A norma penal em branco é aquela que depende de complemento de um tipo por outra norma. Essa segunda norma, que preenche/esclarece/detalha um elemento deixado em aberto pela primeira, pode ser outra lei penal ou não (ter origem na mesma fonte legislativa – homogênea, ou fonte diversa – heterogênea), desde que não a contrarie ou a restrinja.
Os crimes ambientais considerados normas penais em branco exigem a complementação de outro ato que forneça parâmetros e critérios para a penalização das condutas ali descritas.
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Crime ambiental não pode ser complementado por norma estadual
Ainda que a competência para legislar sobre meio ambiente seja concorrente aos estados-membros (art. 23 e 24 da Constituição Federal) e haja divergências na jurisprudência e doutrina, entendemos que normas estaduais não têm o condão de preencher o conteúdo de lei penal incriminadora, a qual é reservada à lei em sentido estrito e a competência para legislar sobre direito penal privativa da União.
Isso porque permitir que Estados possam complementar as normas penais em branco faz surgir a hipótese de o agente cometer crime ambiental estadual, caso em que haveria conduta típica em determinado estado da federação, e atípica em outro onde não haveria lei estadual regulamentando a matéria.
Normas estaduais, sejam leis, decreto, regulamentos, portarias e afins, para nós, não podem ser consideradas para fins de direito ambiental penal, pois o Estado ou seus órgãos ambientais não possuem competência para regulamentar as leis penais, competência essa privativa da União.
Com efeito, em estrita observância à regra constitucional do art. 22, I, da Constituição Federal, segundo a qual compete exclusivamente à União legislar sobre matéria penal, não podem os demais entes federativos (Estados e municípios) usurpar dessa competência para estabelecer restrições ao cidadão com reflexos na legislação penal.
Entender de forma diversa, além de usurpar competência constitucional privativa da União, possibilitaria a responsabilização penal regional a critério dos órgãos federados, permitindo que uma conduta em uma localidade da federação configure um ilícito penal enquanto noutra a conduta seja atípica.
Portanto, tratando-se de norma penal em branco, a complementação para sua exata delimitação e produção de efeitos jurídicos na esfera criminal advém da competência exclusiva da União, não competindo a Estados e Municípios complementar ato normativo próprio do poder federal que implique em reflexos na legislação penal ambiental.
Denúncia que não indica norma complementadora do crime ambiental é inepta
Por fim, quando a denúncia imputar ao acusado determinado crime ambiental que se caracteriza como norma penal em branco, mas sem indicação da necessária norma complementadora, constituir-se-á inepta, por impossibilitar a defesa adequada do denunciado.
Se a exordial acusatória não indica a legislação complementar para crimes ambientais que contenham normas penais em branco, é possível impetrar habeas corpus com pedido de trancamento da ação penal, embora se trate de medida excepcionalíssima, ainda que outra denúncia possa ser oferecida pelo mesmo fato, desde que contenha a indicação da complementação legal da norma penal em branco ante omitida.
Já nos casos em que a norma indicada para complementar o tipo penal em branco for estadual ou municipal, entendemos que também cabe habeas corpus diante da ausência de integração da norma penal em branco, significando atipicidade do fato descrito na denúncia, ausente justa causa para a instauração da ação penal.
Exemplos de crime ambiental considerados norma penal em branco
A título de exemplo de norma penal em branco, cita-se o crime ambiental previsto no artigo 60 da Lei 9.605/98, segundo o qual constitui crime o ato de construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes, crime esse complementado pela Resolução n. 237 do CONAMA que, dentre outros conceitos e regulamentações, dispõe sobre os empreendimentos e atividades sujeitos ao licenciamento ambiental, cuja relação está relacionada no seu Anexo 1, parte integrante da Resolução.
O crime ambiental previsto no art. 34, da Lei. 9.605/98 é norma penal em branco e carece de complementação de fonte legislativa diversa da que a produziu para estabelecer quais as quantidades de peixes que podem ser pescadas, quais os petrechos permitidos e não permitidos, o período que seria permitido realizar a pesca e o local e parâmetros para a pesca autorizada.
A prática de destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente que configura crime ambiental previsto no art. 38 da Lei n. 9.605/98 também é norma penal em branco, cuja complementação advém, especialmente, do Código Florestal de 2012, o qual define no artigo 4º quais são as áreas de preservação permanente protegidas.
O art. 64 da Lei 9.605/98 veicula norma penal em branco, norma que também é complementada pela Lei 12.651/12 (Código Florestal), que estabelece a vedação de construções em áreas de preservação permanente ou solo não edificável.
O delito do artigo 38-A da Lei n. 9.605/98, que tipifica a conduta de destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção, da mesma forma, é uma norma penal em branco e depende de outros fatores para a sua configuração, os quais elencados na Lei 11.428/2006 (Lei da Mata Atlântica).
Outros exemplos de crimes ambientais em branco
O crime positivado no art. 56, caput, da Lei n. 9.605/1998, cujo preceito legal dispõe que está sujeito a pena de um a quatro anos de reclusão, e multa, aquele que “produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos” é norma penal em branco, cuja complementação depende da edição de outras normas, que definam o que venha a ser o elemento normativo do tipo “produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde pública ou ao meio ambiente”.
No caso específico de transporte de tais produtos ou substâncias, o Regulamento para o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos (Decreto 96.044/1988) e a Resolução 420/2004 da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, constituem a referida norma integradora, por inequivocamente indicar os produtos e substâncias cujo transporte rodoviário é considerado perigoso.
A norma incriminadora disposta no artigo 67, da Lei 9.605/98, contempla a conduta do funcionário público que concede ilegalmente licença, autorização ou permissão para obras e serviços.
Trata-se de norma penal em branco, sendo, por isso, relativamente dependente de normativas de cunho administrativo.
Entendemos que o tipo penal descrito no artigo 68 da Lei 9.605/98 que pune a conduta de deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental, também é norma penal em branco que depende do descumprimento a lei ou a contrato para sua complementação.
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2 Comentários. Deixe novo
Um bom conteúdo de crimes ambientais,
Obrigado Willian!