Os biólogos, técnicos e engenheiros e outros profissionais da área ambiental exercem atividades e serviços essenciais, tais como identificação e avaliação de impactos ambientais decorrentes de empreendimentos; elaboração e execução de planos de gestão ambiental; elaboração e apresentação de relatórios técnicos, projetos, laudos e pareceres relacionados a questões ambientais.
Também são profissionais fundamentais para elaboração de perícia ambiental; atividades relacionadas ao licenciamento ambiental; EIA/RIMA; Projeto de Recuperação de Área Degrada – PRAD; manejo e inventário florestal; estudos para supressão de vegetação; regularização de áreas e atividades; cadastros nos sistemas oficiais de controle e licenciamento ambiental; enfim, diversos serviços e atividades assessoria e consultoria técnica na área ambiental.
O que muitos talvez não saibam é que estão sujeitos as sanções penais previstas na Lei 9.605/98, a exemplo do crime ambiental previsto no art. 69-A, que pune a conduta do elaborar ou apresentar estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão, cuja pena máxima é a maior da referida lei e pode chegar a 6 anos de reclusão, além de multa.
Por exemplo, se o profissional técnico é contratado para elaborar um estudo, parecer ou laudo necessário para concessão de licença ambiental de supressão de vegetação e lança informações falsas, enganosas ou omissas quanto ao tipo ou estágio sucessional da vegetação, número ou existência de exemplares da fauna nativa ameaçados de extinção, existência de área de preservação permanente, ou não descreve as verdadeiras condições em que se encontrava o local, pelo que resulta na concessão de licença em desacordo com as normas ambientais, está sujeito ao crime ambiental previsto no art. 69-A da Lei 9.605/98.
Índice
Crime ambiental do art. 69-A da Lei 9.605/98
O crime ambiental ao qual os técnicos da área ambiental estão sujeitos, embora não seja o único, está previsto no artigo 69-A da Lei Federal 9.605/08, segundo o qual:
Art. 69-A. Elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§1º Se o crime é culposo:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
§2º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se há dano significativo ao meio ambiente, em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa.
Sobreleva notar, que se o crime é culposo, a pena é de detenção, podendo chegar a 3 anos. Entretanto, para a jurisprudência, age com dolo o profissional que emite falsa declaração em relatório técnico e laudo pericial a fim de obter licenciamento ambiental a favor de seu cliente.
Por outro lado, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se há dano significativo ao meio ambiente, em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa.
O que diz a doutrina sobre o crime ambiental do artigo 69-A
Sobre o crime ambiental previsto no art. 69-A da Lei 9.605/98, em especial nos casos de falsidade de documento ambiental, uma das hipóteses mais corriqueiras na prática forense, Gilberto Passos de Freitas e Vladimir Passos de Freitas[1] ensinam:
“A proteção ao meio ambiente, através da repressão à conduta ou omissão de técnicos […]. A norma busca evitar fraudes existentes em trabalhos realizados por expertos em laudos particulares, transferindo-lhes o dever de não cometerem qualquer deslize na exposição dos fatos e nas suas conclusões, inclusive punido-o em caso de omissão. Objeto material: Os órgãos fiscalizadores do meio ambiente, federais, estaduais ou municipais. Conduta: elaborar ou apresentar, o que significa fazer ou utilizar o que outrem fez, perante um órgão ambiental”.
Também lecionam Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel[2]:
“O crime ocorre com a elaboração (formulação) ou apresentação (utilização) de estudo (análise técnica), laudo (conclusão pericial) ou relatório ambiental (parecer), total ou parcialmente falso ou enganoso. A falsidade ou engodo documental pode ocorrer por ação (pela inserção de dados falsos ou enganosos) ou por omissão (pela ausência de dados verdadeiros). A falsidade pode ser tanto material quanto ideológica. […] Tipo subjetivo é o dolo de elaborar ou apresentar laudo, estudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso. Também a punida a forma culposa da infração”.
O crime ambiental do art. 69-A será doloso, por exemplo, quando o técnico confecciona relatório dando conta da conclusão de PRAD ou laudo pericial atestando a inexistência de danos ambientais para beneficiar o seu cliente, quando na realidade a situação é diversa.
Técnico condenado por apresentar relatório falso
A título de exemplo, cita-se uma ação penal instaurada contra o engenheiro agrônomo que nesta condição elaborou Projeto de Recuperação de Área Degrada – PRAD como condição para a suspensão condicional do processo aceita pelo acusado, ora seu cliente.
No referido PRAD, o engenheiro agrônomo fez constar que para a recuperação da cobertura florestal haveria o plantio de várias espécies, formando um grupo de pioneiras e de não pioneiras, é um modelo complexo que apresenta, como maior vantagem, a formação de uma floresta com maior diversidade e, portanto, mais semelhante a uma mata nativa.
Ademais, constava no aludido projeto que não será necessário o isolamento da área, pois na propriedade não ocorre a presença de bovinos ou equinos que são considerados animais que causam maiores danos nesse ambiente.
Protocolado o referido projeto de recomposição de vegetação, este fora aprovado pelo órgão ambiental competente que notificou o engenheiro alertando que deferiam ser adotadas algumas medidas para a recuperação da área objeto do projeto.
Em seguida, para comprovação da recuperação ambiental da área danificada, o acusado juntou o relatório elaborado pelo referido engenheiro agrônomo responsável para comprovar documentalmente a implementação do PRAD, dando por atendido o cumprimento da condição de recuperação da área para extinção da punibilidade.
Contudo, o referido documento subscrito e assinado pelo engenheiro técnico responsável pelo PRAD apresentou incongruência quando o órgão ambiental realizou vistoria na propriedade que deveria ser recuperada, tendo os agentes de fiscalização concluído que não houve implementação do projeto de recomposição de vegetação e houve apresentação de relatório falso ao órgão ambiental competente.
Bem por isso, concluíram os agentes de fiscalização que o relatório apresentado pelo engenheiro agrônomo responsável continha informações falsas.
Embora aberta a instrução e oportunizado o direito à defesa com oitiva de testemunhas de defesa e de acusação, interrogatório do réu (engenheiro agrônomo) e apresentação de documentos, o juiz de primeira instância entendeu absolutamente claros e confirmam de maneira inquestionável a ação delitiva do engenheiro.
Inconformado, o engenheiro recorreu da sentença, mas o Tribunal manteve a condenação por entender que a materialidade e autoria delitiva eram incontestes e estavam comprovadas por meio do projeto de recuperação de área degradada, relatório de informação técnica, relatório de investigação policial e dos depoimentos orais colhidos durante as duas fases do processo.
Jurisprudência sobre crimes ambientais cometidos por técnicos
Para alertar os técnicos da área ambiental sobre a possibilidade de ser processados e condenados na hipótese de elaboração ou apresentação de estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, colacionam-se os seguintes julgados:
APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME AMBIENTAL – FALSIDADE IDEOLÓGICA DOCUMENTAL EM LICENCIAMENTO AMBIENTAL (LEI N. 9/605/98, ART. 69-A)- SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PLEITO ABSOLUTÓRIO – ALEGADA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DO DOLO – DESCABIMENTO – MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS – RÉ QUE, NA QUALIDADE DE ENGENHEIRA AGRÔNOMA, DECLARA INFORMAÇÃO FALSA EM RELATÓRIO TÉCNICO E LAUDO PARA OBTENÇÃO, POR SEU CLIENTE, DE LICENÇA AMBIENTAL – FINALIDADE DE FALSIFICAR OS DADOS DOS DOCUMENTOS DEMONSTRADA – CONDENAÇÃO MANTIDA. Age com dolo o profissional que emite falsa declaração em relatório técnico e laudo pericial a fim de obter licenciamento ambiental a favor de seu cliente. DOSIMETRIA – ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA – RECONHECIMENTO QUE SE IMPÕE – TODAVIA, INVIABILIDADE DA INCIDÊNCIA DOS EFEITOS – INTELIGÊNCIA DA SÚMULA N. 231 DO STJ. “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal” (STJ, Súmula n. 231). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-SC – APR: 00007919820178240043 Mondai 0000791-98.2017.8.24.0043, Relator: Getúlio Corrêa, Data de Julgamento: 19/11/2019, Terceira Câmara Criminal)
APELAÇÃO CRIMINAL – FALSIDADE IDEOLÓGICA AMBIENTAL (ART. 69-A DA LEI N. 9.605/1998)- ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA COM FULCRO NO ART. 397, III, DO CPP – RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PLEITO DE PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL – ACOLHIMENTO – ELEMENTOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE PRESENTES – EXISTÊNCIA DE RELATÓRIO DE FISCALIZAÇÃO E AUTO DE INFRAÇÃO ELABORADOS POR ENGENHEIROS AGRÔNOMOS DA FUNDAÇÃO DO MEIO AMBIENTE – FATMA – ATESTANDO A POSSÍVEL SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO NATIVA POR AÇÃO HUMANA OU MÁQUINA – PROJETO AMBIENTAL SUBSCRITO PELO ACUSADO ATESTANDO TODAVIA QUE A DERRUBADA SE DEU APENAS POR AÇÃO DA NATUREZA – LAUDO PERICIAL PRESCINDÍVEL – AÇÃO CRIMINOSA QUE PODE SER CONFIRMADA POR OUTROS MEIOS DE PROVA – REQUERIMENTO DE DILAÇÃO PROBATÓRIA OPORTUNAMENTE FORMULADO PELA ACUSAÇÃO – IMPERATIVO RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA INSTRUÇÃO. No crime de falsidade ideológica ambiental (Lei n. 9.605/98, art. 69-A), havendo substancial prova indiciária documental e testemunhal dando conta do ilícito supostamente praticado pelo acusado, inviável se mostra a absolvição sumária fulcrada somente na inexistência de laudo pericial, uma vez que se trata de delito que pode ser comprovado por meio de outras provas. RECURSO PROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0001313-57.2018.8.24.0022, de Curitibanos, rel. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, Quarta Câmara Criminal, j. 03-09-2020).
Portanto, técnicos da área ambiental solicitados para elaborar ou apresentar estudos, laudos ou relatórios ambientais devem ter consciência que se neles constarem informações total ou parcialmente falsas ou enganosas estarão sujeitos às penas do crime ambiental previstas no art. 69-A da Lei 9.605/98.
[1] Gilberto Passos de Freitas e Vladimir Passos de Freitas. Crimes Contra a Natureza. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 296.
[2] Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel. Crimes ambientais: comentários à Lei 9.605/98. São Paulo: Editoria Revista dos Tribunais, 2011, p. 280.