Instrumento jurídico muito usual no direito ambiental para impedir a continuidade de um dano ambiental ou cessar sua ilegalidade, bem como obrigar a parte à reparação de danos ambientais e evitar a ação judicial é o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
Com previsão legal no art. 5º, § 6º, da Lei n. 7.347/1985, na prática é utilizado especialmente pelo Ministério Público para firmar compromissos de recuperação ambiental com pessoas físicas ou jurídicas que tenham irregularmente praticado intervenções no meio ambiente natural.
O específico objeto deste artigo é o seguinte: e se a pessoa que firmou o TAC falecer após sua assintura, como as obrigações são “transmitidas na herança”?
Índice
O que acontece se a pessoa que assinou o TAC falece
Em relação às obrigações de reparar o meio ambiente (obrigações de fazer), não há dúvidas: os sucessores do falecido serão responsáveis, nos limites e nas forças de sua herança.
Isso porque a obrigação de recuperação ambiental tem natureza propter rem (acompanha o bem) e a pretensão de reparação civil do dano ambiental é imprescritível (vide Súmula n. 623 do STJ e Tema n. 999 do STF, respectivamente).
Questão juridicamente mais complexa é da “transmissão” ou não aos sucessores de uma obrigação de pagar (multa), resultante de cláusula penal por descumprimento de TAC. Nestes casos, entende-se que esse tipo de multa não pode ser herdado.
Afinal, enquanto multa que é, tem-se como inegável sua natureza jurídica coercitiva e sancionatória. A jurisprudência do e. TJSP, por exemplo, reconhece tal natureza:
(…) CUMPRIMENTO DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA – MULTA DIÁRIA (…) Dada a natureza coercitiva e sancionatória das astreintes, e, uma vez apurada a leniente conduta da embargante, deveras, a conclusão de prevalecer à higidez jurídica do apenamento, da sanção. (TJ-SP – AC: 10005678020178260531 SP 1000567-80.2017.8.26.0531, Relator: Nogueira Diefenthaler, Data de Julgamento: 24/05/2021, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 24/05/2021 – negritou-se)
(…) EMBARGOS À EXECUÇÃO – DESCUMPRIMENTO DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA – MULTA DIÁRIA (…) Dada a natureza coercitiva e sancionatória das astreintes, e, uma vez apurada a leniente conduta da Municipalidade, deveras, a conclusão a prevalecer concerne à higidez jurídica do apenamento, da sanção. (TJ-SP – AC: 10043303920178260483 SP 1004330-39.2017.8.26.0483, Relator: Nogueira Diefenthaler, Data de Julgamento: 04/07/2019, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 19/07/2019)
A jurisprudência do e. STJ segue na mesma linha:
Segundo o art. 5°, § 6°, da Lei 7.347/1985, c/c o art. 784, XII, do CPC/2015, o TAC ou documento assemelhado possui eficácia de título executivo extrajudicial. Suas cláusulas devem, por conseguinte, ser adimplidas fiel, completa e lealmente no tempo, modo e condições fixados, incumbindo ao compromissário provar a satisfação plena das obrigações assumidas. A inadimplência, total ou parcial, dá ensejo à execução do avençado e das sanções cabíveis. (AgInt no REsp n. 1.688.885/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 1/9/2020, DJe de 20/10/2020.)
Responsabilidade subjetiva do TAC
A discussão, portanto, diz com a possibilidade de execução de quantia certa decorrente do descumprimento de obrigação assumida em TAC pelo antigo proprietário de área falecido, em face dos sucessores herdeiros do imóvel que não participaram da firmatura do ajuste.
É forçoso reconhecer que a obrigação de recuperar a degradação ambiental abrange aquele que é titular da propriedade do imóvel, mesmo que não seja de sua autoria a deflagração do dano, dada a sua natureza propter rem.
Contudo, nos casos em que o Ministério Público executa Termo de Ajustamento de Conduta em razão do descumprimento de obrigações assumidas pelo antigo proprietário do imóvel que já faleceu e que, atualmente, pertence à sucessão.
Nessa hipótese, não se está exigindo que o executado repare área degradada ou compense dano ambiental, mas sim, estão sendo executadas multas cominadas para a hipótese do descumprimento de cláusulas do TAC, há de se atentar pela ausência de responsabilidade do sucessor ou herdeiro.
Embora o dever de reparação de dano ambiental possui natureza propter rem, que acompanha a coisa e submete os respectivos adquirentes, incluindo até mesmo a indenização pelos danos causados pode ser buscada dos adquirentes da propriedade degradada, a multa possui caráter sancionador da medida, que demanda, para sua imposição, a responsabilidade subjetiva.
Nesse cenário, faz-se imprescindível a necessária demonstração da presença do elemento subjetivo na conduta transgressora e de que a parte herdeira, sucessora ou adquirente do imóvel participou da firmatura do TAC, sem o que fica afasta a execução de TAC para satisfação do débito decorrente do seu descumprimento.
O que diz a jurisprudência sobre multa por descumprir TAC
A matéria é igualmente pacífica em outros Tribunais pátrios, vide o seguinte julgado do e. TJRS, que é bastante didático:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO AMBIENTAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. TAC. MULTA POR DESCUMPRIMENTO. CARÁTER SANCIONADOR. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. IMPOSIÇÃO AO ADQUIRENTE DO IMÓVEL, QUE NÃO PARTICIPOU DA FIRMATURA E NÃO ANUIU AO ACORDO. ILEGITIMIDADE PASSIVA CONFIGURADA.
Caso em que o Ministério Público não exige que o executado repare área degradada, compense dano ambiental ou indenize o meio ambiente, mas executa multa por descumprimento de Termo de Ajustamento de Conduta firmado por terceiro, alienante do imóvel.
O dever de reparação de dano ambiental possui natureza propter rem, que acompanha a coisa e submete os respectivos adquirentes. Até mesmo a indenização pelos danos causados pode ser buscada dos adquirentes da propriedade degradada.
Contudo, tratando-se de multa, subjaz o caráter sancionador da medida, que demanda, para sua imposição, a responsabilidade subjetiva, com a necessária demonstração da presença do elemento subjetivo na conduta transgressora.
O Termo de Ajustamento de Conduta substitui o processo de conhecimento de ação civil pública e, por impor à parte obrigações e, principalmente, restrições, exige sua livre manifestação de vontade.
A natureza jurídica do TAC é de acordo, transação ou negócio, por conseguinte, possui eficácia inter partes, naquilo que não disser estritamente com o objeto da reparação, ou compensação do dano, ou ainda à indenização ao meio ambiente.
APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70075374215, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em 23/11/2017). (TJ-RS – AC: 70075374215 RS, Relator: Marilene Bonzanini, Data de Julgamento: 23/11/2017, Vigésima Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 28/11/2017)
De fato, por se estar diante de multa, enquanto sanção que é, há o que se chama de responsabilização subjetiva. Um signatário do TAC, já falecido, era responsável subjetivamente pela multa ali prevista – mas seus sucessores não são.
Conclusão
O art. 5º, XLV, da CRFB/1988 estabelece que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”. Trata-se do conhecido princípio da intranscendência da pena.
De fato, o apenamento a que estava sujeito o signatário do TAC não pode ser transmitido a seus descendentes.
O caráter sancionador atrai responsabilidade subjetiva[1] que não pode ser transmitida de pai para filho ou filha, sob pena de grave ilegalidade e, inclusive, violação ao art. 5º, XLV, da CRFB/1988.
Ensina o célebre doutrinador paulista Carlos Roberto Gonçalves que:
Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Nessa concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa. (Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v. 4. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 50 – destacou-se)
Na linha do ensinamento doutrinário acima, conclui-se que um herdeiro não pode ser subjetivamente responsável por multa decorrente de TAC que sequer compôs. Não há como imputar dolo ou culpa de um sucessor por supostos atos de ingerência/desídia de um genitor.
Diante disso, conclui-se que “na sucessão de um TAC”, as obrigações ambientais de fazer são sim transmitidas, mas as de pagar decorrentes de cláusula penal (multa) acompanham o titular do TAC em sua passagem para além do mundo terreno, ou seja, sua morte acarreta na extinção da obrigação de pagar por eventual descumprimento do TAC, não podendo ser cobrados dos herdeiros, sucessores ou terceiro adquirente da área.
[1] Nesse particular, vale expor os artigos 186 e 297 do Código Civil: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (…) Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
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Excelente artigo ! Muito obrigada!