão já enfrentada pelo STF, no julgamento, ocasião em que restou determinada a impossibilidade de aplicação pelo IBAMA de sanção prevista unicamente em portarias, por violação do Princípio da Legalidade. Agravo regimental improvido. (…) Conforme determinado na decisão agravada e na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, na vigência da Constituição Federal de 1988 apenas a lei em sentido formal e material pode tipificar infração e cominar penalidades (…)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – CPC, ART. 535, II – VIOLAÇÃO NÃO OCORRIDA – IBAMA – IMPOSIÇÃO DE MULTA COM BASE EM INFRAÇÃO DESCRITA APENAS EM PORTARIA – IMPOSSIBILIDADE.Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide, não estando o magistrado obrigado a examinar tese recursal nova, suscitada apenas em sede de embargos de declaração.
A jurisprudência firmada nesta Corte e no STF é no sentido de que o princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas do Estado. Precedentes. Consoante já decidido pelo STF no julgamento da ADI-MC 1823/DF, é vedado ao IBAMA instituir sanções punitivas sem expressa autorização legal.
Diante dessas premissas e, ainda, do princípio da tipicidade, tem-se que é vedado à referida autarquia impor sanções por infrações ambientais prevista apenas na Portaria 44/93-N. Recurso especial não provido.
ADMINISTRATIVO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. CONCINE. MULTA PREVISTA EM DECRETO EMANADO DO PODER EXECUTIVO. ILEGALIDADE. Viola o princípio da legalidade a criação de multa por decreto, tal como ocorre na multa prevista no artigo 7º do Decreto nº 93.881/86. É reserva da lei a criação de sanção administrativa. Recurso especial improvido.
5. Conclusão
Como exaustivamente já afirmado: o direito ao meio ambiente equilibrado é garantia constitucional e deve ser protegido por todos os meios necessários, mas, que além de necessários, devem, obrigatoriamente, ser legais e respeitar toda a legislação posta.
É que por um longo tempo e em diversas sociedades o cidadão viveu sob o jugo do “Poder Público”: Na sociedade medieval, era obrigado a recolher pesarosos tributos sobre sua produção pessoal. Também vivia sob o bel prazer da vontade do rei, penal e civilmente. Com o advento do iluminismo, todas estas características, que hoje causam espanto, foram mitigadas.
O mesmo aconteceu com as sociedades totalitárias modernas e pós-modernas: O mundo efetivamente se dividiu e, sem considerar as demais questões ideológicas, representou bem a luta pela liberdade individual contra o poder arbitrário do Poder Público.
Hoje em dia toda e qualquer sociedade que não observe os princípios republicanos, como a legalidade, é vista como atrasada e primitiva. E é exatamente este o paradoxo que se apresenta.
Com ânsia de proteger o meio ambiente (característica essencialmente contemporânea, que deve se intensificar nos próximos anos) os Três Poderes vêm, ao arrepio do regime jurídico atual, reiterando decisões que mais se assemelham aos estados totalitários.
Para concluir e provar o que se afirma, é necessário um último exercício cognitivo. Determinado indivíduo é surpreendido, determinado dia, por “agentes públicos” que o arrebatam de sua casa. Em nenhum momento ao acusado em questão são garantidos quaisquer dos direitos fundamentais: contraditório, ampla defesa, devido processo legal.
O indivíduo nunca é informado do que é acusado (ou da lei que infringiu). Ao fim do processo, ao se dizer inocente, o indivíduo em questão é inquirido “Inocente de qual acusação?”.
Assim, considerando a inconstitucionalidade dos arts. 70 e 75 da Lei Federal Ordinária 9.605/1998, conclui-se que pela nulidade do auto de infração ambiental quando lavrado com fundamento nos dispositivos sancionadores do Decreto 6.514/2008.