O pagamento de parcelas do débito contraído em cédula de crédito rural, após as respectivas datas de vencimento previstas no título, constitui inadimplemento contratual apto a configurar o antecipação da integralidade da dívida, nos termos do art. 11 do Decreto-Lei nº 167/1967, que dispõe sobre o referido título:
Art 11. Importa vencimento de cédula de crédito rural independentemente de aviso ou interpelação judicial ou extrajudicial, a inadimplência de qualquer obrigação convencional ou legal do emitente do título ou, sendo o caso, do terceiro prestante da garantia real.
Parágrafo único. Verificado o inadimplemento, poderá ainda o credor considerar vencidos antecipadamente todos os financiamentos rurais concedidos ao emitente e dos quais seja credor.
Ao comentar o dispositivo legal transcrito, Lutero de Paiva Pereira afirma que:
O vencimento antecipado da cédula de crédito rural, conhecido como vencimento extraordinário, consistente na exigibilidade da obrigação em data anterior àquela livremente aprazada pelas partes para seu cumprimento, é assegurado ao credor quando o emitente da cártula, ou mesmo o terceiro prestador da garantia real, contraria e infringe obrigações convencionais ou legais aplicáveis ao mútuo rural. […]
No âmbito das obrigações convencionais invocadas pelo financiador para autorizar a aplicação da sanção do art. 11, importa considerar que as estipulações acaso infringidas pelo mutuário deverão estar presentes na cédula com base em autorização expressa do Conselho Monetário Nacional, visto que, consoante já foi objeto de consideração mais detalhada, financiador e financiado somente poderão pactuar em estrita obediência à disciplina legal especial e de conformidade com as normas ditadas pela referida Autoridade.
Dada a característica sui generis do crédito rural, o legislador pretendeu tratá-lo sob normas específicas e peculiares, ordenando-o de forma a desestimular qualquer infringência aos seus normativos e preceitos básicos.
Nesta ótica, facultou-se ao credor tornar vencido todos os financiamentos rurais do mesmo emitente, desde que um deles apresente irregularidade tal a ensejar a aplicação do preceito legal em tela”.
(PEREIRA, Lutero de Paiva. Financiamento Rural. Coleção de Direito Bancário, volume 4. Limites da Legalidade. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 1998, pág. 149/150)
Tendo em vista o caráter especial da lei de regência da cédula de crédito rural e a natureza dos contratos de financiamento rural, conclui-se que configurado o inadimplemento contratual dos emitentes da cártula, apto a ensejar o vencimento total da dívida, nos termos do art. 11º do Decreto-Lei nº 167/1967.
O crédito rural tem características peculiares e especiais, com regramento normativo próprio e específico, sendo certo que tal circunstância se justifica, precipuamente, pela importância dessa modalidade de financiamento na conjuntura sócio-econômica do Brasil, vital para o fomento da produção rural, o que revela seu interesse público.
Nesse sentido, confira-se o que dispõe a Lei nº 4.829/1965 (institucionaliza o crédito rural) no tocante aos seus objetivos:
Art. 3º São objetivos específicos do crédito rural:
- estimular o incremento ordenado dos investimentos rurais, inclusive para armazenamento beneficiamento e industrialização dos produtos agropecuários, quando efetuado por cooperativas ou pelo produtor na sua propriedade rural;
- favorecer o custeio oportuno e adequado da produção e a comercialização de produtos agropecuários;
- possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais, notadamente pequenos e médios;
- incentivar a introdução de métodos racionais de produção, visando ao aumento da produtividade e à melhoria do padrão de vida das populações rurais, e à adequada defesa do solo (…).
Por tal motivo, as partes contratantes (instituição financeira e mutuário) dessa espécie de financiamento não dispõem da natural liberdade de estipulação das avenças contratuais da forma que lhes aprouver, como normalmente ocorre nas relações de caráter privado.
Ao contrário, o poder público, por intermédio do Conselho Monetário Nacional, possui atribuição expressa para regular e fiscalizar as disposições insertas nos contratos de financiamento rural.
Nessa perspectiva, para que o crédito rural possa atingir seu propósito, o ordenamento jurídico pátrio impôs ao financiador (instituição financeira) a prática de encargos – especialmente no tocante à taxa de juros – menos onerosos do que os usualmente praticados no mercado, de modo que o cumprimento do contrato de financiamento se torne mais viável para o mutuário.
De outro lado, é razoável compreender que o legislador, levando em consideração todos os benefícios concedidos ao financiamento rural e as limitações impostas ao agente financiador, também intencionou impor um rigorismo para o caso de inadimplência contratual do mutuário, ao consignar, no art. 11 do Decreto-Lei nº 167/1967 que:
“importa vencimento da cédula de crédito rural, independentemente de aviso ou interpelação judicial ou extrajudicial, a inadimplência de qualquer obrigação convencional ou legal do emitente do título (…)”.
Esse proceder resta mais evidente ainda no paragrafo único do citado dispositivo legal ao dispor que, “verificado o inadimplemento, poderá ainda o credor considerar vencidos antecipadamente todos os financiamentos rurais concedidos ao emitente e dos quais seja credor”.
Conclui-se, portanto, que o pagamento de parcelas do débito contraído em cédula de crédito rural, após as respectivas datas de vencimento previstas no título, constitui inadimplemento contratual apto a configurar o antecipação da integralidade da dívida, nos termos do art. 11 do Decreto-Lei nº 167/1967, que dispõe a respeito do referido título.
Importante frisar que o inadimplemento pelo pagamento em atraso, nos termos do art. 11 do Decreto-Lei nº 167/1967, configura o descumprimento, por parte do mutuário, de obrigação convencionada, qual seja o pagamento do débito nas datas aprazadas na cártula, e autoriza o vencimento antecipado da dívida.
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