O Ministério Público de Santa Catarina propôs ação civil pública por danos ao meio ambiente, pleiteando a condenação de um morador de Florianópolis na obrigação de fazer, consistente no desfazimento ou demolição das obras construídas irregularmente na Praia do Santinho, na recuperação ambiental da área degradada e na condenação ao pagamento de indenização por danos morais.
Contudo, o TJSC rejeitou o pedido de demolição, mas determinou ao morador o dever de requerer, administrativamente, a regularização da sua obra.
Inconformado, o Ministério Público recorreu ao Superior Tribunal de Justiça – STJ, requerendo a reforma da decisão para demolir a obra construída em área de preservação permanente, mas a decisão do TJSC foi mantida, ou seja, de se manter edificações, ainda que irregulares, porque o pleito demolitória seria medida desproporcional.
1. Ementa
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. EDIFICAÇÕES ERGUIDAS EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO. REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7 DO STJ. INCIDÊNCIA.
1. O Plenário do STJ decidiu que “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (Enunciado Administrativo n. 2).
2. Em ação civil pública por danos ao meio ambiente, em que o Parquet pleiteia o desfazimento das obras construídas irregularmente na Praia do Santinho, localizada em Florianópolis/SC, a recuperação ambiental da área degradada e a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, a Corte a quo manteve sentença que rejeitou o pleito demolitório.
3. Hipótese em que o Tribunal estadual considerou que “a complexidade da situação e o alto impacto social” desaconselhavam “a demolição peremptória de todas as residências, que certamente representaria medida desproporcional” e que, “em razão da realidade social,” seria recomendável a adoção de “medidas de solução e não medidas drásticas de confronto”, destacando a “total omissão e negligência do Poder Executivo local na que toca à fiscalização da ocupação do solo urbano”.
4. Esta egrégia Primeira Turma, examinando casos idênticos, envolvendo imóveis localizados na mesma praia, decidiu por estampar o óbice da Súmula 7 desta Corte, pois o dissentir das conclusões alvitradas na origem exigiria reexame do acervo fático-probatórios dos autos ( AgInt no REsp 1.444.435/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, julgado em 05/04/2018, DJe 17/04/2018). 5. Agravo interno desprovido.
(STJ – AgInt no REsp: 1342417 SC 2012/0184920-3, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 26/06/2018, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/08/2018).
2. Leia o voto que rejeitou o pedido de demolição
De fato, tal como ali anotado, o Ministério Público estadual propôs ação civil pública por danos ao meio ambiente, pleiteando a condenação da parte ré, ora agravada, na obrigação de fazer consistente no desfazimento das obras construídas irregularmente na Praia do Santinho, localizada em Florianópolis/SC, na recuperação ambiental da área degradada e na condenação ao pagamento de indenização por danos morais.
A Corte estadual manteve sentença que rejeitou o pleito demolitório formulado pelo Parquet e impôs ao demandado “o dever de postular, administrativamente, a regularização da sua obra”.
Para tanto, considerou que “a complexidade da situação e o alto impacto social desaconselham a demolição peremptória de todas as residências, que certamente representaria medida desproporcional”.
O TJSC também reputou não ser razoável que, “após longo período de omissão do Poder Executivo, o Poder Judiciário seja impelido a resolver questão complexa e delicada, de forte impacto social, a qual o ente municipal convenientemente negligenciou”.
Desse modo, recomendou ao Município planejar “meios viáveis de recuperação da área degradada”. Em arremate, concluiu que, “em razão da realidade social, são recomendáveis medidas de solução e não medidas drásticas de confronto”.
2. Decisão do TJSC impede demolição de imóvel construído em APP
Eis o teor das razões lançadas no aresto estadual
É certo que compete ao Município, juntamente com a sociedade diretamente interessada, definir a política urbana, que é limitada pelo princípio da legalidade, principalmente no que se refere à legislação ambiental.
Definido o modo de ocupação das áreas do Município, também incumbe a este a fiscalização do cumprimento das diretrizes locais, bem como a iniciativa de tomar as providências necessárias à manutenção do meio ambiente equilibrado, conforme pré-estabelecido.
Sob esse prisma, indesviável concluir pela total omissão e negligência do Poder Executivo local na que toca à fiscalização da ocupação do solo urbano.
Se era do interesse dos munícipes que se preservasse a área no entorno das Dunas dos Ingleses, os moradores locais e o Município de Florianópolis é que deveriam ser os primeiros a promover a manutenção do planejamento urbano.
Não é razoável, por conseguinte, que após longo período de omissão do Poder Executivo, o Poder Judiciário seja impelido a resolver questão complexa e delicada, de forte impacto social, a qual o ente municipal convenientemente negligenciou.
Assim, mesmo verificando a possibilidade de real impacto ambiental e considerando que a área em análise deveria de fato ser preservada, conforme as diretrizes delineadas pelo próprio Município, há de se atentar que incumbe a este, e não ao Poder Judiciário, tomar as providências necessárias de regularização da maciça ocupação desordenada na região da Praia do Santinho.
Ressalte-se não se tratar de residências esparsas construídas irregularmente. São centenas de casas que se ergueram na região ao alvedrio da população e sem qualquer fiscalização por parte do Município, o que é inconcebível.
Ainda mais considerando que o Imposto Predial Territorial Urbano é exigido de todos os moradores, apesar de estes terem construído suas residências em área non aedificandi.
Diante do total descaso e de tamanha negligência do Município de Florianópolis com relação à ocupação que se deu desordenadamente na Praia do Santinho, não há como agora, frente a cada caso concreto, tomar-se qualquer medida corretiva pela via judicial.
A complexidade da situação e o alto impacto social desaconselham a demolição peremptória de todas as residências, que certamente representaria medida desproporcional.
Assim, recomenda-se que o Poder Executivo planeje meios viáveis de recuperação da área degradada de maneira global e eficaz, envolvendo todas as residências da região, a fim de, principalmente: preservar as Dunas dos Ingleses; proteger de contaminação o aquífero localizado abaixo delas, que pode ser ocasionada pela ausência de tratamento de dejetos e do esgoto em geral; evitar a continuidade da supressão da vegetação de restinga protegida por lei federal.
Importante frisar que, com base no que foi explanado, essas providências competem precipuamente ao Poder Executivo (CF, art. 23, VI), e seu adimplemento não pode ser postergado nem negligenciado, porquanto não dado ao administrador optar pela não aplicação ou pela não fiscalização do fiel cumprimento das leis.
E exatamente por essa razão é que também o Ministério Público poderá se valer dos meios processuais apropriados para compelir o Poder Público a agir nesse sentido.
Dissentir de dessa conclusão demanda revolvimento de aspectos fático-probatórios dos autos, providência a que não se presta a via do especial, nos termos do disposto na Súmula 7 do STJ.
3. Jurisprudência
Nesse sentido, trago precedentes da egrégia Primeira Turma, examinando casos idênticos:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. OFENSA AOS ARTS. 2º, “F”, E 3º, “B”, E § 1º, DA LEI N. 4.771/1965. DEMOLIÇÃO DE IMÓVEL. EXAME. NECESSIDADE DE SE APRECIAR O CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
A Corte de origem, ao observar a complexidade dos fatos que envolvem a ocupação irregular examinada, levando também em consideração a omissão do Poder Público municipal em fiscalizar a área e a desproporcionalidade da medida no atual momento, entendeu por não autorizar a demolição da moradias ali construídas.
No caso, a revisão do que decidido impõe, impreterivelmente, o reexame dos fatos e provas, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ. Em situação envolvendo a mesma ocupação, confira-se: AgRg no AREsp 57.545/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 15/3/2017.
Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1.444.435/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, julgado em 05/04/2018, DJe 17/04/2018).
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PLEITO DE DEMOLIÇÃO DA ACESSÃO E DE INDENIZAÇÃO POR DANOS AO MEIO AMBIENTE. EDIFICAÇÕES DE LONGA DATA NO ENTORNO DAS DUNAS DOS INGLESES NA PRAIA DO SANTINHO, FLORIANÓPOLIS/SC. ACÓRDÃO QUE ENTENDEU IRRAZOÁVEL A PRETENSÃO DE REMOÇÃO ABRUPTA, SEM AO MENOS A EXISTÊNCIA DE PLANEJAMENTO DE MEIOS VIÁVEIS À NECESSÁRIA PROTEÇÃO E RECUPERAÇÃO AMBIENTAL DA ÁREA, A SER DESENVOLVIDA SOB A SUPERVISÃO MINISTERIAL. EVENTUAL REVISÃO DO ACÓRDÃO DEMANDA, NECESSARIAMENTE, O REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
O Tribunal de origem apreciou fundamentadamente a controvérsia, não padecendo o acórdão recorrido de qualquer omissão, contradição ou obscuridade.
A Corte a quo concluiu, no que se refere ao pedido condenatório de indenização por danos morais ao meio ambiente, que não há razão para se deferir o pleito, porquanto não foram demonstrados os elementos que seriam determinantes para evidenciar o prejuízo extrapatrimonial a ser indenizado.
O acolhimento das alegações deduzidas no Apelo Nobre demandaria, necessariamente, a incursão no acervo fático-probatório da causa, o que é vedado nesta seara recursal.
Em momento algum o acórdão autorizou a construção ou a manutenção de edificações ilegais em APP, como alega o órgão Ministerial Recorrente.
A jurisprudência desta Corte pacificou o entendimento de que o Tribunal de origem é soberano na análise das provas, podendo, portanto, concluir pela necessidade ou desnecessidade da produção de provas periciais e documentais.
Agravo Regimental do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 57.545/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Primeira turma, julgado em 02/02/2017, DJe 15/03/2017).
Por último, deixo de aplicar a sanção prevista art. 1.021, § 4º, do CPC/2015 por não observar caráter manifestamente inadmissível ou improcedente no manejo do presente recurso.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo interno. É como voto.