EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA FEDERAL DE…
RÉ, pessoa jurídica de direito privado, com sede…, vem por seu procurador ao final assinado, à presença de Vossa Excelência, apresentar CONTESTAÇÃO nos autos da Ação Civil Pública, forte nas razões fáticas e jurídicas que passa a expor:
1. PRELIMINAR – INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
Na petição inicial desta Ação Civil Pública – ACP o Ministério Público Federal afirmou ter recebido solicitação de providências para apurar os impactos ambientais que poderiam ter sido causados pelo derramamento de óleo de transformadores.
De acordo com o MPF a competência da Justiça Federal estaria justificada em razão de que os danos ambientais teriam ocorrido em bens da União, alegando que o dano ambiental teria possivelmente atingido o mar territorial e a área de manguezal constituída pela Unidade de Conservação.
No momento do ajuizamento da demanda havia incerteza sobre os bens afetados pelo derramamento de óleo, tanto que na petição inicial foi incluído no objeto da ACP o requerimento para adoção de providências para “identificar todas as áreas contaminadas e eliminar a fonte primária de contaminação”.
E esta incerteza na identificação das áreas foi igualmente mencionada pela Requerente em sua recente manifestação esclarecendo que a “ação judicial foi proposta com o fito de identificar áreas contaminadas”.
Pois bem. Passados anos da data de ajuizamento da ACP tendo sido realizadas diversas perícias, reuniões e análises técnicas por profissionais e empresas competentes é possível afirmar com clareza que os bens da União não foram atingidos pelo derramamento de óleo.
Com relação ao mar territorial o relatório de fiscalização do Auto de Infração Ambiental do IBAMA mencionou que o último ponto vistoriado a respeito do alcance do óleo estava distante cerca de mil metros do mar territorial.
Por sua vez o IMA lavrou o termo de levantamento de embargo promovendo o desembargo parcial das áreas referente à liberação das atividades.
Ainda que o Relatório de Vistoria do IBAMA tenha tentado imputar dano ambiental ao mar, afirmando que por meio de sobrevoo constatou a existência de uma mancha no mar com coloração assemelhada ao óleo derramado, tal dedução não se confirmou.
1.1. AUSÊNCIA DE INTERESSE FEDERAL
Restou comprovado pelo laudo tratar-se de cianobactéria de coloração avermelhada e de aspecto “oleoso” que ocorrem nas porções tropicais e subtropicais dos oceanos Atlântico, Pacífico, Índico e nos mares da China e do Caribe.
Ademais, a baía da região não constitui mar territorial e sim águas interiores. Mar territorial é conceito típico, definido pela Lei 8.617, de 4 de janeiro de 1993, que “dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiros, e dá outras providências”. O art. 1 da norma em tela assim define mar territorial:
“Art. 1 O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil.
Parágrafo único. Nos locais em que a costa apresente recortes profundos e reentrâncias ou 1m que exista uma franja de ilhas ao longo da costa na sua proximidade imediata, será adotado o método das linhas de base retas, ligando pontos apropriados, para o traçado da linha de base, a partir da qual será medida a extensão do mar territorial.”.
São consideradas águas interiores as águas situadas no interior da linha de base do mar territorial. A Resolução CONAMA 344 de 25 de março de 2004, que estabelece as diretrizes gerais e os procedimentos mínimos para a avaliação do material a ser dragado em águas jurisdicionais brasileiras, e dá outras providências, assim define águas interiores:
Art. 2. Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições: (…) IV – águas jurisdicionais brasileiras: águas interiores: águas compreendidas entre a costa e a linha de base reta, a partir de onde se mede o mar territorial; águas dos portos; águas das baías; águas dos rios e de suas desembocaduras; águas dos lagos, das lagoas e dos canais; águas entre os baixios a descoberto e a costa; águas marítimas: águas abrangidas por uma faixa de doze milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha de base reta e da linha de baixa mar, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, que constituem o mar territorial; águas abrangidas por uma faixa que se estende das doze às duzentas milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir o mar territorial, que constituem a zona econômica exclusiva; e águas sobrejacentes à plataforma continental, quando esta ultrapassar os limites da zona econômica exclusiva.
A Convenção das Nações Unidas Sobre Direito do Mar (CNUDM), realizada em Montego Bay, na Jamaica, em 10 de dezembro de 1982, recepcionada no direito interno brasileiro pelo Decreto 1.530 de 22 de junho de 1995, estabelece que a linha de base normal é a linha de baixa-mar ao longo da costa, mas em casos de recifes, ilhas situadas em atóis ou de ilhas que têm cadeias de recifes, a linha de base para medir a largura do mar territorial é a linha de baixa-mar do recife que se encontra do lado do mar.
1.2. AUSÊNCIA DE DANO EM ÁREA DA UNIÃO
Acrescenta que nos locais em que a costa apresente recortes profundos e reentrâncias ou em que exista uma franja de ilhas ao longo da costa na sua proximidade imediata, pode ser adotado o método de linhas de base retas que unam os pontos apropriados para traçar a linha de base a partir da qual se mede a largura do mar territorial.
A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar também prevê que se pode traçar linhas de base retas que unam os pontos extremos das ilhas mais exteriores e dos recifes emergentes do arquipélago, com a condição de que dentro dessas linhas de base estejam compreendidas as principais ilhas e uma zona em que a razão entre a superfície marítima e a superfície terrestre, incluindo os atóis, se situe entre um para um e nove para um.
Vale ressaltar que as correntes residuais na baia naquela localidade alcançam no máximo, entre 0,001 e 0,010 m/s (Melo et al., 199714 e Prudêncio, 200215).
Diante de tal velocidade e das distintas trajetórias que as partículas do material vazado podem ter tomado à época, é mais provável que tenha ocorrido os processos de intemperismo do material poluente antes de alcançar os limites da RESEX e causar dano direto a esta Unidade de Conservação.
Além disso, em decorrência do suposto vazamento de óleo foi instaurado o Inquérito Policial para apurar a denúncia de crime ambiental.
No citado processo foi realizado o Laudo de Perícia Criminal Federal, o qual registrou a distância de Km entre o local do vazamento, bem como a inexistência de dados que possibilitassem afirmar ter ocorrido algum dano na referida Unidade de Conservação Federal.
Não há provas de que os bens da União tenham sido afetados por conta do vazamento de óleo. Inclusive, no mencionado Inquérito Policial foi reconhecida a incompetência absoluta da Justiça Federal. Diante disto, pedimos vênia para transcrever trechos do acórdão que evidenciam a incompetência federal:
“PENAL E PROCESSO PENAL. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. DENÚNCIA. CRIME AMBIENTAL. VAZAMENTO DE ÓLEO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. A competência da Justiça Federal restringe-se às hipóteses em que os crimes ambientais são perpetrados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas autarquias ou empresas públicas. Nos crimes ambientais, a regra é que a competência é da Justiça estadual, ressalvados os casos em que incide o art. 109, IV, da CF/88 (Precedentes 3ª seção do STJ). Hipótese em que local do vazamento é considerado área de preservação permanente em razão da vegetação local – mangue. A área, entretanto, não está inserida na Unidade de Conservação Federal Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé, criada em 1992 pelo Decreto Federal nº 533, o que é evidenciado pelo Laudo da Polícia Federal indicado na própria denúncia. Considerando que o local de vazamento não ocorreu em área de unidade de conservação federal, mas em área de proteção permanente situada em propriedade particular de pessoa jurídica de direito privado; que a denúncia não descreve danos a bens da União, quer à unidade de conservação federal ou ao mar territorial; que os laudos e perícias que embasam a denúncia não atestam ter havido danos à unidade de conservação federal ou ao mar territorial, é de ser reconhecida a incompetência absoluta da Justiça Federal para julgar e processar o presente feito.
Referido laudo, juntado nas do apenso, assim refere quanto ao local do vazamento: O empreendimento do local do suposto vazamento do óleo está situada ao sul de uma Unidade de Conservação (U.C.) federal, cujo objetivo é a exploração sustentável dos recursos naturais associados aos ecossistemas terrestres e marinhos a ela integrados.
1.3. SUPOSTO DANO OCORREU EM ÁREA ESTADUAL
O suposto vazamento ocorreu cerca a quilômetros do mar, em uma porção interiorizada da região estudo, denominada de Baía Sul.
Como se vê, o local onde ocorreu o vazamento é considerado área de preservação permanente em razão da vegetação local – mangue.
Mas a área não está inserida na Unidade de Conservação Federal Reserva Extrativista, o que resta evidente também pela foto do local do vazamento e sua relação com a unidade de conservação.
Ademais, o laudo afirma não ser possível concluir que o óleo vazado tenha causado algum dano ambiental na referida unidade de conservação. Por outro lado, resta analisar se o vazamento ocorrido atingiu à unidade de conservação permanente ou o mar territorial.
Ocorre que, passados mais anos do fato, mesmo tendo sido realizadas diversas perícias e vistorias no local, ao que se vê, não restou comprovado dano a bens da União, não tendo a denúncia descrito qualquer lesão à unidade de conservação federal ou ao mar territorial, tendo se restringido os danos à áreas de preservação permanente situadas dentro da propriedade da pessoa jurídica de direito privado. Isto é dentro da propriedade particular.
Portanto, considerando que o local de vazamento não ocorreu em área de unidade de conservação federal, mas em área de proteção permanente situada em propriedade particular; que a denúncia não descreve danos a bens da União, quer à unidade de conservação federal ou ao mar territorial; que os laudos e perícias que embasam a denúncia não atestam ter havido danos à unidade de conservação federal ou ao mar territorial, é de ser reconhecida a incompetência absoluta da Justiça Federal para julgar e processar o presente feito.”
O MPF buscou via Agravo em Recurso Extraordinário a reforma da supracitada decisão, todavia o agravo e consequentemente o Recurso Extraordinário não foi admitido, mantendo-se sem alteração o acórdão do TRF 4º Região.
Diante do exposto, requer o reconhecimento da incompetência da Justiça Federal para processar e julgar a presente demanda, declinando a competência para a Justiça Estadual de Santa Catarina.
2. DO MÉRITO – DANO MORAL
Entre os pedidos formulados nesta ACP o Requerente pretende que as Requeridas sejam condenadas ao pagamento de indenização por todos os danos que eventualmente provocaram/continuarão provocando ao meio ambiente, às populações tradicionais e a toda sociedade civil.
Verifica-se a falta de especificação pelo Requerente acerca do fundamento para condenação da Requerida ao pagamento de indenização extrapatrimonial, pois, inclusive, utiliza em seu requerimento o termo “eventualmente” demonstrando a falta de prova concreta a respeito da reparação do dano pretendido.
Segundo lição de Sílvio de Salvo Venosa, a reparação por danos morais decorre da ocorrência de “prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima”, encontrando assento no art. 5, incs. V e X do texto constitucional, como um dos direitos e garantias fundamentais, de ordem individual, senão vejamos:
Art. 5 […] V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral de- corrente de sua violação;
Acerca da definição do dano moral – tarefa árdua e sem pretensão exaustiva por conta da subjetividade do tema – ressaltam-se os ensinamentos de Yussef Said Cahali:
[…] tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconheci- dos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral […] evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.
Nos termos do art. 186 do Código Civil de 2002, que reproduz a regra do art. 159 do Código Civil de 1916, “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, dispositivo este complementado pelo art. 927 do Diploma Civil vigente, cujo teor prescreve: “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”
A exegese legal atribui ao autor o ônus probatório referente ao dano (art. 373, inciso I, CPC/2015), cuja ausência de comprovação impossibilita, por consectário, o pagamento de indenização. Cabe lembrar que a atividade de produção e extração de molusco foi interditada administrativamente pelo IMA.
Depois disso, foi ajuizado pelo Ministério Público Federal a presente Ação Civil Pública e designada a audiência conciliatória, na qual foi realizado o julgamento de mérito, extinguindo-se o feito, tendo a Requerida efetuado o pagamento de indenização aos atingidos.