Quanto mais ampla for a visão de um estudioso em relação a uma ciência e/ou tema, maior será sua capacidade de enxergar suas nuances e minúcias.
Se a ciência em questão for o direito ambiental e o estudioso ou estudiosa um advogado ou advogada, quanto mais o profissional efetivamente conhecer da matéria, maior a gama de soluções que poderá oferecer aos seus clientes.
E o conhecimento imprescindível a um bom profissional do direito – além de associado à parte teórica – precisa ter grande substrato prático.
O direito ambiental enquanto disciplina jurídica autônoma é bastante recente – ainda mais se comparado a outros ramos clássicos do direito (civil, penal, tributário).
A eclosão do direito ambiental, enquanto ciência social aplicada que é, está essencialmente relacionada à crescente preocupação da sociedade quanto à proteção e preservação do meio ambiente.
No Brasil, um marco legislativo importantíssimo e ainda hoje em vigor (em que pese com várias naturais alterações desde sua edição) consiste na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – Lei n. 6.938/1981.
A norma é anterior à Constituição da República Federativa do Brasil, tendo sido por ela recepcionada.
Índice
Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – Lei 6.938/1981 e SISNAMA
A Lei n. 6.938/1981 dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), seus fins e mecanismos de formulação e aplicação. A norma é subdivida nos seguintes tópicos:
- Política Nacional do Meio Ambiente;
- Objetivos da política nacional do meio ambiente;
- Sistema Nacional do Meio Ambiente;
- Conselho Nacional do Meio Ambiente; e
- Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente.
Dentre os objetivos da PNMA, o primeiro (art. 4º, I) é o da compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. Esse objetivo coroa o ideário do desenvolvimento sustentável, base de fundação do direito ambiental brasileiro.
O Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, por sua vez, é constituído pelos órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e pelos órgãos instituídos pelo Poder Público responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental (art. 6º, caput).
Atualmente, a estruturação do SISNAMA, por previsão legal (art. 6º), dá-se da seguinte forma:
I – órgão superior: o Conselho de Governo, com a função de assessorar o Presidente da República na formulação da política nacional e nas diretrizes governamentais para o meio ambiente e os recursos ambientais;
II – órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida;
III – órgão central: a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República, com a finalidade de planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como órgão federal, a política nacional e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente;
IV – órgãos executores: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – Instituto Chico Mendes, com a finalidade de executar e fazer executar a política e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente, de acordo com as respectivas competências;
V – Órgãos Seccionais: os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental;
VI – Órgãos Locais: os órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições;
Entender o SISNAMA, sua estruturação e funcionamento é fundamental para a compreensão do direito ambiental brasileiro.
Meio ambiente na Constituição Federal de 1988
A Constituição da República Federativa do Brasil reserva um capítulo inteiro ao “meio ambiente”. Trata-se do Capítulo VI, inserido no Título VIII, que trata da “Ordem Social’.
No referido Capítulo VI consta apenas um artigo, de número 225. O dispositivo atualmente contempla a seguinte redação:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:
I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
VIII – manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis destinados ao consumo final, na forma de lei complementar, a fim de assegurar-lhes tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis, capaz de garantir diferencial competitivo em relação a estes, especialmente em relação às contribuições de que tratam a alínea “b” do inciso I e o inciso IV do caput do art. 195 e o art. 239 e ao imposto a que se refere o inciso II do caput do art. 155 desta Constituição.
§2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
§7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.
Como se vê, a própria Constituição da República consagra o direito – entendido como fundamental pela doutrina e jurisprudência – ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.
Enquanto direito fundamental que é, insere-se naturalmente dentre as cláusulas pétreas da Constituição. Isso porque o art. 60, § 4º, inciso IV, da CRFB/1988 estabelece que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tender a abolir os direitos e garantias constitucionais.
Por conta da força normativa constitucional que o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado possui é que a temática é pauta recorrente no Supremo Tribunal Federal.
Competência legislativa e administrativa em matéria ambiental
Conforme disciplina o artigo 23 da Constituição Federal, é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a preservação das riquezas naturais e do ecossistema.
Trata-se, pois, da possibilidade de os entes cooperarem entre si, promovendo medidas efetivas de organização e regência administrativa dentro de sua territorialidade.
Com efeito, a União possui competência material/administrativa exclusiva (art. 21, CR/88), competência legislativa privativa (art. 22, CR/88), comum com os Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23, CR/88), e concorrente com os Estado (art. 24, CR/88).
Aos Estados são reservadas as competências residuais, ou seja, aquelas que não lhes sejam vedadas pela Constituição Federal (art. 24, § 1º, da CR/88).
E aos Municípios compete legislar sobre assuntos de interesse local, suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; promover adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano e promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual (art. 30 da CR/88).
Dessa forma, pode-se concluir que, em matéria ambiental, o Município possui competência para legislar apenas no âmbito de seu interesse local e de forma supletiva, desde que tal regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelas normas federais e estaduais (art. 24, VI c/c 30, I e II, da CF/88), as quais devem ser estritamente observadas.
Há matérias, portanto, que somente a União tem competência para legislar. Cite-se, por exemplo, atividades minerárias, que, embora inseridas no contexto do meio ambiente, tem previsão constitucional de competência exclusiva da União para legislar sobre a matéria, posto que os recursos minerais são reconhecidos como bens pertencentes ao Estado.
Nos casos em que o legislador estadual ou municipal edita normas cuja competência seja exclusiva da União, ainda que sua intenção seja a proteção ambiental, haverá usurpação da competência e consequente inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa.
Da mesma forma, é competência exclusiva da União legislar sobre direito penal ambiental, não cabendo à esfera normativa dos Municípios e Estados à suplementação da legislação federal.
Na prática, houve um caso curioso em que o legislativo municipal elaborou e o Executivo sancionou lei prevendo que a conduta de comercializar tinta em spray a menores de 18 anos configuraria o crime ambiental do art. 65 da Lei Federal 9.605/98, hipótese que foi declarada inconstitucional por invasão à competência normativa privativa da União em matéria penal, bem como ofensa ao princípio federativo (art. 22, I, CF).