Questão importante é se a prescrição intercorrente ou propriamente dita que ocorre no processo administrativo ambiental abrange somente a sanção de multa ambiental ou também as demais sanções administrativas descritas no art. 3º do Decreto Federal 6.514/08, tais como o embargo ambiental.
Embora alguns órgãos ambientais e magistrados pensem que sim, ou seja, que a multa ambiental prescreve, mas o embargo não, deve-se ter bem claro que sanções ambientais e as medidas cautelares também são sanções e se diferenciam destas tão somente em relação ao momento que são aplicadas, mas ambas dependem de confirmação por ocasião do julgamento do auto de infração ambiental.
Sendo assim, a prescrição incide sim sobre todas as penalidades relacionadas no art. 3º do Decreto Federal 6.514/08, inclusive as cautelares, e não só sobre a penalidade de multa ambiental, pois incidindo a prescrição em determinado processo administrativo instaurado para apurar a prática de infração ambiental, prescreve o direito de a Administração Pública impor sanção para o infrator.
Ao administrador público, assim como aos magistrados, data venia, não cabe legislar, criando hipóteses de imprescritibilidade de sanções em sede de Direito Administrativo Sancionador.
O legislador entende, certa ou erradamente, que nos casos em que o processo administrativo ambiental ficar paralisado injustificadamente, incide prescrição, situação que retira do Estado o poder de punir, de modo que à autoridade ambiental julgadora só cabe cumprir a lei. O contrário seria desvestir-se do cargo público, e sem legitimidade alguma para tanto, usurpar o manto do legislador.
Índice
Efeitos da prescrição alcançam medidas cautelares e sanções
Os efeitos da prescrição alcançam todas as sanções descritas no art. 3º do Decreto Federal 6.514/08 e art. 72 da Lei Federal 9.605/98, inclusive se cautelares, todas abaixo relacionadas:
- advertência;
- multa simples;
- multa diária;
- apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e fora e demais produtos e subprodutos objeto da infração, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
- destruição ou inutilização do produto;
- suspensão de venda e fabricação do produto;
- embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas;
- demolição de obra;
- suspensão parcial ou total das atividades; e
- restritiva de direitos.
Ora. Se o processo administrativo ambiental prescreveu e nenhuma penalidade pode ser aplicada ao autuado, como então que uma medida cautelar como o embargo ambiental que depende da confirmação em julgamento próprio para se tornar sanção poderá permanecer hígido?
Com efeito, a prescrição fulmina o poder punitivo da Administração Pública para o processo em que permanecer inerte, situação que impede o curso da apuração da infração ambiental, que, como consequência, obsta a atuação do Poder Público para a aplicação de penalidades, dentre as quais a penalidade de multa ambiental, mas não somente ela.
Certo é que, em decorrência dos efeitos da prescrição, a Administração Pública não pode mais aplicar penalidades, e em se tratando de medidas administrativas que têm caráter cautelar e preventivo mas dependem de confirmação ao final do processo administrativo — como o embargo ambiental —, não poderão elas permanecer válidas.
Logo, a prescrição alcança todas as penalidades relacionadas no art. 3º do Decreto Federal 6.514/08 e não só sobre a penalidade de multa ambiental, pois incidindo a prescrição em determinado processo, prescreve o direito de a Administração Pública impor sanção para o infrator.
Prescrição no processo administrativo ambiental gera a perda de punir
Sabe-se que a prescrição traz consigo um caráter de estabilização das relações jurídicas em respeito aos princípios e garantias constitucionais, os quais são incompatíveis com a instabilidade propiciada pela possibilidade de exercício temporalmente ilimitado de direitos.
Nesse norte, leciona o consagrado constitucionalista e ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso[1], segundo o qual:
“Em nome da segurança jurídica, consolidaram-se institutos desenvolvidos historicamente, com destaque para a preservação dos direitos adquiridos e da coisa julgada. É nessa ordem de ideias que se firmou e difundiu o conceito de prescrição (e da decadência, por idêntico), vale dizer, da estabilização das situações jurídicas potencialmente litigiosas por força do decurso do tempo.”
Semelhante esquadro teórico no que concerne à segurança jurídica como valor maior da prescrição, é compartilhado por Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald[2], confira-se:
“A manutenção de situações jurídicas pendentes, indefinidamente, por lapsos temporais prolongados, importaria sem dúvida, e insegurança e seria fonte de conflitos e prejuízos diversos. Consequentemente, surge a necessidade de controlar, temporalmente, o exercício de direitos, propiciando segurança jurídica e social.”
Acrescente-se que, além da aproximação com o elemento tempo, a prescrição também diz respeito à inércia do titular de determinada relação jurídica. Equivale a dizer, além de fundar-se em aspecto objetivo, o decurso temporal, também tem como suporte uma conduta omissiva do titular do direito em perecimento.
Sendo assim, ocorrida a prescrição, dela decorrerão efeitos, e, portanto, no processo administrativo instaurado para apurar a ocorrência de infração administrativa ambiental, um dos efeitos da prescrição é a perda do prazo para a aplicação de penalidades, as quais são extintas, não havendo razão para entendimento diverso quando se tratar de medidas cautelares que dependem de confirmação da autoridade julgadora.
Conclusão
Por fim, vale lembrar que o procedimento administrativo para apuração de infrações ambientais é orientado pelos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, e a autoridade ambiental está adstrita a eles de tal forma que não pode por si só desconsiderá-los para transformar um processo prescrito em ferramenta punitiva, inclusive em relação à eventuais medidas cautelares.
Ora. Não se pode perpetuar o processo tampouco as medidas cautelares nele apuradas, mesmo prescrito, pois tal hipótese teria por efeito tornar as penas imprescritíveis, o que não se coaduna com o Direito Administrativo Sancionador.
A Administração Pública deve obediência aos princípios acima elencados, a imprescritibilidade só será admissível nos casos excepcionais expressamente previstos na Constituição Federal. Ademais, o próprio texto constitucional assegura a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Desse modo, se a Administração Pública se mantém, por mais de três anos, sem praticar nenhum ato tendente à apuração de uma infração ambiental, seria ilógico admitir que o processo siga tramitando indefinidamente.
Caso constatado o transcurso do prazo, deve ser indicada a prescrição, ainda que de ofício, e sugerida a apuração da responsabilidade de quem lhe deu causa. Cabe à autoridade administrativa o reconhecimento da prescrição, seja da pretensão punitiva propriamente dita seja da intercorrente.
Logo, ocorrida a prescrição, o processo deve ser arquivado, seja de ofício, seja a requerimento da parte interessada, dispensando-se a adoção do rito apuratório, mas fazendo-se necessário julgar o auto de infração para o reconhecimento da prescrição, pois trata-se de ato de cunho decisório.
Desta forma, independentemente de o autuado já ter tido ou não ciência da imposição de penalidade em seu nome, uma vez reconhecida a prescrição, os autos passarão por julgamento com o fim de reconhecer a incidência da prescrição, seja intercorrente, a propriamente dita, ou ambas.
Portanto, constatada a ocorrência da prescrição no processo administrativo ambiental, seja a intercorrente ou a propriamente dita, deve a autoridade ambiental de ofício ou a requerimento da parte autuada, arquivar o processo e extinguir as sanções, inclusive de eventuais medidas cautelares como o embargo ambiental.
[1] Luís Roberto Barroso. A Prescrição administrativa no direito brasileiro antes e depois da Lei nº 9.873/99. Revista Diálogo Jurídico: Salvador: CAJ, vol. 1 n. 4, 2001, p. 3.
[2] Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald. Direito Civil: Teoria Geral. 7ª ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 553/554.