APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO POR AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE ATIVA. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE PREPARO RECURSAL. REJEITADA. INEXIGIBILIDADE DE ADIANTAMENTO DE CUSTAS EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 18 DA LEI Nº 7.347/1985.PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE. REJEITADA. RAZÕES RECURSAIS QUE POSSIBILITAM A COMPREENSÃO DOS MOTIVOS DE INSURGÊNCIA.MÉRITO. FINALIDADE ESTATUTÁRIA GENÉRICA.
ASSOCIAÇÃO DEDICADA À DEFESA DE DIREITOS DOS MAIS VARIADOS TEMAS. GENERALIDADE DESARRAZOADA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CORTE ESTADUAL.
ALTERAÇÃO ESTATUÁRIA PARA INCLUSÃO DO TEMA EM COMENTO QUE SE DEU APÓS O AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE ORIGEM. VIOLAÇÃO AO ART. 5º, INCISO V, ALÍNEA A DA LEI Nº 7.347/1985. ILEGITIMIDADE ATIVA CONFIGURADA. PRECEDENTES DESTA CORTE DE JUSTIÇA.
INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. VEDAÇÃO À PRETENSÃO QUE ENVOLVA FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO – FGTS, POR MEIO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 1º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 7.347/1985.
MANUTENÇÃO DA EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.PARCIAL PROVIMENTO. REFORMA DA CONDENAÇÃO DA AUTORA AO PAGAMENTO DE CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS.
DESCABIMENTO DA CONDENAÇÃO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. ART. 18 DA LEI Nº 7.347/1985.APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA.
(TJ-PR – APL: 00025260320198160179 Curitiba 0002526-03.2019.8.16.0179 (Acórdão), Relator: Maria Aparecida Blanco de Lima, Data de Julgamento: 27/06/2022, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 28/06/2022)
VOTO
Trata-se de Apelação Cível manejada pela Ong Terra Brasil em face da sentença exarada no mov. 49.1 dos Autos nº 0002526-03.2019.8.16.0179 de Ação Civil Pública, ajuizada pela Apelante contra o Estado do Paraná, que extinguiu o feito sem resolução de mérito por carência de legitimidade ativa.
Em suas razões recursais, defendeu que a Sentença está equivocada, posto que não há que falar nos Autos de ilegitimidade ativa e exigência de autorização dos associados. Nesse sentido, salientou que obedeceu aos ditames legais da Lei e de seu Estatuto.
Logo, não há o que falar que “os incisos II e III do art. 13 do estatuto social mencionados pela parte autora como fundamento da sua legitimidade ativa foram aprovados recentemente, por ocasião da primeira alteração, datada de 13/1/2020.”; tendo em vista que não há nenhuma nulidade ou anulabilidade na alteração do Estado da Autora.
Asseverou que a Ação Civil Pública pode ser utilizada em defesa de interesse difuso ou coletivo (art. 1º, IV, Lei 7.347/85), como ocorre no presente caso, posto que o direito dos professores gera pretensão jurídica a um grupo de pessoas atingidas pelo ato violador de seus direitos.
Ponderou ser uma Associação sem fins lucrativos, constituída em 05/12/2014, portanto, há mais de ano e em análise a primeira alteração contratual do Estatuto da parte autora, em data de 13/01/2020, de modo que resta demonstrado que existe relação entre o objeto pretendido pela Ação Civil Pública e os objetivos entabulados no Estatuto da Associação proponente.
Destacou que para legitimidade ativa da Associação, a jurisprudência do STJ e do STF entende que tais entes possuem legitimidade para defesa dos direitos e dos interesses coletivos ou individuais homogêneos, independentemente de autorização expressa dos associados.
Suscitou que o “interesse meta individual” está plenamente caracterizado, pois a ação visa beneficiar toda a classe de trabalhadores (professores). Os direitos a respeito dos quais a Autora busca a tutela nesta ACP, mais do que coletivos “stricto sensu”, são difusos, pois contemplarão os interesses não só dos atuais professores, como também os daqueles que no futuro vierem a ser contratados (coletividade de pessoas indeterminadas).
Insurgiu-se contra sua condenação ao pagamento das custas e despesas processuais.
Pugnou, ao final, pelo conhecimento e provimento do recurso.
O Estado do Paraná apresentou Contrarrazões no mov. 60.1, quando arguiu, preliminarmente, pela ausência de preparo recursal e de dialeticidade.
Adentrado ao mérito, arrazoou pelo desprovimento da insurgência.
A Douta Procuradoria de Justiça se manifestou através de parecer apresentado no mov. 15.1 pelo conhecimento e proviment o Apelo.
É o relatório.
VOTO
Observados os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Cuida-se de Apelação Cível manejada pela Ong Terra Brasil em face da sentença exarada em Ação Civil Pública, ajuizada pela Apelante contra o Estado do Paraná, que extinguiu o feito sem resolução de mérito por carência de legitimidade ativa.
Infere-se dos Autos que a Apelante ajuizou a ação de origem pretendendo a declaração de nulidade dos Contratos Administrativos celebrados pelo Estado do Paraná com professores da rede pública de ensino por meio de Processo Seletivo Simplificado nos últimos 5 anos.
Cinge-se a presente controvérsia recursal acerca da legitimidade ativa da Apelante para propositura da Ação, não conhecida pela Sentença ora Apelada.
De início, cumpre rejeitar a preliminar de ausência de preparo recursal arguida pelo Estado do Paraná em suas Contrarrazões, tendo em vista a inexigibilidade de adiantamento das custas processuais em Ação Civil Pública, nos termos o art. 18 da Lei nº 7.347/1985:
Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais. (Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990)– grifos nossos
E melhor sorte não assiste ao Apelado no que tange à preliminar de ausência de dialeticidade do recurso, haja vista ser possível extrair das razões recursais os motivos de inconformismo da Apelante.
Rejeita-se, portanto, as preliminares arguidas pelo Recorrido.
Adentrando no mérito, depreende-se da Sentença que a ausência de legitimidade ativa foi reconhecida em razão do caráter genérico dos objetivos estatutários da Apelante, que teriam demonstrado desvio de finalidade.
Isso porque o art. 13 do Estatuto Social da Recorrente (mov. 35.4 – Projudi em 1º Grau) prevê a defesa judicial dos mais variados objetivos, que vão desde a preservação do patrimônio público, passando pelo direito dos professores ora reclamado até a proteção dos direitos trabalhistas dos cortadores de cana.
In verbis:
Art. 13. Promover a defesa e proteção de bens e direitos sociais, coletivos e difusos, na sua acepção mais ampla, tanto nas relações jurídicas como nas sociais de qualquer espécie, procurando sempre atingir o equilíbrio nas relações do cidadão com o Estado, por meio da conscientização dos seus direitos e deveres, buscando sempre a repressão ao abuso, as ilegalidades e as improbidades administrativas que oprimam o cidadão, em especial as relativas ao meio ambiente, ao patrimônio público, ao consumidor, Inclusive nos casos em que o consumidor seja prejudicado com a exigência de tributos, Ordem Econômica, Livre Concorrência, a Criança e Adolescente, Idoso, Portadores de Necessidade Especiais, Aposentado, Ordem Urbanística, Investidores do Mercado de Valor Imobiliário, a bens e direitos de valor artísticos, estéticos, históricos, turístico e paisagístico, aos direitos humanos e dos povos; estimulando o aperfeiçoamento e o cumprimento de legislação que instrumentaliza a consecução dos presentes objetivos; estimulando o direito a cidadania, protegendo aintegridade física, social e cultural de agrupamento urbanos com recursos próprios ou advindos de convênios ou outras formas jurídicas possíveis;I – Propor e implementar ações populares civis ou públicas e todas as demais ações e atividades que visem defender os interesses dos cidadãos e da sociedade como um todo, incluídas entre estas as ações contra atos de improbidade administrativa, e as ações que visem a defesa do consumidor que sejam prejudicados com a exigência de tributos.II – Ajuizar e propor ação civil pública ou ação coletiva ou individual para tutela, defesa, reivindicação dos direitos dos professores no âmbito Municipal, Estadual e Nacional, independente de autorização assemblear.III – Ajuizar e propor ação civil pública, ação coletiva ou individual na defesa dos direitos e interesses dos professores, funcionários e servidores públicos no âmbito municipal, estadual e nacional, independente de outorga de poderes dos integrantes da categoria, na defesa de seus direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.IV – Ajuizar e propor ação civil pública ou ação coletiva ou individual para tutela, defesa, reivindicação dos direitos dos servidores públicos Municipais, Estaduais e Nacionais, independente de autorização assemblear.V- Ajuizar e propor ação civil pública ou ação coletiva ou individual para tutela, defesa, reivindicação dos direitos trabalhistas dos trabalhadores cortadores de cana no âmbito municipal, regional e nacional, independente de autorização assemblear.VI – Organizar e oferecer aos cortadores de cana de açúcar aos trabalhadores cortadores de cana de açúcar toda espécie de assistência junto a entidades ou repartições públicas de quaisquer naturezas, defendendo seus interesses e justas aspirações e incentivando e protegendo, reivindicando todos os seus direitos trabalhistas e direitos sociais, relativos ao trabalho no corte de cana no âmbito municipal, regional e nacional, independente de autorização assemblear.
Anote-se excerto da Sentença neste sentido:
Por outro lado, a autora não exibe a necessária pertinência temática para ajuizamento da ação.
É que o seu estatuto é demasiado genérico, exibindo objetivos praticamente ilimitados, com interesse em áreas por demais diversificadas, em evidente apelo ao desvio de finalidade.
Basta ver que são elencados como objetivos da entidade um sem número de ações em diferentes áreas de interesse, dentre os quais se podem citar: a tutela dos direitos à terra, urbana e rural, aos territórios indígenas, direitos humanos, promoção de estágios e qualificação profissional, inclusão social, educação suplementar e cultura; assistência social, segurança alimentar, ações de amparo à velhice, gestantes, enfermos, crianças, dependentes químicos, ex-presidiários e adolescentes.
Além disso, visa promover ações civis públicas para tutela do patrimônio público, meio ambiente, consumidor, ordem econômica, direitos dos idosos, investidores do mercado imobiliário, portadores de necessidades especiais, servidores públicos no âmbito municipal, estadual e federal etc.
Isto é, a miríade que caracteriza o objeto da associação, que se traduz em um número praticamente ilimitado de finalidades por ela perseguido no âmbito judicial e extrajudicial dá o tom de sua imprecisão e indeterminação temática.
Constitui exigência legal que a associação que reclama sua legitimidade para agir guarde correspondência entre seus fins institucionais e o objeto da ação civil pública.
Ocorre que para isso a entidade deve demonstrar, com precisão, o real alcance prático de seus fins institucionais.
Por certo, isso exige que os fins perseguidos pela entidade guardem razoabilidade e coerência com aquilo que ordinariamente se espera de uma associação sem fins lucrativos.
Fora daí, a se admitir que o objeto social da entidade se perca na vagueza e na amplidão de seu alcance, haveria patente risco de desvio de finalidade, ou, ainda, indevida atribuição de “super poderes” à associação que deve ter objetivo claro e determinado. Mais uma vez, veja-se o que diz a doutrina especializada:
De igual modo, não se deve prestigiar associações constituídas sem objeto social consistente e claro (ou representatividade), mas que antes existam para o ajuizamento contínuo de ACPs.
Note-se que a associação deve guardar um mínimo de representatividade, traduzida com clareza, precisão, unicidade e razoável amplitude, sob pena de o real objetivo da entidade se perder na vagueza e amplitude de seus termos.
O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de reconhecer o desvio de finalidade em hipóteses tais:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO INSTITUTO LIBERDADE. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO E PROBATÓRIO CONSTANTE DOS AUTOS, BEM COMO DE ANÁLISE DE CLÁUSULAS DO ESTATUTO SOCIAL. INVIABILIDADE NA VIA RECURSAL ELEITA. SÚMULAS 5 E 7, AMBAS EDITADAS PELO STJ.
- A jurisprudência desse Sodalício admite seja reconhecido judicialmente desvio de finalidade na constituiçãode entidades associativas com finalidade estatutária genérica, o que não legitimaria tais entidades a ingressar com demandas coletivas, tais como, por exemplo, ação civil pública. Precedente: REsp 1213614/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 01/10/2015, DJe 26/10/2015.
- No entanto, o caso em concreto é diferente daquele que deu origem ao precedente supracitado. Isso porque, aqui, o Tribunal de Justiça a quo expressamente reconheceu a legitimidade da entidade associativa ora agravada. Foi com base no conjunto fático e probatório, bem como na análise das cláusulas contidas no estatutodo Instituto Liberdade.
- A revisão de tais fundamentos é inviável na via recursal eleita, tendo em vista a incidência das Súmulas 5e 7, ambas editadas pelo Superior Tribunal de Justiça. No mesmo sentido: AgRg no AREsp 677.600/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/06/2015, DJe 01/07/2015.
- Agravo interno não provido (REsp nº. 1.619.154 – SC, SEGUNDA TURMA, MIN. MAURO CAMPBELL MARQUES, j. em 17/02/2017).Nessa ordem de ideias, dada a ausência de pertinênciatemática, reputo não preenchido o requisito do art. 5º, V, b, da Lei nº. 7.347/85, a concluir pela ilegitimidade da autorapara a propositura da ação civil pública.
De fato, a falta de legitimidade ativa em razão da generalidade das previsões estatutárias da Apelante já foi reconhecida por esta Corte de Justiça no julgamento do Agravo de Instrumento nº 0064686-82.2020.8.16.0000, proposto pela Apelante em Ação Civil Pública ajuizada para pleitear a instalação de postes de iluminação pública.
O Aresto restou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ASSOCIAÇÃO ONG TERRA BRASIL. FINALIDADE DEMASIADAMENTE GENÉRICA. PLEITO DE INSTALAÇÃO DE POSTES DE ILUMINAÇÃO. AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA. ILEGITIMIDADE ATIVA CONFIGURADA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO PREJUDICADO. (TJPR – 5ª C.Cível – 0064686-82.2020.8.16.0000 – Nova Esperança –
Rel.: DESEMBARGADOR LUIZ MATEUS DE LIMA – J. 24.05.2021) –
Oportuna a transcrição de trecho do voto do Excelentíssimo Relator Desembargador Luiz Mateus de Lima, posto que pertinente à temática em comento:
De tal norma, observa-se que as associações possuem legitimidade, desde que estas observem alguns requisitos: a constituição há mais de um ano, bem como a demonstração da pertinência temática, sendo que este último requisito não vislumbro no presente feito.A respeito da pertinência temática vale mencionar os ensinamentos de Hugo Nigro Mazzilli:
“(…) A pertinência temática significa que as associações civis devem incluir entre seus fins institucionais a defesa dos interesses objetivados na ação civil pública ou coletiva por elas propostas, dispensada, embora, a autorização de assembleia. Em outras palavras, a pertinência temática é a adequação entre o objeto da ação e a finalidade institucional.
As associações civis necessitam, portanto, ter finalidades institucionais compatíveis com a defesa do interesse trans individual que pretendam tutelar em juízo. Entretanto, essa finalidade pode ser razoavelmente genérica; não é preciso que uma associação civil seja constituída para defender em juízo especificamente aquele exato interesse controvertido na hipótese concreta.
Em outras palavras, de forma correta já se entendeu, por exemplo, que uma associação civil que tenha por finalidade a defesa do consumidor pode propor ação coletiva em favor de participantes que tenham desistido de consórcio de veículos, não se exigindo tenha sido instituída para a defesa específica de interesses de consorciados de veículos, desistentes ou inadimplentes.
Essa generalidade não pode ser, entretanto, desarrazoada, sob pena de admitirmos a criação de uma associação civil para a defesa de qualquer interesse, o que desnaturaria a exigência de representatividade adequada do grupo lesado. (“A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo”, São Paulo, Saraiva, 2006, p. 277/278).
No mesmo sentido explica Daniel Amorim Assumpção Neves:
Segundo a melhor doutrina, o estatuto da associação não precisa de um grau de especialidade que limite demasiadamente a sua atuação como autora de ações coletivas, de modo que uma previsão genérica, desde que relacionada, ainda quede maneira indireta, com o objeto da demanda, já é suficiente.
O que não se admite, por exemplo, é que uma associação, voltada à defesa do consumidor, queira discutir em juízo a violação ao patrimônio cultural, ou uma associação, voltada à defesa do meio ambiente, queira defender em juízo um direito difuso à saúde pública. (In” Manual de Processo Coletivo – Volume Único “, 4ª ed.,Salvador, Ed. Método, 2020, p. 209-210).
Assim a pertinência temática “deverá ser aferida caso a caso a partir do nexo de afinidade direta entre os objetivos estatutários da requerente e os dispositivos por ela impugnados que deverão ter por objeto interesses típicos da classe representada.
A fim de comprovar sua legitimidade, não é suficiente o mero interesse econômico-financeiro ou o impacto indireto das normas atacadas sobre o objeto social da agravante” ( ADI 1.194, Pleno, Rel. P/ acórdão Min.CÁRMEN LÚCIA, DJe de 11/9/2009).
Desse modo, ainda que seja admitida a finalidade genérica da associação, ou seja, no sentido de que não precisa ser específica e idêntica ao objeto da demanda, não se pode permitir que a associação tenha diversas e gerais finalidades, sob pena de se desnaturar a representatividade adequada.
Consoante se verifica de tal norma estatutária a finalidade institucional da associação agravante é demasiadamente genérica e extensa.
O entendimento se coaduna com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DECRETAÇÃO DE NULIDADE, SEM QUE TENHA HAVIDO PREJUÍZO. DESCABIMENTO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. AÇÃO COLETIVA. RECONHECIMENTO PELO MAGISTRADO, DE OFÍCIO, DE INIDONEIDADE DE ASSOCIAÇÃO, PARA AFASTAMENTO DA PRESUNÇÃO LEGAL DE LEGITIMIDADE. POSSIBILIDADE. É PODER-DEVER DO JUIZ, NA DIREÇÃO DO PROCESSO, PREVENIR OU REPRIMIR QUALQUER ATO CONTRÁRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. ADEMAIS, O OUTRO FUNDAMENTO AUTÔNOMO PARA NÃO RECONHECIMENTO DA LEGITIMAÇÃO, POR SER O ESTATUTO DA ASSOCIAÇÃO DESMESURADAMENTE GENÉRICO, POSSUINDO REFERÊNCIA GENÉRICA A MEIO AMBIENTE, CONSUMIDOR, PATRIMÔNIO HISTÓRICO, TAMBÉM PATENTEIA A AUSÊNCIA DE LEGITIMAÇÃO DA AUTORA PARA DEFESA DE INTERESSES COLETIVOS DE CONSUMIDORES.
- As ações coletivas, em sintonia com o disposto no artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, ao propiciar a facilitação da tutela dos direitos individuais homogêneos dos consumidores, viabilizam otimização da prestação jurisdicional, abrangendo toda uma coletividade atingida em seus direitos.
- Dessarte, como sabido, a Carta Magna(art. 5º, XXI) trouxe apreciável normativo de prestígio e estímulo às ações coletivas ao estabelecer que as entidades associativas detêm legitimidade para representar judicial e extrajudicialmente seus filiados, sendo que, no tocante à legitimação,”[…] um limite de atuação fica desde logo patenteado: o objeto material da demanda deve ficar circunscrito aos direitos e interesses desses filiados. Um outrolimite é imposto pelo interesse de agir da instituição legitimada: sua atuação deve guardar relação com seus fins institucionais”(ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: RT, 2014, p. 162).
- É digno de realce que, muito embora o anteprojeto da Lei n. 7.347/1985, com inspiração no direito norte-americano, previa a verificação da representatividade adequada das associações (adequacy of representation), propondo que sua legitimação seria verificada no caso concreto pelo juiz, todavia, essa proposta não prevaleceu, pois o legislador optou por indicar apenas quesitos objetivos(estar constituída há pelo menos 1 (um) ano e incluir, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico). Com efeito, o legislador instituiu referidas ações visando tutelar interesses meta individuais, partindo da premissa de que são, presumivelmente, propostas em prol de interesses sociais relevantes ou, ao menos, de interesse coletivo, por legitimado ativo que se apresenta, ope legis, como representante idôneo do interesse tutelado (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores – Lei 7.347/1985 e legislação complementar. 12 ed. São Paulo: revista dos Tribunais, 2011, p. 430).
- Por um lado, é bem de ver que, muito embora a presunção iuris et de iure seja inatacável – nenhuma prova em contrário é admitida -, no caso das presunções legais relativas ordinárias se admite prova em contrário. Por outrolado, o art. 125, III, do CPC[correspondente ao art. 139, III, do novo CPC] estabelece que é poder-dever do juiz, na direção do processo, prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça. Com efeito, contanto que não seja exercido de modo a ferir a necessária imparcialidade inerente à magistratura, e sem que decorra de análise eminentemente subjetiva do juiz, ou mesmo de óbice meramente procedimental, é plenamente possível que, excepcionalmente, de modo devidamente fundamentado, o magistrado exerça, mesmo que de ofício, o controle de idoneidade (adequação da representatividade) para aferir/afastar a legitimação ad causam de associação.
- No caso, a Corte de origem inicialmente alinhavou que”não se quer é a montagem de associações de gaveta, que não floresçam da sociedade civil, apenas para poder litigar em todos os campos com o benefício do artigo 18da Lei de Ação Civil Pública”; “associações, várias vezes, surgem como máscaras para a criação de fontes arrecadadoras, que, sem perigo da sucumbência, buscam indenizações com somatório milionário, mas sem autorização do interessado, que depois é cobrado de honorários”. Dessarte, o Tribunal de origem não reconheceu a legitimidade ad causam da recorrente, apurando que”há dado revelador: supostamente, essa associação autoraé composta por muitas pessoas famosas (fls. 21), mas todas com domicílio em um único local. Apenas isso já mostra indícios de algo que deve ser apurado. Ou tudo é falso, ou se conseguiu autorização verbal dos interessados, que entretanto nem sabem para que lado os interesses de tais entidades voam”.
- Ademais, o outrofundamento autônomo adotado pela Corte de origem para não reconhecer a legitimação ad causam da demandante, anotando que o estatutoda associação, ora recorrente, é desmesuradamente genérico, possuindo”referência genérica a tudo: meio ambiente, consumidor, patrimônio histórico, e é uma repetição do teor do art. 5º, inciso II, da Lei 7.347/85″tem respaldo em precedente do STJ, assentando que as associações civis necessitam ter finalidades institucionais compatíveis com a defesa do interesse transindividual que pretendam tutelar em juízo. Embora essa finalidade possa ser razoavelmente genérica,” não pode ser, entretanto, desarrazoada, sob pena de admitirmos a criação de uma associação civil para a defesa de qualquer interesse, o que desnaturaria a exigência de representatividade adequada do grupo lesado “. ( AgRg no REsp 901.936/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/10/2008, DJe 16/03/2009)
- Recurso especial não provido.( REsp 1213614/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 01/10/2015, DJe 26/10/2015) – grifos nossos
Dessa forma, escorreita a Sentença no que tange ao reconhecimento da ilegitimidade ativa por força da generalidade excessiva do Estatuto da Apelante.
Ademais, tem-se que os Incisos II e III do art. 13 do Estatuto Social, que preveem a defesa dos direitos dos professores através do ajuizamento de Ação Civil Pública, somente foram incluídos através da Alteração realizada em 13 de janeiro de 2020, meses após o ajuizamento da Ação em comento.
Assim, a rigor, não foi efetivamente observado o prazo de 1 ano de constituição para o fim específico ora buscado, em violação ao art. 5º, Inciso V, alínea a da Lei nº 7.347/1985:
Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007) (Vide Lei nº 13.105, de 2015) (Vigência)(…) V – a associação que, concomitantemente: (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
Esta Corte de Justiça já se posicionou no sentido de que a alteração estatutária também deve observar o prazo de 1 ano estabelecido em Lei:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – ASSOCIAÇÃO AUTORA QUE NÃO COMPROVOU SUA LEGITIMIDADE ATIVA – AJUIZAMENTO DA DEMANDA QUE OCORREU ANTES DO TRANSCURSO DE UM ANO DA INCLUSÃO DA FINALIDADE ESTATUTÁRIA DE DEFESA AO MEIO AMBIENTE – IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO ART. 5º, § 4º DA LACP, TENDO EM VISTA A AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DANO -ILEGITIMIDADE ATIVA CONFIGURADA – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ CONFIGURADA – ARTIGO 17 DO CPC/73 – RECURSO DESPROVIDO. (TJPR – 4ª C.Cível – AC – 1548024-5 – Cascavel –
Rel.: DESEMBARGADORA REGINA HELENA AFONSO DE OLIVEIRA PORTES – Unânime – J. 09.02.2017).
Por fim, em razão da alegada nulidade dos Contratos Administrativos a Autora, ora Apelante, pleiteia a condenação do Apelado ao pagamento dos valores devidos a título de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, o que não é admissível através de Ação Civil Pública, conforme art. 1º, Parágrafo Único, da Lei nº 7.347/1985:
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).
Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
Ante o exposto, é de se manter o reconhecimento da ilegitimidade ativa da Apelante.
Contudo, escorreita a insurgência acerca da condenação da Recorrente ao pagamento de custas e despesas processuais, somente cabível nos casos de comprovada má-fé, conforme art. 18 da Lei nº 7.347/1985:
Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais. (Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990).
Embora a Apelante não detenha legitimidade para a propositura da Ação de origem, não foi demonstrado que a prática decorreu de má-fé, o que sequer é imputado na Sentença ou nas Contrarrazões.
Diante do exposto, voto pelo conhecimento e parcial provimento da Apelação Cível tão somente para extirpar da Sentença a condenação da Apelante ao pagamento das custas e despesas processuais.