APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME AMBIENTAL – ARTIGO 40 DA LEI 9.605/98 – DANO EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL – CONDENAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE DELITIVA – IMPRESCINDIBILIDADE DO LAUDO PERICIAL – ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
O delito do artigo 40 da Lei 9.605/98 deixa vestígios, sendo imprescindível, para a sua constatação, a realização de perícia nos moldes do artigo 158 do Código de Processo Penal.
Ausente nos autos prova efetiva de que a área construída pelo Apelado estava localizada em Unidade de Conservação de Proteção Integral, bem como comprovação dos danos causados ao local, capazes de configurar o delito previsto no artigo 40 da Lei 9.6015/98, a absolvição deve ser mantida.
(TJ-MG – APR: 10671190023414001 Serro, Relator: Anacleto Rodrigues, Data de Julgamento: 12/05/2022, Câmaras Criminais / 8ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 17/05/2022)
VOTO
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, visando a reforma da r. sentença de fls. 219/220, que julgou improcedente a denúncia e absolveu MAGNO MESQUITA MIRANDA do delito do art. 40 da Lei 9.605/98, que lhe foi imputado na denúncia.
Em suas razões recursais (fls. 222/229), o Ministério Público pugna pela condenação do acusado nas iras do artigo 40 da Lei 9.605/98, nos exatos termos da denúncia, alegando que a materialidade e autoria do delito restaram suficientemente demonstradas.
Contrarrazões da defesa às fls. 239/246.
Em parecer de fls. 249/250, a d. Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso.
É o relatório.
Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos e condições de admissibilidade.
Não suscitadas preliminares ou inexistentes nulidades que possam ser decretadas de ofício, passo ao exame do mérito.
Narra a denúncia que, no dia 11 de junho de 2016, por volta das 11h, no Distrito de Milho Verde, zona rural de Serro, MG, o denunciado causou dano direto à Unidade de Conservação Monumento Várzea do Lajeado e Serra do Raio.
Restou apurado que funcionários do Monumento Várzea do Lajeado e Serra do Raio acionaram a Polícia Militar relatando que o denunciado estava construindo uma obra no interior da referida unidade de conservação.
Os policiais militares foram ao local, momento em que se depararam com o acusado realizando trabalhos de carpintaria no imóvel, motivo pelo qual o conduziram à Delegacia de Polícia do Serro, MG.
Após regular instrução processual, o acusado foi absolvido, sob os argumentos, em suma, de que não houve comprovação acerca da exata localização da construção realizada pelo Apelado, bem como que, sem qualquer justificativa, não foi realizado exame pericial a fim de comprovar a localização da intervenção.
Inconformado, o Ministério Público alega que não há dúvidas de que a construção realizada pelo réu estava localizada dentro dos limites do Monumento Natural Várzea do Lajeado e Serra do Raio, motivo pelo qual, para que ele fizesse qualquer intervenção no local, seria necessária autorização dos órgãos ambientais.
Entretanto, após detida análise da prova coligida, entendo que razão não assiste ao i. Parquet. Vejamos.
Ouvido em juízo, o acusado confirmou que estava construindo uma casa na região mencionada na denúncia. Declarou que chegou a ser abordado pelos policiais cerca de dois dias antes dos fatos, os quais lhe disseram que ele não poderia construir naquele local.
Contudo, disse que, ao indagar esses mesmos policiais sobre qual seria a área de conservação em que não poderia construir, nem eles mesmos souberam lhe fornecer uma resposta precisa.
Informou que não tinha conhecimento de que a área em que estava construindo estava situada dentro dos limites do Monumento Natural Várzea do Lajeado e Serra do Raio e que quando comprou o lote foi informado pelos antigos proprietários que não havia qualquer óbice à construção no local.
Por fim, informou que, apesar da sua construção, que ocupou cerca de 40 metros quadrados do terreno, não deu causa a qualquer desmatamento no local, tal como corte de árvores e semelhantes (mídia de fl. 187).
A corroborar as declarações do acusado, o policial militar Leandro Souza de Oliveira, em juízo, narrou que se recorda do início de uma construção em local que estaria inserido em área de unidade de conservação.
Informou, ainda, que o acusado já havia sido notificado acerca da impossibilidade de construir naquela área, por meio de ocorrências verbais, sem entrega de qualquer documento.
Narrou que não se recorda se no momento da apreensão foi apresentado algum laudo ao acusado comprovando que a área estava inserida em unidade de conservação.
Por fim, afirmou que não há informações no local acerca da inserção da área em unidade de conservação e que ele e os demais policiais militares não possuem conhecimento para afirmar se determinada área está ou não localizada nessas regiões, motivo pelo qual o laudo pericial é essencial para tal finalidade (mídia de fl. 187).
Igualmente, a testemunha Marcelo Bahiense declarou que possui um terreno próximo àquele em que o acusado estava construindo e que já havia obtido informações junto ao Instituto Estadual de Florestas – IEF de que o local não estaria inserido em unidade de conservação e que não fazia parte do Monumento Natural Várzea do Lajeado e Serra do Raio.
Declarou que, no local, não há qualquer sinalização, marcação ou placa indicativa nesse sentido.
Informou, ainda, que, no dia dos fatos, o acusado já estava finalizando a construção e que, quando ele realizou a compra do terreno, já havia várias outras casas construídas ao redor (mídia de fl. 187).
Pois bem. Registra-se, inicialmente, que, de acordo com a legislação brasileira, Monumento Natural é uma categoria de Unidade de Conservação de proteção integral definida pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, que são criadas com a finalidade de preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica.
O Monumento Natural Estadual Várzea do Lageado e Serra do Raio, localizado no Distrito de Milho Verde, no Município do Serro/MG, foi criado pelo Decreto Estadual 45.614/2011, cujo artigo 2º declarou como de utilidade pública, para desapropriação de pleno domínio e de direitos possessórios, mediante acordo ou judicialmente, os terrenos e benfeitorias necessárias à implantação do referido Monumento, compreendidos nos limites previstos em Anexo.
Além disso, o artigo 3º do referido Decreto estabeleceu que o Instituto Estadual de Florestas – IEF, observado o Decreto nº 45.432, de 27 de julho de 2010, ficava autorizado a promover a desapropriação de pleno domínio e de direitos possessórios dos terrenos e benfeitorias descritos no Anexo, podendo, para efeito de imissão na posse, alegar a urgência de que trata o artigo 15 do Decreto-Lei Federal nº 3.365, de 21 de junho de 1941.
Entretanto, ao que parece, no caso dos autos, não há qualquer prova de que o terreno em que o acusado estava construindo estivesse mesmo localizado dentro do perímetro do Monumento Natural Estadual Várzea do Lageado e Serra do Raio.
Para tanto, como o próprio policial militar ouvido em juízo declarou, seria necessária a realização de uma perícia técnica no local, o que não foi feito, sem qualquer justificativa.
Nesse sentido, o col. STJ já decidiu que, nos casos de crimes ambientais que deixarem vestígios, a elaboração de perícia técnica é imprescindível. Confira-se:
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTOS INATACADOS. SÚMULA N. 182/STJ. CRIME AMBIENTAL. ARTS. 38 E 38-A DA LEI N. 9.605/1998. DESMATAMENTO. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL. CRIME QUE DEIXA VESTÍGIOS. NULIDADE. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS, DE OFÍCIO.
- Cabe ao agravante, nas razões do agravo regimental, trazer argumentos válidos e suficientes para contestar a decisão impugnada, sob pena de aplicação do Enunciado n. 182da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
- Noscasos em que a infração deixa vestígio, por imperativo legal (art. 158 do Código de Processo Penal), é necessária a realização do exame de corpo de delito direto. Somente será possível a substituição de exame pericial por outros meios probatórios, na forma indireta, para fins de comprovação da materialidade dos crimes ambientais de natureza material – no caso, o art. art. 38 da Lei n. 9.605/1998 – quando a infração não deixar vestígios ou quando o lugar dos fatos tenha se tornado impróprio à análise pelos experts.
- Para a tipificação dos delitos previstos nosarts. 38 e 38-A da Leiambiental é necessário que a conduta tenha sido praticada contra vegetação de floresta de preservação permanente (art. 38) e vegetação primária ou secundária, situada no Bioma Mata Atlântica (art. 38-A).
- O tema é complexo, não facilmente identificável por leigos, sendoimprescindívela realização de perícia na medida em que não é qualquer supressão/destruição que caracteriza o ilícito do art. 38 da Lei Ambiental.
- No presente caso, foi comprovada a existência de vestígios(imagens do local, laudo de verificação de denúncia, auto de infração do IAP), sendopossível a realização do exame direto, não sendo, todavia, apresentadas justificativas idôneas para a não realização do exame pericial.
- Agravo regimental não conhecido. Concessão de habeas corpus de ofício para absolver o acusado, diante da ausência de provade materialidade delitiva. ( AgRg no AREsp 1571857/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 15/10/2019, DJe 22/10/2019).
Ora, no caso dos autos, o delito deixou vestígios, eis que a casa foi construída no terreno, como se constata das fotos colacionadas às fls. 06v e 204v, sendo possível a realização do exame direto no local.
Entretanto, não foi apresentada qualquer justificativa para a não realização do exame pericial, que, além disso, não pode ser suprida pela prova testemunhal, nos termos dos artigos 158 e 167 do CPP.
Mas, ainda que pudesse, especificamente nesse caso, a prova testemunhal produzida não foi capaz de comprovar que a construção levada a cabo pelo acusado estava localizada em unidade de conservação.
Ao contrário, o policial militar ouvido, que procedeu à abordagem do acusado e compareceu ao local, foi enfático em afirmar que nem ele e nem os demais policiais são capazes de fazer tal afirmação, sendo necessária prova pericial para tanto.
Já a outra testemunha ouvida em juízo, que também possui um terreno na localidade, declarou que, de acordo com o seu conhecimento, a área não faz parte de unidade de conservação, não havendo óbice para construção no local.
Em relação às fotos juntadas pelo órgão acusatório às fls. 201 e 202, retiradas do site” googlemaps “, a fim de comprovar que a área em que o acusado construiu está inserida em Unidade de Conservação, ressalto que tais imagens, em razão de serem inespecíficas e imprecisas, não suprem a prova pericial, que seria mais detalhada e comprovaria os exatos limites, tanto da unidade de conservação, como da construção do Apelado.
Ademais, o requerimento do Ministério Público para juntada dos referidos documentos foi expressamente indeferido pela MM. Magistrada de primeiro grau em audiência, conforme se constata da ata de fl. 186.
Por isso, considerando que não foi juntado aos autos qualquer laudo pericial atestando que a área em que o acusado construiu fazia parte de Unidade de Conservação, a conduta é atípica, considerando a necessidade de perícia técnica para tal fim.
Além disso, também não foi elaborado laudo técnico específico para comprovar eventuais danos ambientais causados pelo acusado no local, sem o qual não se pode ter como configurado o delito em questão.
O núcleo do tipo penal do art. 40 da Lei 9.605/98 consiste em”Causar dano direto ou indireto”, de forma que, ausente comprovação do dano, a conduta é atípica.
O referido tipo penal exige, para a sua consumação, a ocorrência de resultado naturalístico, qual seja, o dano ambiental efetivo. Desse modo, ausente comprovação do dano, não há que se falar em crime.
Nesse sentido, Luiz Marcelo Mileo Theodoro leciona que o crime em questão consiste em” crime material, que se consuma no momento em que há o efetivo dano às unidades de conservação “(SALVADOR NETO, Alamiro; SOUZA, Luciano Anderson de (coord.) Comentários à Lei de Crimes Ambientais – Lei nº 9.605/1998. São Paulo: Quartier Latan, 2009, p. 195).
Assim, também deveria ter sido realizada perícia no local para atestar os danos causados pela conduta do acusado, o que, contudo, deixou de ser feito, sem qualquer justificativa.
Conclui-se, pois, que não foram obedecidos os padrões legais de realização de exame de corpo de delito e perícias em geral, como determina Código de Processo Penal, inexistindo descrição minuciosa do fato e formulação e resposta a quesitos, que possibilitassem ao acusado o exercício do contraditório e da ampla defesa e que de fato comprovassem a localização da área construída e os eventuais danos causados, ambos necessários à configuração do delito.
Nesse sentido:
“CRIME AMBIENTAL – ARTIGO 48 DA LEI 9.605/98 – PERÍCIA OFICIAL – PROVA INEXISTENTE – PARCELAMENTO DO SOLO – ÁREA RURAL – DELITO NÃO CONFIGURADO – ABSOLVIÇÃO.
Não existindo prova da materialidade do crime ambiental, qual seja, perícia oficial, nos termos dos artigos 158 e seguintes, do Código de Processo Penal, a absolvição dos apelados é medida que se impõe.
Verificando-se que a área que foi loteada não possui fins urbanos, não é possível imputar aos acusados o crime previsto na Lei 6.766/79, por ausência da elementar do tipo. Improvimento ao recurso ministerial e provimento ao recurso defensivo que se impõe. (…)” (TJMG; Apelação Criminal 1.0026.08.035111-2/001; Rel. Des. Antônio Carlos Cruvinel; 3ª Câmara Criminal; DJe: 29/10/2013).
Sendo assim, verifica-se que a prova indiciária, inicialmente suficiente para a instauração da ação penal, não foi corroborada por outros elementos de convicção, restando frágil para ensejar um decreto condenatório em relação ao Apelado Magno Vinícius Mesquita Miranda pelo crime previsto no art. 40 da Lei 9.605/98.
Portanto, em atenção ao princípio do in dubio pro reo, não havendo elementos que demonstrem de maneira suficiente e convincente que o acusado causou dano direto ou indireto em região inserida em área de Unidades de Conservação, a sua absolvição é medida que se impõe. Nesse sentido:
” APELAÇÃO CRIMINAL – PROCESSUAL PENAL – CRIME AMBIENTAL – DANIFICAR FLORESTA – DANO A UNIDADE DE CONSERVAÇÃO – ABSOLVIÇÃO – NECESSIDADE – ACERVO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. – Se não restou comprovada, estreme de dúvida, a prática, pelo réu, das condutas narradas na Inicial, é de rigor a absolvição. “(TJMG – Apelação Criminal 1.0625.15.005670-7/001, Relator (a): Des.(a) Furtado de Mendonça , 6ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 26/03/2019, publicação da sumula em 03/ 04/ 2019)
“APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME AMBIENTAL – DANO EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL – PROVA INSUFICIENTE DA OCORRÊNCIA DE DANOS EFETIVOS AO MEIO AMBIENTE – ABSOLVIÇÃO – NECESSIDADE. Ausente nos autos prova efetiva dos alegados danos causados a Unidade de Conservação de Proteção Integral, capazes de configurar o delito previsto no artigo 40, caput, da Lei n. 9.6015/98, a absolvição é medida de rigor.”(TJMG – Apelação Criminal 1.0671.14.001411-7/001, Relator (a): Des.(a) Cássio Salomé , 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 10/04/2019, publicação da sumula em 23/ 04/ 2019).
Portanto, mantenho a absolvição do Apelado nos exatos termos da sentença, com fulcro no art. 386, incisos II e VII, do CPP.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo inalterada a r. sentença de primeiro grau.