O art. 225, § 3º, da Constituição Federal prevê expressamente a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica por condutas lesivas ao meio ambiente. No mesmo sentido é a Lei 9.605/98, a qual consagra a possibilidade de responsabilização das pessoas jurídicas por crimes ambientais.
Dito de outra forma, a Lei 9.605/98, ao regulamentar o preceito constitucional previsto no art. 225, § 3º, da Constituição Federal, é hialina ao prever a possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas pela prática de Crimes Ambientais.
Assim, se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento e pratica atos no meio social, poderá a vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal.
Não se desconhece que o Supremo Tribunal Federal – STF tenha afastado a teoria da dupla imputação no julgamento do Recurso Extraordinário – RE 548.181/PR, em que admitiu a possibilidade de a pessoa jurídica figurar de forma isolada no polo passivo de ações penais.
Ocorre que para nós, a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais somente pode ocorrer se houver a imputação simultânea do crime ambiental por ela cometido com a pessoa física que a representa, ou que atue em nome da empresa ou em benefício da mesma, pois não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio.
Não se pode responsabilizar criminalmente apenas as pessoas jurídicas que sequer possuem consciência e vontade para praticar crimes ambientais, sobretudo quando o objetivo das penas tem por finalidade prevenir crimes e reeducar o infrator, objetivos impossíveis de serem alcançados em relação às pessoas jurídicas, que são entes fictícios, incapazes de assimilar tais efeitos da sanção penal.
Assim, o melhor entendimento seria a responsabilização penal e administrativa da pessoa jurídica juntamente com a pessoa física por ela responsável, na medida em que aquela se incumbiria de reparar os danos causados pela infração e esta se submeteria aos efeitos da respectiva sanção penal.
Índice
Responsabilização da pessoa física e jurídica por crime ambiental
O artigo 3º da Lei 9.605/98, ao disciplinar o dispositivo constitucional prevê a hipótese de coautoria necessária, ou seja, não dissocia a responsabilidade da pessoa jurídica da decisão de seu representante legal, contratual ou colegiado, no interesse da sociedade, in verbis:
Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
Observa-se que, mesmo que se traga à responsabilização penal e à aplicação de penas a pessoa jurídica, os atos da pessoa física não ficam dissociados do tipo penal e da relação de causalidade entre a conduta e o resultado.
Nesses termos, a responsabilização criminal da pessoa jurídica só será possível mediante o preenchimento de requisitos estabelecidos no art. 3º da Lei 9.605/98, ou seja, com descrição pormenorizada dos atos praticados pelos representantes legais ou órgãos colegiados, sob pena de faltar o pressuposto para que o processo-crime se desenvolva corretamente.
Responsabilidade da pessoa jurídica por crime ambiental
A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de crimes ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial.
A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades.
Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal.
A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito.
A pessoa jurídica, portanto, só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral.
De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado.
A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. A coparticipação prevê que todos os envolvidos no evento delituoso serão responsabilizados na medida se sua culpabilidade.
Logo, a questão está na dupla imputação que é exigida para a caracterização da conduta delituosa da pessoa jurídica, quando deve ser aliada à sua conduta a de quem a representa.
Assim, inexistindo imputação simultânea à pessoa jurídica e à pessoa física responsável, comissiva ou omissivamente, pelo delito ambiental, condição necessária ao prosseguimento do feito, é inépcia a ação penal.
Crime ambiental não pode ser cometido pela pessoa jurídica sem a física
O crime ambiental é sempre de coautoria necessária da pessoa física e jurídica. Vale dizer que, só se pode admitir a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja também a imputação do delito à pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio (dolo ou culpa) e, de alguma forma determinou a prática do ato causador do dano ambiental ao atuar em nome ou em benefício da pessoa jurídica.
O crime ambiental imputado tão somente à pessoa jurídica, não sendo incluída na denúncia os atos praticados pela pessoa física responsável pelo suposto crime ambiental que teria atuado em seu nome ou proveito, inviabiliza a instrução da ação penal, pois é o administrador que age com elemento subjetico próprio (dolo ou culpa), atuando em nome e proveito da pessoa jurídica.
Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que “não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio”, conforme era o entendimento do STJ (Resp 564960/SC)
Dito de outra forma, nos crimes ambientais, é necessária a dupla imputação, pois não se admite a responsabilização penal da pessoa jurídica dissociada da pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio.
De fato, não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio (dolo ou culpa), uma vez que a atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa.
Assim, quando a denúncia não imputa a prática delitiva de qualquer crime ambiental à pessoa física relacionada à pessoa jurídica, mesmo que por atos comissivos por omissão, tendo apenas denunciado esta última, a jurídica, tem-se por inepta a inicial acusatória ante a ausência da descrição pormenorizadas dos atos praticados pelos representantes legais, contratuais ou órgãos colegiados no interesse da sociedade.
Conclusão
O entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF de que é possível que a pessoa jurídica figure sozinha no polo passivo da ação penal, para nós, é equivocado (embora não seja de todo ruim), sobretudo porque o fundamento é de que haveria impunidade dos crimes cometidos por grandes corporações, nas quais a inerente descentralização e a distribuição de atribuições e responsabilidades dificultaria, sobremaneira, a imputação do fato ilícito a uma pessoa física.
Com todo respeito ao Supremo Tribunal Federal – STF, mas o entendimento firmado no Recurso Extraordinário – RE 548.181/PR teve como objetivo punir, simplesmente punir a pessoa jurídica que causar dano ambiental, independente da apuração da responsabilidade da pessoa física que efetivamente deu a ordem ao suposto ilícito, questão que não se coaduna com o caráter repressivo e pedagógico das sanções penais.
O art. 3º da Lei 9.605/98 deixa clara a vinculação da responsabilidade da pessoa jurídica à atuação de seus administradores, quando agem em no interesse da sociedade, fazendo-se necessária a descrição da participação dos seus representantes legais ou contratuais ou de seu órgão colegiado na inicial acusatória.
Por muito tempo, o Superior Tribunal de Justiça – STJ manteve entendimento pacificado de que a omissão em atribuir responsabilidade à pessoa física responsável acarretava na inépcia da denúncia.
Assim, embora admita-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais, é imprescindível que haja a imputação simultânea da pessoa jurídica e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que não se pode compreender a responsabilização da pessoa jurídica dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio.
Em suma, a denuncia contra a pessoa jurídica por crime ambiental só pode ser efetivada depois de identificadas as pessoas físicas que, atuando em seu nome e proveito, tenham participado do evento delituoso.
A identificação da atuação das pessoas físicas é importante como forma de se verificar se a decisão danosa ao meio-ambiente partiu do centro de decisão da sociedade ou de ação isolada de um simples empregado, para o qual a pessoa jurídica poderia responder por delito culposo (culpa in eligendo e culpa in vigilando), recebendo penalidades menos severas daquelas impostas a título de dolo direito ou eventual, advindos da atuação do centro de decisão da empresa.
Portanto, o crime ambiental imputado tão somente à pessoa jurídica, não sendo incluída na denúncia os atos praticados pela pessoa física responsável pelo suposto crime ambiental que teria atuado em seu nome ou proveito, inviabiliza a instrução da ação penal, pois é o administrador que age com elemento subjetivo próprio (dolo ou culpa), atuando em nome e proveito da pessoa jurídica.