ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. RESIDÊNCIA CONSTRUÍDA ATRAVÉS DE FINANCIAMENTO JUNTO À CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. SFH. CONCESSÃO DE ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO. NEGATIVA DE HABITE-SE. VIOLAÇÃO À BOA FÉ. APP. ÁREA URBANA CONSOLIDADA. DANOS MATERIAIS. DANOS MORAIS.
1. Apesar de o imóvel estar situado em área de preservação permanente, trata-se de área consolidada, inexistindo ganhos ambientais decorrentes da sua demolição.
2. Em caso de ocupação urbana consolidada, diante do princípio da razoabilidade, mostra-se absolutamente descabida a medida de demolição. Trata-se de imóvel situado em cidade amplamente urbanizada.
3. Ainda que o município tenha poder de autotela de seus atos, estes não podem provocar insegurança jurídica ou ser fator de discriminação entre os seus munícipes. Ademais, ainda que não caiba ao município conceder licença ambiental, cabe a ele autorizar construções em sua área urbana e, para tanto, está sujeito à observância de todas as normas e diretrizes que incidam na espécie.
4. Apesar de o imóvel estar situado em área de preservação permanente, trata-se de área consolidada, inexistindo ganhos ambientais decorrentes da sua demolição, razão pela qual deve o município realizar nova análise das condições técnicas necessárias à emissão do alvará de conclusão de obra e habite-se, observando que no caso dos autos o fato de o imóvel estar em APP não é óbice à sua emissão.
5. Condenado o Município de São Mateus do Sul a pagar aos autores os valores correspondentes a todas as despesas contratuais pertinentes ao financiamento do imóvel e arcadas pelos autores desde a data do indeferimento do alvará de conclusão de obra/habite-se, excluídas as parcelas de amortização do capital emprestado, além de indenização a título de danos morais.
6. Apelação a que se nega provimento. (TRF-4 – AC: 50031328120134047014 PR 5003132-81.2013.4.04.7014, Relator: ROGERIO FAVRETO, Data de Julgamento: 15/02/2022, TERCEIRA TURMA)
RELATÓRIO
Trata-se de ação de procedimento comum proposta por ANA PAULA DOS SANTOS IASCHAKI PEREIRA e DANIEL WACHAKI PEREIRA em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, do MUNICÍPIO DE SÃO MATEUS DO SUL/PR e de JOSE EDISON CAITANO, em que objetivam a declaração de que o imóvel descrito na matrícula n.º 4.742 não está em área de preservação permanente (APP).
Postularam a condenação do município de São Mateus do Sul à expedição de alvará de conclusão de obra e respectivo habite-se e a manutenção do contrato de mútuo firmado com a Caixa Econômica Federal; a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais; subsidiariamente, declaração de que a demolição da construção em área urbana consolidada não traz proveito ao meio ambiente; ainda subsidiariamente, a condenação do município ao pagamento de indenização por danos materiais.
Antecipada tutela para determinar à Companhia Paranaense de Energia Elétrica a ligação do serviço no imóvel dos autores, tomadas por eles as providências cabíveis (evento 70).
Decretada a revelia do réu José Edison Caitano (evento 79).
Sobreveio sentença que julgou os pedidos nos seguintes termos (processo 5003132-81.2013.4.04.7014/PR, evento 270, SENT1):
“ 3. Dispositivo.
Ante o exposto julgo procedente em parte o pedido feito por Ana Paula dos Santos Iaschaki Pereira e Daniel Wachaki Pereira para:
a) declarar que a demolição da construção residencial realizada no lote n.º 26 da quadra 69, matriculado no Registro de Imóveis da Comarca de São Mateus do Sul sob n.º 4.742 não traz proveito ao meio ambiente;
b) condenar o Município de São Mateus do Sul realizar nova análise das condições técnicas necessárias à emissão do alvará de conclusão de obra e habite-se no imóvel objeto da controvérsia, observando que no caso dos autos o fato de o imóvel estar em área de preservação permanente (APP) não é óbice a sua emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do trânsito em julgado desta decisão;
c) condenar o Município de São Mateus do Sul a pagar aos autores os valores correspondentes a todas as despesas contratuais pertinentes ao financiamento do imóvel e arcadas pelos autores desde a data do indeferimento do alvará de conclusão de obra/habite-se (27/3/2013), excluídas as parcelas de amortização do capital emprestado, até a data em que for emitido o habite-se. Os valores devem ser corrigidos monetariamente pelo IPCA-e, incidente desde o momento em que devida cada parcela e acrescida de juros de mora equivalentes aos da caderneta de poupança, contados a partir da citação (27/1/2014).
d) condenar o Município de São Mateus do Sul a pagar aos autores indenização a título de danos morais, arbitrada em R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigidos monetariamente a partir da data do arbitramento e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, contados da data do evento danoso comprovado (27/3/2013- evento 1, PARECER31).
Condeno o Município de São Mateus do Sul ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais à parte autora, na forma do artigo 85, parágrafo quarto, inciso II, do Código de Processo Civil.
Condeno os autores ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais à Caixa Econômica Federal, que fixo em 10% sobre o valor da causa em R$ 2.000,00, nos termos do parágrafo segundo do artigo 85 do Código de Processo Civil.
Sem custas (Lei n.º 9.289/96, artigo 4.º, inciso I). Defiro à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita. Mantenho a tutela de urgência deferida no evento 70.
Extingo o processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Intimem-se.”
Foram rejeitados os embargos de declaração apresentados pela parte autora, e corrigido de ofício erro material existente no dispositivo da sentença anexada no evento 270, para que o parágrafo relativo à condenação dos autores ao pagamento de honorários advocatícios à Caixa Econômica Federal tenha a seguinte redação (processo 5003132-81.2013.4.04.7014/PR, evento 294, SENT1):
“Condeno os autores ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais à Caixa Econômica Federal, que fixo em 10% sobre o valor da causa, nos termos do parágrafo segundo do artigo 85 do Código de Processo Civil.”
Apelou o Município de São Mateus do Sul/PR.
Afirma o apelante, em suas razões, que a questão ambiental relativa a construção imobiliária (amplamente discutida nestes autos) não era a única causa pela qual não foi conferido o “HABITE-SE” aos Autores, sendo que haviam outros requisitos não atendidos pelo Autor que também motivaram o referido indeferimento.
Portanto, requer a reforma da sentença monocrática a fim de afastar a responsabilização civil do Município, excluindo da condenação o ressarcimento em danos morais e materiais, ao argumento de que, não obstante a questão ambiental, outros requisitos não cumpridos pelos Autores existiam.
Alternativamente, requer ao menos a reforma da sentença quanto aos danos materiais, excluindo da condenação os encargos do financiamento até a presente data, limitando a condenação ao período compreendido entre a comprovação de todos os requisitos exigidos para concessão do habite-se após a sentença transitada em julgado, mediante processo administrativo próprio e na forma do inciso VII e VIII do art. 3º da LC nº 26/2006 e até a concessão do habite-se.
Alega que, se o autor tivesse protocolando pedido de licença ambiental junto ao IAP e apresentado a liberação ambiental junto ao seu pedido de habite-se, este processo sequer existiria.
Requer, portanto, reforma da sentença monocrática a fim de excluir da condenação a responsabilização civil do Município, excluindo a sua condenação ao ressarcimento de danos morais e materiais.
Alternativamente, requer que no mínimo a sentença monocrática seja reformada quanto ao dano material a fim de reduzi-lo em razão de culpa concorrente dos autores.
Alternativamente, afirma que a sentença monocrática mereceria reforma para excluir o dano moral, ou ao menos para fins de reduzi-lo.
Sustenta que pelo só fato de não receber o habite-se automaticamente decorreria o dano moral e que houve amortização da dívida durante o período, conforme demonstrado pelos documentos que detalham o cálculo do valor devido.
Acaso mantida a responsabilidade civil do Município e ainda, acaso ainda entendido a ocorrência do dano, requer redução do quantum fixado para fins de ressarcimento para até R$ 2.000,00.
Diante de todo o exposto, requer o recebimento do apelo, a fim de excluir a responsabilidade civil do Município, ou no mínimo para excluir o dano moral e/ou reduzir os danos materiais e morais.
Apresentadas contrarrazões, subiram os autos a esta Corte. É o relatório.
VOTO
Em sentença, proferida pela Juíza Federal Graziela Soares, da 1ª Vara Federal de União da Vitória, o pedido foi originariamente julgado parcialmente procedente, nos seguintes termos (processo 5003132-81.2013.4.04.7014/PR, evento 270, SENT1):
“2. Fundamentação
1) Localização do imóvel em área de preservação permanente.
A primeira controvérsia fática fixada na decisão saneadora diz respeito à localização do imóvel em área de preservação permanente.
No laudo pericial anexado no evento 201 o perito informa que o Rio Canoas era, na verdade, um córrego de dois metros de largura, mas que foi retificado pela Petrobrás, consistindo em um canal retificado, o que descaracteriza sua condição natural. Apesar disso, o imóvel objeto da controvérsia nos autos tem seu ponto mais próximo situado a 15,14 metros do canal.
O atual Código Florestal foi promulgado em 25/5/2012, e estabelece na alínea ‘a’ do inciso I do artigo 4.º que é área de preservação permanente as faixas marginais de qualquer curso d’água natural pereno e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de 30 metros, para os cursos d’água de menos de 10 metros de largura.
Esse código revogou o anteriormente vigente (Lei n.º 4.771/1965) que em sua redação original estabelecia a largura de 5 metros como área de preservação permanente para os cursos d’água de menos de 10 metros de largura (artigo 2.º, alínea ‘a’, inciso 1).
Essa largura foi ampliada para 30 metros pela Lei n.º 7.511/1986. Portanto, desde 1986 a faixa de preservação permanente para cursos d’água de menos de 10 metros de largura é de 30 metros. Ou seja, não foi o novo código florestal que alterou a largura da faixa considerada APP.
O loteamento em que inserido o imóvel objeto da discussão nos autos data de 1981. É, aliás, fato incontroverso, como consta no termo de audiência de conciliação anexado no evento 70, onde o próprio representante do órgão ambiental estadual informou que o loteamento existe há mais de 30 anos.
Portanto, formou-se, a princípio, sob os auspícios da Lei n.º 6.766/1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano. E essa lei estabelece como área não edificável a faixa de 15 metros ao longo das águas correntes. Assim, quando parcelado o solo urbano, deveria ser observada a faixa de 15 metros para proteção do Rio Canoas.
A formação do loteamento, no entanto, não assegura o direito à construção sobre a área observando apenas a faixa de 15 metros estabelecida pela Lei n.º 6.766/1979, uma vez que a partir de 1986 a área de preservação permanente para cursos d’água como o Rio Canoas passou a ser de 30 metros.
Não exercido o direito à construção antes de 1986, não se pode falar em direito adquirido à aplicação de faixa de proteção ambiental de 15 metros. A construção foi autorizada pelo município, conforme alvará de construção n.º 85/2011, em 9/9/2011, e estava sujeita à legislação vigente em 2011.
Com isso, tem-se que em 2011 a área de preservação permanente legalmente a ser observada era de 30 metros e a obra realizada o foi em área de preservação permanente, pois seu ponto mais próximo situado a 15,14 metros do canal como asseverado acima.
2) Localização do imóvel em área urbana consolidada.
O Código Florestal anterior (Lei n.º 4.771/1965) não dispunha sobre área urbana consolidada, apenas previa no parágrafo único do artigo 2.º que “No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo”, o que apenas foi incluído em 18/7/1989, pela Lei n.º 7.803.
A lei de parcelamento do solo urbano (Lei n.º 6.766/1979) também não trazia disposição sobre área urbana consolidada. Em 2009, a Lei n.º 11.977 definiu área urbana consolidada.
O inciso II do caput do artigo 47 dessa lei, em sua redação vigente à época da construção, previa que era a”parcela da área urbana com densidade demográfica superior a 50 habitantes por hectare e malha viária implantada, e que tenha, no mínimo dois dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a – drenagem de águas pluviais; b – esgotamento sanitário; c – abastecimento de água potável; d – distribuição de energia elétrica; ou e – limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos.”
A Resolução CONAMA n.º 303, DE 20/3/2002, que dispunha sobre os parâmetros, definições e limites de áreas de preservação permanente, em seu artigo 2.º, inciso XIII, caracterizava a área urbana consolidada como aquela que atendia aos seguintes critérios:
a) definição pelo poder público;
b) existência de, no mínimo, quatro dos seguintes equipamentos de infra-estrutura urbana:
- malha viária com canalização de águas pluviais;
- rede de abastecimento de água;
- rede de esgoto;
- distribuição de energia elétrica e iluminação pública;
- recolhimento de resíduos sólidos urbanos; e
- tratamento de resíduos sólidos urbanos; e
c) densidade demográfica superior a cinco mil habitantes por km2.
Vale destacar que a Resolução CONAMA n.º 302/2002 citada pelo perito, traz as mesmas exigência para caracterização de área urbana consolidada, mas refere-se às áreas de preservação permanente de reservatórios artificiais.
Como se pode verificar, a Resolução CONAMA n.º 303/2002 estabelecia parâmetros maiores do que os previstos na Lei n.º 11.977/2009, tendo sido por ela revogada no que diz respeito à caracterização do que é uma área urbana consolidada.
Ainda que a preservação ao meio ambiente venha crescendo paulatinamente e que inexista direito adquirido à desrespeitá-lo e à poluir, o próprio órgão ambiental assumiu tratar-se de área urbana consolidada e sobre a qual não possui interesse.
As imagens constantes no laudo pericial (evento 201) confirmam a informação do perito de que se trata de área antropizada/consolidada, pois analisando a imagem de satélite do ano de 2004 nota-se que a área estava”totalmente sem vegetação representativa”.
As fotos atuais, então, demonstram uma área altamente urbanizada e com construções à margem do Rio Canoas, algumas autorizadas pela Prefeitura, como também informou o perito.
Ainda que o município tenha poder de autotela de seus atos, estes não podem provocar insegurança jurídica ou ser fator de discríminen entre os seus munícipes.
Ademais, ainda que não caiba ao município conceder licença ambiental, cabe à ele autorizar construções em sua área urbanae, para tanto, está sujeito à observância de todas as normas e diretrizes que incidam na espécie.
Em suma, o imóvel objeto dos autos está situado em área urbana consolidada.
3) Dano ambiental decorrente da construção e utilização do imóvel ou ganho ambiental em razão da sua demolição.
Segundo o perito não há ganho ambiental na retirada da obra dos autores do local (demolição), pois
- O imóvel localiza-se dentro do perímetro urbano de uma cidade consolidada;
- O tamanho da área do imóvel é pouco representativo dentro do atual contexto;
- As obras no entorno do imóvel já estão consolidadas, o que não permite uma recuperação ambiental natural;
- Houve melhora na situação do local.” A área da lide estava totalmente degradada antes das obras “,
- Ocorreram ganhos de cunho ambiental (limpeza, etc.) e paisagístico.
E, além de inexistir ganhos ambientais, haveria perda ambiental com a demolição consiste no dispendio de recursos para sua execução, sem que isso garantisse benefício para o local e seu entorno.
Assim, apesar de o imóvel estar situado em área de preservação permanente, trata-se de área consolidada, inexistindo ganhos ambientais decorrentes da sua demolição.
4) Danos materiais. Responsabilidade extracontratual do Estado
A obrigação de reparação do dano material está inserida na Constituição da Republica no título pertinente aos direitos e garantias fundamentais, mais precisamente no capítulo destinado à tutela dos direitos e deveres individuais e coletivos, consoante norma expressa no artigo 5.º, inciso V:
Art. 5º. (…) V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (…)
Tratando-se de responsabilidade civil do Estado, a norma regente da matéria está inscrita no artigo 37, parágrafo 6.º, da CF:
Art. 37. (…) § 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Os danos que legitimam ações contra as pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviço público podem decorrer tanto de atos lícitos e ilícitos como de omissões. A responsabilidade é objetiva, sendo despicienda a demonstração de culpa por parte do agente, a qual somente tem influência para análise do direito de regresso.
De acordo com Hely Lopes Meirelles, a responsabilidade civil objetiva, pela teoria do risco administrativo, “faz surgir a obrigação de indenizar o dano do só ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a lesão, sem o concurso do lesado” (in Direito Administrativo Brasileiro, 26ª Edição, p. 611).
Sustentam os autores que a conduta ilícita do município de São Mateus do Sul gerou danos materiais e consequente pretensão indenizatória ” consistente no ressarcimento aos autores de todos os encargos decorrentes de juros, correção monetária e taxas já adimplidas e os que vierem a ser adimplidos, inclusive, eventuais parcelas que virem a ser amortizadas do débito principal, devidamente corrigida a partir dos respectivos desembolsos. “
A Caixa manifestou-se no evento 261 no sentido de que o contrato atualmente ainda se encontra na fase de construção, com o encargo composto de juros, contribuição do FGHAB e taxa de administração, conforme Planilha de Evolução Contratual anexada também no evento 261.
O valor de todas as despesas contratuais pertinentes ao financiamento do imóvel e arcadas pelos autores desde a data do indeferimento do alvará de conclusão de obra e habite-se caracterizam dano material a ser indenizado pelo município de São Mateus do Sul, excluídas as parcelas de amortização do capital emprestado.
5) Danos morais
O dano moral encontra expressa previsão em nosso sistema jurídico (art. 5º, V e X, CF/88 e art. 186 do Código Civil), constituindo-se em uma ” lesão a qualquer dos aspectos componentes da dignidade humana – dignidade esta que se encontra fundada em quatro substratos e, portanto, corporificada no conjunto dos princípios da igualdade, da integridade psicofísica, da liberdade e da solidariedade. “, conforme lição de Maria Celina Bodin de Moraes (Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 327). Ressalte-se, ainda, que a lesão em questão difere dos meros aborrecimentos ou contratempos do dia a dia.
Os fatos comprovados revelam que houve falha na análise do pedido de licenciamento, tendo como consequência obstáculo invencível à evolução do contrato de financiamento realizado entre autores e Caixa Econômica Federal.
O abalo moral resultante é notório, diante da possibilidade de resolução prematura do contrato de financiamento e consequente antecipação do vencimento das respectivas parcelas e necessidade de demolição da casa recém construída.
A expectativa de conseguir a casa própria é justificada pela emissão do alvará de construção, que não possui qualquer ressalva a impedir a plena execução da obra.
“É assente na jurisprudência que o dano moral decorrente do abalo gerado pela impossibilidade de usufruir de imóvel adquirido é conhecido pela experiência comum e considerado in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato. No que se refere ao quantum indenizatório, verifica-se que o valor fixado na sentença atende aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, devendo ser mantido.” (TRF4, AC 5015776-51.2011.4.04.7200, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 05/07/2018)
No tocante à quantia indenizatória, na prática tem-se por muito difícil a perfeita aferição e dosagem dos critérios necessários à fixação da indenização dos danos morais. Primeiro porque impossível falar-se em reparação de dor, sofrimento, humilhação, constrangimento etc.
Assim, a quantia fixada deve servir, no mínimo, de conforto à vítima. Deve o Estado-juiz demonstrar que reconhece o mal a ela causado e compensá-la com indenização.
“O quantum debeatur a ser pago a título de indenização deve observar o caráter punitivo e ressarcitório da reparação do dano moral. De outra banda, deve também evitar o enriquecimento ilícito, observadas as circunstâncias do caso e atendendo aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Honorários advocatícios mantidos.” (TRF4, AC 5015323-22.2012.4.04.7200, QUARTA TURMA, Relator SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, juntado aos autos em 18/09/2017)
O valor deve igualmente ser relevante para o agressor, a ponto de desestimular a prática de condutas semelhantes.
Não se pode exigir que a vítima do dano moral junte prova documental dos prejuízos e transtornos que sofreu, os quais são presumidos. Assim, entendo razoável a fixação da indenização à parte autora a título de dano moral no valor equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais) na data desta sentença, valores que a partir de então, deverão ser monetariamente corrigidos pelos índices utilizados pelo núcleo de contadoria da Justiça Federal da 4ª Região, nos termos da Súmula 362 do STJ: “A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento”. (Corte Especial, DJe 03/11/2008).
Os juros de mora são devidos do evento danoso, isto é, a partir da anotação da decisão que indeferiu a emissão do alvará de conclusão de obra/habite-se em 27/3/2013, a razão de 1% ao mês, com fundamento nos artigos 405 e 406 do Código Civil e artigo 161, parágrafo 1.º, do Código Tributário Nacional.
6) Obrigação de fazer – emissão do habite-se.
Os parâmetros da controvérsia deixam claro que o único motivo a impedir o município de São Mateus do Sul de emitir a necessária licença para que os autores possam utilizar o imóvel como moradia é a alegada localização em área de preservação permanente.
Como já asseverado anteriormente, apesar de o imóvel estar situado em área de preservação permanente, trata-se de área consolidada, inexistindo ganhos ambientais decorrentes da sua demolição, razão pela qual deve o município realizar nova análise das condições técnicas necessárias à emissão do alvará de conclusão de obra e habite-se, observando que no caso dos autos o fato de o imóvel estar em APP não é óbice a sua emissão.
- Dispositivo.
Ante o exposto julgo procedente em parte o pedido para:
a) declarar que a demolição da construção residencial não traz proveito ao meio ambiente;
b) condenar o Município de São Mateus do Sul realizar nova análise das condições técnicas necessárias à emissão do alvará de conclusão de obra e habite-se no imóvel objeto da controvérsia, observando que no caso dos autos o fato de o imóvel estar em área de preservação permanente (APP) não é óbice a sua emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do trânsito em julgado desta decisão;
c) condenar o Município de São Mateus do Sul a pagar aos autores os valores correspondentes a todas as despesas contratuais pertinentes ao financiamento do imóvel e arcadas pelos autores desde a data do indeferimento do alvará de conclusão de obra/habite-se, excluídas as parcelas de amortização do capital emprestado, até a data em que for emitido o habite-se. Os valores devem ser corrigidos monetariamente pelo IPCA-e, incidente desde o momento em que devida cada parcela e acrescida de juros de mora equivalentes aos da caderneta de poupança, contados a partir da citação.
d) condenar o Município de São Mateus do Sul a pagar aos autores indenização a título de danos morais, arbitrada em R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigidos monetariamente a partir da data do arbitramento e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, contados da data do evento danoso comprovado.
Condeno o Município de São Mateus do Sul ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais à parte autora, na forma do artigo 85, parágrafo quarto, inciso II, do Código de Processo Civil.
Condeno os autores ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais à Caixa Econômica Federal, que fixo em 10% sobre o valor da causa em R$ 2.000,00, nos termos do parágrafo segundo do artigo 85 do Código de Processo Civil.
Sem custas (Lei n.º 9.289/96, artigo 4.º, inciso I). Defiro à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita. Mantenho a tutela de urgência deferida no evento 70.
Extingo o processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Intimem-se.”
Encontra-se sob discussão, neste momento, em que se apreciam os argumentos elencados pelo Município em razões de apelação, principalmente a razão utilizada pelo Município ao negar a concessão do habite-se.
Perceba-se que não se trata de discussão sobre a caracterização ou não de APP no local, nem sequer de debate sobre a caracterização de área urbana consolidada. Trata-se de discussão sobre o andamento do processo administrativo entre o Município de São Mateus do Sul e a parte autora, ora apelada.
Entretanto, insta referir, inicialmente, que as alegações trazidas pelo Município inovam em relação aos argumentos debatidos em primeira instância.
Diversamente do que afirmou o Município, a decisão ora em análise não orientou aos autores a busca de outros documentos, nem que eles procedessem a novos requerimentos junto ao órgão ambiental. O Parecer do Município (processo 5003132-81.2013.4.04.7014/PR, evento 1, PARECER31) claramente negou a concessão do habite-se exclusivamente em razão dos aspectos ambientais que foram detalhadamente afastados na sentença ora apelada.
Ora, apesar de ter havido ampliações em relação ao projeto original, estas não foram de tal natureza e grandeza a ponto de justificar uma total inversão do entendimento originariamente adotado pelo Município quando da concessão do alvará de construção nº 85/2011 (processo 5003132-81.2013.4.04.7014/PR, evento 1, ALVARA12):
Já a decisão que indeferiu o pedido da parte autora, em 14/05/2013, teve como fundamento exclusivamente o parecer técnico da secretaria municipal do meio ambiente que classificou o local como APP (processo 5003132-81.2013.4.04.7014/PR, evento 1, PARECER31):
Com isso, violou-se a boa-fé, conforme o brocardo venire contra factum proprium. Não poderia o Município em um primeiro momento emitir o alvará de construção e assim permitir a celebração do negócio, além de todas as despesas de construção do imóvel para, em última etapa, obstaculizá-lo em razão de argumento que já havia, em tese, apreciado e superado.
Da mesma maneira, não comporta provimento o pedido do Município de redução do quantum indenizatório, a título de danos morais, uma vez que seria irrisório o valor de apenas R$ 2.000,00 (dois mil reais), o que esvaziaria o objetivo da indenização de desestimular a prática de condutas semelhantes.
Assim, não comporta provimento o apelo.
Conclusão.
Integralmente mantida a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos. Fixados honorários recursais.
Dispositivo.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo.