O Poder de Polícia do Ibama encontra-se preceituado na Constituição da República, em seu art. 225, § 3º:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (…)
3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Do dispositivo constitucional acima transcrito, observa-se que foi concedido à Administração Pública o poder-dever de fiscalizar as condutas infracionais, sejam elas potencial ou efetivamente poluidoras. Com tal desiderato, criou-se o Ibama, dotado do poder de polícia ambiental, conforme previsto no art. 2º da Lei nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989.
As penalidades administrativas aplicáveis em função da prática de infrações ambientais estão elencadas no art. 72 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998):
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:
I. advertência;
II. multa simples;
III. multa diária;
IV. apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
V. destruição ou inutilização do produto;
VI. suspensão de venda e fabricação do produto;
VII – embargo de obra ou atividade;
VIII. demolição de obra;
IX. suspensão parcial ou total de atividades;
X – (VETADO)
XI – restritiva de direitos. (…)
§ 7º As sanções indicadas nos incisos VI a IX do caput serão aplicadas quando o produto, a obra, a atividade ou o estabelecimento não estiverem obedecendo às prescrições legais ou regulamentares.
A sanção de demolição pode ser aplicada pelo Ibama, em processo administrativo, dispensando-se pronunciamento do Poder Judiciário, vez que, como ato administrativo previsto em lei, é dotado do atributo de auto- executoriedade.
A auto-executoriedade ato administrativo dispensa qualquer pronunciamento do Poder Judiciário, para que possa ser imposto ao administrado. José dos Santos Carvalho Filho explicita o que se entende por auto-executoriedade:
Significa ela que o ato administrativo, tão logo praticado, pode ser imediatamente executado e seu objeto imediatamente alcançado. Como bem anota VEDEL, tem ele idoneidade de por si criar direitos e obrigações, submetendo a todos que se situem em sua órbita de incidência.
No direito público, porém, é admitida a execução de ofício das decisões administrativas sem intervenção do Poder Judiciário, construção hoje consagrada entre os autores modernos e haurida do Direito francês.
A autoexecutoriedade tem como fundamento jurídico a necessidade de salvaguardar com rapidez e eficiência o interesse público, o que não ocorreria se a cada momento tivesse que submeter suas decisões ao crivo do Judiciário. Além do mais, nada justificaria tal submissão, uma vez que assim como o Judiciário tem a seu cargo uma das funções estatais – a função jurisdicional -, a Administração também tem a incumbência de exercer função estatal – a função administrativa.
A característica da auto-executoriedade é freqüentemente utilizada no exercício do poder de polícia. Exemplos conhecidos do uso dessa prerrogativa são os da destruição de bens impróprios ao consumo público e a demolição de obra que apresenta risco iminente de desabamento. Verificada a situação que provoca a execução do ato, a autoridade administrativa de pronto o executa, ficando, assim, resguardado o interesse público.
(CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 17ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 112)
Conferida a possibilidade de aplicação da demolição como sanção, ato administrativo dotado do atributo de auto-executoriedade, é preciso analisar as condições e formalidades exigidas na legislação, para que a sanção possa ser aplicada regularmente. Para tanto, importa transcrever as normas infra-legais vigentes. O Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008, estabelece que:
Art. 3º. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções: (…)
VIII – demolição de obra; (…)
Art. 19. A sanção de demolição de obra poderá ser aplicada pela autoridade ambiental, após o contraditório e ampla defesa, quando verificada a construção de obra em área ambientalmente protegida em desacordo com a legislação ambiental; ou quando a obra ou construção realizada não atenda às condicionantes da legislação ambiental e não seja passível de regularização.
1º A demolição poderá ser feita pela administração ou pelo infrator, em prazo assinalado, após o julgamento do auto de infração, sem prejuízo do disposto no art. 112.
2º As despesas para a realização da demolição correrão às custas do infrator, que será notificado para realizá-la ou para reembolsar aos cofres públicos os gastos que tenham sido efetuados pela administração.
3º Não será aplicada a penalidade de demolição quando, mediante laudo técnico, for comprovado que o desfazimento poderá trazer piores impactos ambientais que sua manutenção, caso em que a autoridade ambiental, mediante decisão fundamentada, deverá, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, impor as medidas necessárias à cessação e mitigação do dano ambiental, observada a legislação em vigor.
Sobre o dispositivo regulamentar acima, deve-se destacar, primeiramente, que apesar da referência à demolição de “obra” não há razão para restringir a aplicação da sanção a construções em andamento, em detrimento de edificações já finalizadas.
Esse não parece ter sido o intuito do legislador, de forma que a interpretação teleológica da norma não permite tal restrição.
Ademais, o sentido vocabular da palavra, além de indicar edifício em construção, se refere também a algo acabado, finalizado, motivo pelo qual se entende não caber ao intérprete fazer restrições inexistentes na lei.
Nesse sentido, a sanção de demolição pode ser aplicada, em âmbito administrativo, a edificações (obra em andamento ou construções finalizadas) em área ambientalmente protegida que esteja em desacordo com a legislação ambiental ou quando desatenda às condicionantes ambientais, não sendo passíveis de regularização.
É o que ensina Curt Trennepohl:
(…) Em princípio, qualquer obra, mesmo uma construção existente já bastante tempo, desde que erigida em área ambientalmente prote- gida, que vai desde as áreas de preservação permanente até as áreas de reserva legal, poderia ser demolida pela autoridade ambiental.
(Trennepohl, Curt. Infrações contra o meio ambiente: multas, sanções e processo administrativo: comentários ao decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 133).
Destaca-se, contudo, que não é qualquer irregularidade ambiental que deve ensejar a aplicação da sanção de demolição.
É necessária uma conduta responsável das autoridades administrativas, tendo em vista se tratar de uma penalidade grave e irreversível. Nesse sentido, pondera Édis Milaré:
Trata-se de medida extrema, que só deve ser tomada em caso de irregularidade insanável, de perigo à segurança, à saúde ou de grave dano ambiental.
(MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 7. ed., ver., atual. e refor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 1210).
Assim, além da configuração de uma das hipóteses contidas nos incisos do art. 19 do Decreto, quais sejam construção em área ambientalmente protegida em desacordo com a legislação ou edificação que não atenda às condicionantes e não seja passível de regularização, é imprescindível avaliar, ainda, a real necessidade da medida.
Para tanto, há de se perquirir, no trâmite do processo administrativo de apuração da infração, se a aplicação da sanção de demolição é realmente necessária no caso concreto, utilizando-se para tanto do parâmetro indicado no § 3º do dispositivo analisado, segundo o qual:
Art. 19. (…)
3º Não será aplicada a penalidade de demolição quando, mediante laudo técnico, for comprovado que o desfazimento poderá trazer piores impactos ambientais que sua manutenção, caso em que a autoridade ambiental, mediante decisão fundamentada, deverá, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, impor as medidas necessárias à cessação e mitigação do dano ambiental, observada a legislação em vigor.
Assim, caso a autoridade julgadora, na decisão homologatória do auto, entenda realmente necessária e cabível a aplicação da penalidade de demolição, já prevista no formulário de auto de infração lavrado, deverá fazê-lo por meio do julgamento do auto, fixando prazo para o infrator realizar a medida, com custos próprios.
Nesse caso, transcorrido o prazo e não realizada a demolição pelo administrado, o Ibama poderá fazê-lo, cobrando, posteriormente, os custos do infrator, por meio de notificação específica, como determina a Instrução Normativa Ibama nº 14, de 15 de maio de 2009:
Art. 156 Tendo a administração efetuado despesas para demolição de obra irregular, notificará o infrator para que promova a restituição dos valores despendidos aos cofres públicos no prazo de 20 (vinte) dias, juntando cópia das notas fiscais ou recibos que comprovam as despe- sas.
1º Não efetuado o recolhimento do valor devido, nem apresentada justificativa ou impugnação, no prazo do caput, o valor será inscrito em Dívida Ativa.
2º Apresentada impugnação esta será apreciada pela autoridade competente para julgar o auto de infração, que decidirá o requerimento.
Por outro lado, caso a autoridade julgadora se depare com dúvida no que tange ao cabimento da penalidade de demolição, poderá solicitar um laudo técnico, que analise as consequências ambientais de um eventual desfazimento da obra.
Também durante o trâmite processual, que confirmará ou não a aplicação da penalidade, a autoridade poderá solicitar manifestação técnica e/ou jurídica que, a partir da defesa apresentada pelo autuado, analise a possibilidade de regularização da inconformidade ambiental encontrada.
Em tais situações, e com fundamento nas análises técnica e/ou jurídica, caberá à autoridade julgadora confirmar a infração, aplicando a(s) penalidades(s) previstas no auto, podendo rever, contudo, a sanção de demolição.
Para tanto, faz-se necessário fundamentar a decisão e impor ao infrator as medidas a serem adotadas para cessação e mitigação do dano ambiental, conforme previsto no § 3º do art. 19 do Decreto nº 6.514/08, acima transcrito.
Assim, decidirá a autoridade competente acerca da apuração da infração, confirmando outra(s) penalidade(s) aplicada(s), e exigindo, de forma justificada, a adoção de medidas de regularização ou mitigação, ao invés de se aplicar a demolição como sanção, diante da possibilidade de regularização da obra.
Ocorre que, após o julgamento do auto de infração, que deixou de aplicar a demolição como penalidade, os autos devem seguir para equipe técnica, para intimação e demais providências pertinentes.
Nesse momento, o infrator será notificado das sanções que lhe foram aplicadas e, caso a equipe técnica verifique que ainda há danos ambientais a serem reparados, deverá notificar o infrator, concedendo-lhe, em âmbito administrativo, a oportunidade de regularização.
É o que estabelece a IN Ibama nº 14/2009:
Art. 115 Proferido o julgamento da infração, a autoridade julgadora re- meterá o processo à equipe técnica para intimações e demais provi- dências determinadas na decisão. (com redação dada pela IN 27/2009)
Art. 116 A equipe técnica providenciará a intimação do autuado ou seu procurador da decisão para que efetue o pagamento da multa ou ofe- reça recurso, bem como adote as providências necessárias ao cumpri- mento integral da decisão no que concerne às demais sanções.
1º Verificando-se a existência de danos a serem reparados, as equi- pes técnicas designadas deverão notificar os infratores para apresen- tarem projeto de recuperação, no prazo do recurso e para assinarem Termos de Compromisso de Recuperação de Danos.
2º Não apresentados os projetos ou assinado os Termos de Compro- misso nos prazos estabelecidos, os processos deverão ser remetidos às unidades da Procuradoria Federal Especializada junto as Superin- tendências para providências judiciais visando à recuperação dos da- nos.
3º As unidades da Procuradoria Federal Especializada deverão provi- denciar, no menor tempo possível, a formalização de dossiês contendo as peças necessárias à propositura das medidas judiciais cabíveis, restituindo-se os autos à equipe técnica para demais providências.
4º A propositura de medida judiciais visando a reparação de danos deverá ser imediatamente noticiadas nos autos do processo que visa apurar a infração.(com redação dada pela IN 27/2009)
5º Após a adoção de todas as providências determinadas na decisão, inclusive as mencionadas nos parágrafos anteriores, será dado andamento ao processamento do recurso (com redação dada pela IN 27/2009).
De acordo com o procedimento previsto na legislação aplicável, deve-se reconhecer que a não aplicação da demolição, como sanção, nos casos em que a in – conformidade for regularizável, não impede que o infrator tenha o dever de reparar os danos ambientais causados e de efetivamente regularizar a construção de acordo com as normas ambientais vigentes.
Tais medidas, contudo, devem ser exigidas do infrator, em âmbito administrativo, mas, se não foram realizadas espontaneamente, demandarão o ajuizamento de uma ação judicial por parte da Procuradoria do Ibama.
Nesse sentido, entende-se que a demolição pode ser aplicada como sanção, pelo próprio Ibama, que não depende de ordem judicial para tanto.
No entanto, se o processo instaurado para apurar a infração e consolidar as sanções pertinentes transitar em julgado, sem que tenha sido confirmada ou aplicada a sanção de de – molição, em razão do disposto no parágrafo único do art. 65 da Lei do Processo Administrativo Federal, a Administração fica impedida de aplicar a sanção.
Se, contudo, a demolição figurar como medida necessária à recuperação do dano ambiental, conforme manifestação técnica, o Ibama poderá determinar administrativamente que o autuado adote referida medida.
Diante do não atendimento, ao Ibama somente caberá recorrer ao Judiciário para imposição da medida, uma vez que referida providência não é dotada de auto-executoriedade.
Tendo em conta que a obrigação de reparar o dano não pode ser executada diretamente pela Administração, ante a inexistência de Lei que o determine, o Ibama, nesse caso, terá interesse em ajuizar a competente ação, por lhe ser útil e necessário o provimento judicial, como restou muito bem analisado na tese de defesa mínima, confeccionado e utilizado pelo contencioso desta Autarquia.
Por outro lado, importa esclarecer que, durante a tramitação do auto de infração, lavrado em decorrência de conduta infracional ao meio ambiente, o Ibama poderá decidir pela aplicação da sanção de demolição, ainda que o fiscal não tenham atentado para a necessidade e cabimento de tal penalidade.
Nesse caso, se a equipe técnica e/ou a autoridade julgadora concluírem, no caso concreto, ser devida a aplicação da demolição, como penalidade administrativa, poderá determiná-la, desde que respeitem o devido processo legal e oportunizem ao infrator à ampla defesa prévia.
Vislumbrando-se a possibilidade de aplicação desta penalidade, posteriormente à lavratura do auto de infração, deverá ser conferida oportunidade para manifestação do infrator.
Nesse caso, o eventual agravamento da penalidade aplicada de- mandará uma notificação específica, para que possa tomar ciência e apresentar impugnação a respeito, como determina o Decreto nº 6.514/09:
Art. 123. A decisão da autoridade julgadora não se vincula às sanções aplicadas pelo agente autuante, ou ao valor da multa, podendo, em decisão motivada, de ofício ou a requerimento do interessado, minorar, manter ou majorar o seu valor, respeitados os limites estabelecidos na legislação ambiental vigente.
Parágrafo único. Nos casos de agravamento da penalidade, o autuado deverá ser cientificado antes da respectiva decisão, por meio de aviso de recebimento, para que se manifeste no prazo das alegações finais.
Da mesma forma, a IN Ibama nº 14/2009 estabelece que:
Art. 114 Caso a autoridade julgadora decida por aplicar a penalidade de multa em substituição à sanção de advertência, majorar a multa ou agravar por qualquer motivo a situação do autuado, nas hipóteses em que estas situações não tenham sido indicadas no parecer instrutório, deverá promover decisão interlocutória, intimando o autuado para se manifestar sobre a decisão, no prazo de alegações finais.
Assim, caso a possibilidade de aplicação da penalidade de demolição seja suscitada pela Equipe Técnica, o infrator será cientificado dela na notificação encaminhada para alegações finais, podendo se manifestar por meio desta.
Em situação diversa, se tal possibilidade não for aventada no Parecer Instrutório, caberá a autoridade julgadora proferir decisão interlocutória a respeito, intimando o autuado para se manifestar sobre ela, no prazo de dez dias.
Portanto, o importante, para a aplicação da demolição como sanção administrativa, será o respeito ao devido processo legal, podendo ela ser aplicada pela autoridade ambiental, com prévio contraditório e ampla defesa do infrator, após o julgamento do auto, que confirme a infração e as penalidades aplicadas.