Se não houver indicativos de que exista inviabilidade técnica ao fornecimento de energia elétrica ou indícios de que a instalação de energia elétrica, por si só, ensejará algum risco ou dano concreto ao meio ambiente, deve-se autorizar a instalação de energia elétrica, ainda que o imóvel esteja localizado em loteamento irregular em área ambiental ou de preservação permanente.
Isso porque, o acesso à energia elétrica é direito público subjetivo de toda pessoa humana e o serviço público que viabiliza esse acesso é de natureza essencial, portanto, deve ser fornecido pela concessionária (a prestação é obrigatória), desde que haja viabilidade técnica à sua prestação.
A energia elétrica é, na atualidade, um bem essencial à população (artigo 10, I, da Lei 7.783/1989), constituindo-se serviço público indispensável. O direito do cidadão de utilizar os serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza.
Índice
Omissão do Poder Público na construção de residências em área ambiental
Em muitos casos, o próprio Poder Público é conivente com a ocupação irregular em área de preservação ambiental (sem tomar qualquer providência) e omisso quanto à necessidade de resolver problemas sociais como o da moradia, e enfrentado por inúmeros cidadãos que
Se o Estado permitiu (e ainda permite) a ocupação de área de proteção ambiental, deixando de tomar qualquer providência para evitar que isso acontecesse, por certo, não pode negar condições dignas mínimas de sobrevivência, saúde e habitabilidade àqueles que construíram a sua residência no local, sob pena de colocar em risco a vida humana dessas pessoas.
Ora, a vida humana é o núcleo de todos os direitos individuais, dentre eles o de moradia (digna) e ao meio ambiente (que não só engloba o meio ambiente ecológico/biológico, mas também o meio ambiente urbanístico, por exemplo) equilibrado, esse último essencial à sadia qualidade de vida, que fica extremamente fragilizada se não houver adequado fornecimento de bens e serviços essenciais, como é o caso da energia elétrica, água potável e esgoto.
Como quer que seja, as questões relacionadas com irregularidades de loteamento e imóveis localizados em área de preservação ambiental não podem servir como motivos para impedir uma pessoa que ali reside de exercer ou usufruir de um direito fundamental básico e essencial como é a energia elétrica.
Ou seja, a localização de terrenos, edificações ou residências em área de preservação permanente não impede a instalação da energia elétrica, mas apenas limita o exercício da posse a determinadas restrições ambientais a serem impostas pelo órgão ambiental competente.
Direito à moradia e energia elétrica
A moradia, aliás, é um direito social garantido pela Constituição Federal em seu artigo 6°, que garante ainda, em seu artigo 1° a Dignidade da Pessoa Humana. Não podemos falar de dignidade quando está sendo negado um dos direitos fundamentais ao cidadão.
A Constituição Federal, exala, aliás, os mais límpidos valores, princípios e objetivos republicanos, tais como:
- a dignidade da pessoa humana;
- a construção de uma sociedade livre, justa e solidária;
- garantia do desenvolvimento nacional;
- erradicação da pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
Decorrência do princípio da isonomia material,
A ideia do mínimo existencial, decorrente do princípio da isonomia material, reveste e complementa o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual se divide em três momentos distintos: a) saúde; b) educação; c) moradia.
Essas são necessidades globantes e vitais, ensejando uma postura positiva por parte do Estado, que não pode subordiná-los a outros interesses, mesmo sob o manto protetor do intangível “interesse público”.
Não é demais lembrar que os direitos individuais não devem sofrer interpretações que restrinjam sua eficácia. Sua característica fundamental concerne em obrigar o Estado a um agir configurado, dentro dos ditames estabelecidos pela Constituição Federal (discricionariedade constitucional), consagrando um posicionamento ímpar ao indivíduo que poderá, sempre que insatisfeito, exigir prestações de natureza jurídica ou material, permitindo, assim, a fruição efetiva dos direitos fundamentais.
Vale lembrar, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) afirma que: “Art. XXV. Todos têm direito ao repouso e ao lazer, bem como um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação”.
Já o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) estabelece em seu Art. 11 que os “Estados signatários do presente pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive alimentação, vestimenta e moradia adequada, assim como uma melhora contínua na qualidade de vida”.
Garantia do mínimo existencial e energia elétrica
O Poder Judiciário já tem discutido a tese de certo “mínimo existencial” em demandas associadas ao acesso à energia elétrica. Essas demandas, majoritariamente, levantam a tese da energia elétrica como um direito social fundamental não tipificado.
As ações prestacionais que garantam o mínimo existencial e, por consequência, a dignidade da pessoa humana, devem ser vistas como topograficamente superiores a quaisquer formas ou espécies governativas ou legislativas, posicionando-se na reserva superior dos valores consagrados como preponderantes na sociedade.
Não há dúvidas de que a privação da energia ao homem constitui-se na privação da própria vida, e tal fato viola os princípios constitucionais estampados no art.1°, inciso III da Magna Constituição Federal de 1988, que diz ser a dignidade da pessoa humana um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Assim, o fornecimento da energia, concessão do Poder Público, não pode ser utilizado como meio de coerção que prive o cidadão do seu uso, por motivo algum, ainda que o imóvel esteja localizado em área de proteção ambiental, cuja existência da edificação foi tolerada pela Administração Pública.
Não há margem à dúvida acerca do caráter essencial que o serviço de fornecimento de energia elétrica possui para os cidadãos em geral.
Afinal, a eletricidade é a força motriz para a prática de atos comezinhos do cotidiano, cuja ausência coloca o indivíduo em situação de extrema fragilidade e ofende gravemente o princípio da dignidade da pessoa humana.
O que diz a jurisprudência
A jurisprudência, especificamente a das Câmaras Reservadas de Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP, tem flexibilizado as regras de instalação de energia elétrica para imóveis inseridos em área de proteção ambiental ou preservação permanente, quando não houver óbice técnico e material para sua instalação:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – Instalação de rede de energia elétrica – Loteamento irregular – Temática a ser examinada na perspectiva do princípio da dignidade humana – Boa-fé dos apelantes evidenciada, pois em momento algum foram impedidos de construir na área objeto da controvérsia – RECURSO PROVIDO. (TJ-SP – AC: 10044027720168260445 SP 1004402-77.2016.8.26.0445, Relator: Antonio Nascimento, Data de Julgamento: 18/11/2019, 26ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/11/2019)
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. Fornecimento de energia elétrica. Recusa fundada na ausência de documentos aptos a demonstrar a regularidade do loteamento em que se situa o imóvel da autora. Serviço de natureza essencial. Negativa que ofende a dignidade da pessoa humana e obstaculiza o exercício do direito à moradia. Inexistência de exigência legal que condicione o fornecimento de energia elétrica à regularidade da ocupação do solo. Precedentes. Indenização por danos materiais. Aluguéis pagos. Ausência de ato ilícito e de nexo de causalidade. Responsabilidade civil não configurada. Recurso provido em parte.” (TJSP-36ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível 1004168-93.2019.8.26.0347-Matão, J. 29.09.2020, dpp, vu, Rel. Des. MILTON CARVALHO, voto nº 27720)
Ação de obrigação de fazer c.c. indenização por dano moral julgada parcialmente procedente – Instalação/ligação de rede para fornecimento de energia elétrica – Pretensão recusada pela concessionária – Art. 10, inciso I, da Lei nº 7.783/89 – Serviço público de caráter essencial, imprescindível ao atendimento de necessidades humanas básicas – Omissão que fere o princípio constitucional da dignidade humana – Alegação de imóvel situado em área de preservação permanente (APP) – Tese de embargo judicial em ação civil pública afastada. Escusa não demonstrada – Prova pericial não realizada – Inexistência de razões válidas que inviabilizem a instalação e a disponibilização da energia elétrica – Recurso improvido.” (TJSP-16ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível 1002828-39.2018.8.26.0642- Ubatuba, J. 22.09.2020, np, vu, Rel. Des. MIGUEL PETRONI NETO, voto nº 32353).
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. INSTALAÇÃODE REDE DE ENERGIA ELÉTRICA. LOTEAMENTO IRREGULAR. RECUSA ILEGÍTIMA. PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSOIMPROVIDO, COM OBSERVAÇÃO. 1. Tratando-se o autor de adquirente de boa fé, o fato de seu imóvel estar situado em loteamento irregular não justifica a recusa da concessionária ao fornecimento de energia elétrica, notadamente, quando há evidências de que os serviços já foram disponibilizados a outros moradores do mesmo loteamento e não há notícia de dificuldades técnicas para a instalação da rede elétrica no local. (TJSP-31ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível 1000897-29.2018.8.26.0180-Espirito Santo do Pinhal, J. 19.12.2019, np, vu, Rel. Des. ANTONIO RIGOLIN, voto nº 44179).
Conclusão
Sem energia elétrica, em meio à natureza longínqua, o cair da noite faz as populações voltarem a condições semelhantes às de populações de séculos ou mesmo de milênios atrás.
A luz elétrica traz essas mesmas populações para o Século XXI. A situação é agravada quando constatamos que, em plena área urbana, há cidadãos sem acesso à energia elétrica.
Nesse contexto, é oportuno ressaltar que a Organização das Nações Unidas propõe como meta o acesso universal à energia até o ano de 2030.
A universalização do acesso à energia elétrica vinha em sua caminhada histórica, colide, às vezes, com outras normas, como as de preservação ambiental. Muitas vezes, as condições para o fornecimento de energia elétrica esbarram em dificuldades provenientes das leis ambientais.
Ocorre que a elevação do acesso à energia elétrica à dignidade de lei constitucional é investimento em civilização e humanidade, e dela muito se pode esperar.
Desse modo, temos defendido que se inexistir notificação expedida pela Administração Pública acerca da ocupação clandestina, ilícita ou irregular do solo; não houver óbice técnico e material à concessionária; e ausente a ampliação de dano ambiental, deve-se permitir a instalação de energia elétrica ainda que o imóvel esteja localizado em área de proteção ambiental, sob pena de violação a princípios constitucionais e ao mínimo existencial à pessoa humana.
Isso, sobretudo, nos casos em que ficar demonstra a condescendência do Poder Público com a ocupação irregular e sua omissão em resolver a situação daqueles que sofrem com a não prestação de serviços públicos essenciais pela simples justificativa de que o imóvel estaria localizado em área de preservação ambiental.
Vale dizer, se o Poder Público tivesse exercido o Poder de Polícia a contento, por certo, o loteamento ou imóvel irregular não existiria e, consequentemente, pessoas não estariam sofrendo com a negativa de instalação de energia elétrica.
Portanto, ausente qualquer óbice material e técnico (relacionados com a atividade desenvolvida pela concessionária de energia elétrica), deve ser ela compelida a promover a instalação da energia elétrica, mesmo que a residência seja irregular por se tratar de área de proteção ambiental ou preservação permanente.
10 Comentários. Deixe novo
Boa noite doutor comprei um terreno.medindo 8×10 sem saber que era app .E construir minha casinha porém quando fui pedir pra ligar a energia elétrica meu pedido foi negado pela Celesc. Gostaria de saber se tenho algum direito para que eu possa ligar minha luz .Sou viúva.pensionista mãe de duas adolescentes ainda morando comigo uma de 19 e outra com 15 anos.se você poder me dar alguma informação fico muito agradecida obrigado
Se a casa foi construída em APP há pouco tempo, as chances de conseguir uma ligação de energia são mínimas.
Olá uma conhecida mora em um terreno irregular já faz mais de 15 anos que está sem luz área urbana .
A Cemig alega que pra fazer a instalação é necessário que a prefeitura local faça uma rede de extensão.
O prefeito diz que não irá fazer sou de MG.
Será que poderia me dar mais orientações.
Tem um número ou email que podemos conversar.
Desde já agradeço a atenção.
Estefani, os nossos números de contato (e-mail, telefone e WhatsApp e estão todos aqui no site em vários locais. Aqui do lado tem um botão do WhatsApp que você pode falar direto com nossos advogados ambientais.
Olá.. tenho um terreno de posse registrado em cartório tudo certinho há 6anos em MG..fiz pedido pra extensão de rede em minha propriedade. já tenho casa construída no local porém a concessionária de energia está esperando uma autorização do órgão competente da região (ICMBIO) autorizando a obra de extensão de rede..a CEMIG já tem a empreiteira que irá realizar a obra porém ta pendente dessa autorização…minha dúvida e: e normal essa demora porque já vai fazer 3anos q tô nessa luta pra conseguir essa energia ou existe outros meio pra liberarem logo essa autorização??
Pelo que entendi, o seu imóvel está localizado em uma unidade de conservação de uso sustentável, já que o ICMBio irá expedir uma autorização. Quanto a demora, não sei quando exatamente você fez o requerimento, mas se já se passou muito tempo sem resposta, cabível uma ação judicial para que analisem o seu pedido de ligação de energia.
Oi tudo bem? moro numa área irregular, cortaram minha luz por falta de pagamento dia 07 de março de 2022, queria saber se consigo religar a luz e pedir que eles liguem a luz nesse mesmo endereço. Sou de Chapecó e foi proibido religar a luz em loteamentos clandestinos. Aí queria saber se eu consigo religar a luz depois de efetuar o pagamento e qual são meus direitos.
Maristela, teríamos analisar o caso e verificar se o corte de energia se deu somente pela falta de pagamento. Há elementos que autorizam a ligação de energia elétrica em áreas de preservação permanente – APP descaracterizadas. Talvez seu imóvel seja passível de Regularização Fundiária Urbana – REURB e assim a ligação de energia seria autorizada e regular. Mas tudo isso depende de uma análise do caso concreto.
Construí uma casa em um pedacinho de terra que comprei que não é regulamento, ou seja, a cidade inteira não tem documentação, porém, como o terreno fica 200 metros da cidade. A CPFL alega que eu não tenho direito pela ilegalidade do meu terreno.
Preciso saber como faço!! Construí e não tenho energia elétrica!! Moro no distrito de Guaianas, pertence a Pederneiras/SP.
Eunice, seriam necessárias mais informações para verificar o que está acontecendo. Se o seu imóvel está localizado em área de preservação permanente – APP, talvez seja possível conseguir energia elétrica, porque o TJSP tem flexibilizado as regras para permitir a instalação de energia em imóveis em APP. Mas isso não é regra, e depende de caso a caso.