Ação declaratória de nulidade de auto de infração ambiental por queima não autorizada de palha de cana-de-açúcar, sem demonstração dos requisitos previstos no artigo 38, §§ 3º e 4º do Código Florestal, que impõe à autoridade de fiscalização ambiental comprovar o nexo causal entre alguma ação do proprietário e o dano causado, além da culpa ou dolo pelo uso de fogo e incêndio.
EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE
AUTORA, pessoa jurídica de direito privado, vem à presença de V. Exa., propor AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL em face do RÉU, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas.
1. SÍNTESE DOS FATOS E DO PROCESSO ADMINISTRATIVO
A Autora atua dentro dos princípios e do respeito ao meio ambiente, utilizando-se das melhores técnicas para preservá-lo e recuperá-lo. No entanto, o Réu entendeu que a Autora descumpriu a legislação ambiental e lavrou auto de infração ambiental por suposto uso não autorizado de fogo.
Quanto ao fato gerador do auto de infração ora atacado, no dia dos fatos foram avistadas chamas na fazenda. Diante de tal fato, após acionarem os brigadistas para combate do incêndio, os representantes da Autora foram até a Delegacia de Polícia e lavraram o Boletim de Ocorrência.
Referida informação consta ainda no relatório elaborado pela Autora por ocasião da ocorrência e que demonstra que a Autora sempre tratou o ocorrido internamente como acidente, porque foi, de fato, um acidente de autoria desconhecida.
Veja-se que, em nenhum momento, no auto de infração ou ao longo do processo administrativo, o órgão ambiental autuante sugeriu que a Autora teria realizado uma queimada da palha da cana.
O que se diz é que, uma vez ocorrido o incêndio acidental, a Autora se beneficiou do seu resultado ao processar o produto. E, pelo processo administrativo, também fica claro que não se imputou a queima a terceiros. Está incontroverso que o fogo foi acidental.
Diante de tamanha arbitrariedade, a Autora apresentou defesa administrativa demonstrando cabalmente que, além de não ter ateado fogo no local, ela não teve qualquer vantagem ou benefício com o incêndio. Contudo, a defesa não foi deferida, sendo mantidos o Auto de Infração e a penalidade de multa ambiental, além de ter se esgotado a discussão na esfera administrativa.
Ao decidir pela manutenção do auto de infração ambiental em questão, o órgão ambiental autuante violou totalmente as premissas constitucionais e legais (Lei Federal 9.784/99) que subordinam a atuação da Administração Pública, em especial a legalidade, busca pela verdade material dos fatos, obrigatoriedade de adequação dos meios aos fins com vistas ao interesse público.
Daí porque deve ser reconhecida a inexistência das práticas imputadas à Autora e anulado o auto de infração ambiental.
2. INSUBSISTÊNCIA DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL E DA MULTA POR AUSÊNCIA DE CONDUTA TÍPICA
Nos termos do art. 38, §§ 3º e 4º do Código Florestal está expresso que cabe à autoridade comprovar o nexo causal entre alguma ação do proprietário e o dano causado (o que exclui a própria possibilidade de adotar, como infração administrativa, a conduta de “se beneficiar”):
§3° Na apuração da responsabilidade pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares, a autoridade competente para fiscalização e autuação deverá comprovar o nexo de causalidade entre a ação do proprietário ou qualquer preposto e o dano efetivamente causado.
§4° É necessário o estabelecimento de nexo causal na verificação das responsabilidades por infração pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares.
Nesse sentido, aponta Édis Milaré[1] que:
A essência da infração ambiental não é o dano em si, mas sim o comportamento em desobediência a uma norma jurídica de tutela do meio ambiente. Se não há conduta contrária à legislação posta, não se pode falar em infração administrativa.
Ora, se o comportamento não é vedado, não há qualquer justificativa legal que permita a manutenção do Auto de Infração.
A Autora nunca poderia ter sido penalizada tão somente por ter processado a cana-de-açúcar objeto da situação que foi originada a partir de conduta de terceiro, qual seja, o incêndio (ademais, registra-se novamente que no caso em comento não houve qualquer benefício para a Autora).
É válida a transcrição do julgado abaixo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, citado preambularmente:
MULTA AMBIENTAL. Fernandópolis. Queima da palha da cana- de-açúcar. Art. 4 V do DE nº 47.700/03. Art. 2º, 3º V, 16, 80 I do Regulamento da LE nº 997/76, aprovado pelo DE nº 8.468/76. Auto de infração. Multa.
Auto de infração. Substituição. Não há óbice a que a autuação imperfeita seja substituída por outra. A autora foi notificada da segunda autuação, que substituiu a primeira, interpôs recurso e foi notificada da decisão.
Queima da palha da cana. Responsabilidade. Receber e processar a cana queimada não é descrita como infração na lei e no regulamento, razão suficiente para a anulação da autuação.
Não há prova da relação contratual que permita a imputação por culpa in vigilando ou in eligendo nem de que a empresa tenha se beneficiado da infração, o que não se confunde com o simples processamento da cana queimada. Autuação que não se sustenta. Procedência. Recurso da ré desprovido” (TJSP. Apelação nº 0005607-97.2009.8.26.0189, De. Rel. Torres de Carvalho, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, j. 09/02/2012, r. 14/02/2012).
2.1. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE PELO INCÊNDIO
Conforme exposto anteriormente, o incêndio foi causado provavelmente por terceiros, tanto que foi isso que o próprio Auto de Infração não diz o contrário (a conduta atribuída à Autora é meramente a de “se beneficiar”) e foi isso que constou no Boletim de Ocorrência.
Além disso, colheita da Autora é totalmente mecanizada crua em todas as suas propriedades, incluindo a Fazenda, o que afasta a mínima lógica de se proceder uma queimada intencional).
O posterior envio do material queimado para processamento era a única solução possível e razoável. Ainda segundo Édis Milaré[2], o comportamento – para resultar em responsabilização na esfera administrativa – deve ser ilícito e se subsumir a hipótese legal, o que não ocorreu no presente caso:
De fato, em determinados casos, o comportamento será considerado ilícito por amoldar-se a um dos tipos infracionais previstos, por exemplo, no Decreto 6.514/2008 ou em outras normas ambientais.
Em tais situações, a sanção somente poderá incidir ante o perfeito enquadramento legal do comportamento imputado ao agente, incluindo, se for o caso, a ocorrência do resultado danoso nos termos descritos no tipo.
Ora, está mais do que claro que não houve queimada intencional. A colheita da Autora é mecanizada e ninguém sabe as causas do incêndio. Não houve, portanto, uma infração da qual a Autora se beneficiou. Qualquer outra interpretação do dispositivo seria flagrantemente ilegal.
Portanto, estando claro que a Autora nunca poderia ter sido autuada por ter se beneficiado da queima da palha da cana-de-açúcar no local, não há que se falar em tipicidade da sua conduta por falta de amparo legal, justificativa suficiente para que sejam declarados NULOS o Auto de Infração e a penalidade de multa aqui impugnados.
2.1. AUSÊNCIA DO NEXO DE CAUSALIDADE
O Código Florestal, lei específica e mais recente (lei 12.651/12), determina, de modo insofismável e inevitável, que, nos casos de uso irregular de fogo em vegetação, é obrigação da autoridade competente “comprovar o nexo de causalidade”, nos seguintes termos:
Art. 38. É proibido o uso de fogo na vegetação, exceto nas seguintes situações: (…).
§3° Na apuração da responsabilidade pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares, a autoridade competente para fiscalização e autuação deverá comprovar o nexo de causalidade entre a ação do proprietário ou qualquer preposto e o dano efetivamente causado.
§4° É necessário o estabelecimento de nexo causal na verificação das responsabilidades por infração pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares.
Ou seja, o órgão ambiental autuante estava obrigado a comprovar o nexo causal entre alguma ação da Autora e o dano ocorrido. Mas, na medida em que a conduta descrita no próprio Auto de Infração é apenas a de “se beneficiar” (porque, de fato, a Autora não praticou a queima), fica evidente que nem se tentou estabelecer esse nexo causal (quanto mais provou).
Conforme indicado no boletim de ocorrência feito na época, o fogo não foi ateado no local pela Autora, a qual, inclusive, auxiliou no combate e extinção por meio de sua brigada de incêndio.
Ou seja, o incêndio foi fruto de caso fortuito, força maior ou ato de terceiro, não havendo, no caso concreto, o nexo de causalidade exigido pela lei (art. 38, §§3º e 4º do Código Florestal) para vincular tais fatos à Autora, o que afasta o reconhecimento de sua responsabilidade.
E também Édis Milaré[3] ensina que:
Ora, a Administração Pública somente pode penalizar o potencial infrator quando ele contribui, ainda que indiretamente, para a ocorrência da infração. Quando, no caso concreto, estiver presente uma das excludentes da responsabilidade, a regra é exatamente a mesma.
Neste caso, porém, a responsabilidade administrativa existe apenas se o fato tido como delituoso resultar da ‘combinação entre o comportamento culposo, omissão ou comissivo, do suposto infrator e a ocorrência de uma excludente’; ou seja, requer- se o nexo de causa e efeito.