No Brasil, a Justiça Comum se divide em duas competências. A primeira é a Justiça Federal, formada por 6 Tribunais Regionais Federais (TRFs) aos quais compete julgar, conforme estabelece o artigo 109 da Constituição Federal, as causas que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes.
A segunda é a Justiça Estadual, composta por 27 Tribunais de Justiça, ou seja, cada Estado possui o seu próprio Tribunal, cuja competência é residual, julgando matérias que não sejam da competência dos demais segmentos do Judiciário.
Pois bem. A proteção do meio ambiente é uma atribuição constitucional comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme previsto no art. 23, incisos VI e VII, da Constituição Federal de 1988.
Desse modo, tanto a Justiça Federal quanto a Justiça Estadual possuem competência para julgar questões relacionadas ao meio ambiente, mas com uma ressalva, o local do dano, seja esfera cível ou criminal.
Índice
Julgamento dos crimes ambientais pela Justiça Estadual é a regra
Quando se tratar de crimes contra meio ambiente, a regra geral de competência de julgamento é da Justiça Estadual, pois o simples interesse genérico e indireto da União na proteção do meio ambiente não é suficiente para atrair a competência da Justiça Federal.
Isso porque a competência da Justiça Federal somente se justifica quando o crime ambiental atingir bens, serviços ou interesses da União, de suas entidades autárquicas ou de empresas públicas federais, a teor do que dispõe o artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
A competência do foro criminal federal não advém apenas do interesse genérico que tenha a União na preservação do meio ambiente. É necessário que a ofensa atinja interesse direto e específico da União, de suas entidades autárquicas ou de empresas públicas federais.
Ou seja, inexistindo lesão a bens, serviços ou interesses da União ou de seus entes, afasta-se a competência da Justiça Federal.
Além do mais, a simples atuação e fiscalização do IBAMA ou ICMBio, embora órgãos federais, não caracteriza, só por si, ofensa a bens, interesses ou serviços da União Federal, de suas autarquias ou empresas públicas federais e, portanto, não atrai a competência da Justiça Federal para julgar processos crimes ambientais.
Competência para julgar crimes de pesca
Constituem bens da União os rios que banham mais de um Estado da Federação, consoante dicção do artigo 20, inciso III, da Constituição Federal.
A despeito disso, a melhor interpretação a ser adotada nos casos de crime ambiental é a de que a fixação da competência não deve ficar adstrita apenas ao local em que o crime fora perpetrado, ou seja, se cometido em rio pertencente à União ou não, mas sim amparada no fato de que efetivamente tenha sido atingindo bem jurídico da União, de suas autarquias ou de empresas públicas.
Ainda que o rio no qual ocorreu o crime ambiental de pesca esteja enquadrado como rio interestadual, se os danos ambientais decorrentes da pesca ficaram adstritos ao Município onde consumado o crime, então o dano ocorreu de forma isolada, afastando, assim, a competência da Justiça Federal.
Para que seja possível cogitar na competência da Justiça Federal a pesca deve gerar repercussão em âmbito regional ou nacional.
Da mesma forma, quando os danos ambientais decorrentes da utilização de petrechos de pesca proibidos restringirem-se a uma cidade, não havendo notícia de dano regional ou mesmo de âmbito nacional, então o dano ocorreu de forma isolada e singular, apenas no município, o que afasta a competência da Justiça Federal.
O dano que teria o condão de atrair a competência da Justiça Federal deve afetar trecho do rio que se alongasse por mais de um Estado da Federação, como ocorreria se ficasse demonstrado que a atividade pesqueira ilegal teria o condão de repercutir negativamente sobre parte significativa da população de peixes ao longo do rio, por exemplo, impedindo ou prejudicando seu período de reprodução sazonal.
Portanto, ocorrendo danos ambientais decorrentes da utilização de petrechos de pesca proibidos, em que o dano ocorre de forma isolada, a competência para julgamento é da Justiça Estadual.
Competência para julgar crime de desmatamento
Antes de adentrar nessa competência, é importante lembrar o conceito de “patrimônio nacional”, contido no § 4º do art. 225 da Constituição Federal, segundo o qual a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
No entanto, não há se confundir patrimônio nacional com bem da União. Aquela locução revela proclamação de defesa de interesses do Brasil diante de eventuais interferências estrangeiras.
O termo “patrimônio nacional” refere-se apenas à defesa de tais ecossistemas tão importantes para o Brasil, o que por si só não deve atrair a competência da Justiça Federal, não podendo ser confundindo com bens da União, até porque há propriedades privadas dentro desses biomas, além de áreas de preservação permanente, reserva legal e parques estaduais, que não pertencem à União.
Assim, sendo praticado o crime de desmatamento fora de unidades de conservação federal, ou então em parque estadual ou municipal, dúvidas não há de que a competência para apreciar o feito será da Justiça Estadual. E, sendo praticado delito semelhante em Parque Nacional, a competência, aí sim, será da Justiça Federal.
Competência para julgar crimes ambientais em unidade de conservação
As unidades de conservação são espécies do gênero área protegida, podendo ser instituída pela União ou Estados. Desse modo, crimes ambientais cometidos dentro de unidades de conservação federal atraem necessariamente a competência da Justiça Federal.
Com efeito, a competência para o processo e julgamento dos crimes contra o meio ambiente, após a edição da Lei n. 9.605/98, será da Justiça Federal se houver lesão direta e específica a bens, serviços ou interesses da União.
Por exemplo, serão julgados pela Justiça Federal os crimes ambientais praticados no interior de unidades de conservação criadas e administradas pelo Poder Público Federal (Reservas Biológicas, Reservas Ecológicas, Estações Ecológicas, Parques Nacionais, Florestas Nacionais, Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante Interesse Ecológico e Reservas Extrativistas).
Por consequência lógica, crimes ambientais cometidos em unidades de conservação estaduais são de competência da Justiça Estadual.
Lado outro, a competência da Justiça Federal nem sempre se justifica quando o crime ambiental é cometido no entorno ou na zona de amortecimento da unidade de conservação, ainda que federal.
A zona de amortecimento é definida pela Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação como sendo o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade.
Assim, só se justifica a competência da Justiça Federal para julgar crimes ambientais se houver interesse da União na preservação das unidades de conservação federal e em suas respectivas zonas de amortecimento.
Competência para julgar crimes ambientais em terra indígena
As terras indígenas, assim como as unidades de conservação, são espécies do gênero área protegida, nos termos do Decreto 5.758/06. Contudo, em se tratando de terras indígenas, muito embora essas terras também sejam uma espécie de área protegida, o tratamento jurídico é diverso, inclusive quanto à competência da jurisdição.
Quanto aos crimes ambientais cometidos dentro de terras indígenas não há a menor dúvida de que a competência para o processo e julgamento é da Justiça Federal, por tratar-se de crime cometido contra o patrimônio da União.
Por outro lado, quanto aos crimes ambientais cometidos no entorno de terras indígenas, ao contrário do que ocorre nas unidades de conservação, a legislação ambiental não estabeleceu formalmente uma zona de amortecimento para fins de proteção ambiental, ao contrário do que fez com as unidades de conservação.
A preocupação do legislador quanto a isso foi para com a sobreposição de áreas das terras indígenas, razão pela qual o CONAMA determina que a autorização para a exploração de florestas ou supressão de florestas e formações sucessoras em imóveis rurais situados numa faixa de 10 km no entorno de terra indígena demarcada deverá ser precedida de informação georreferenciada à FUNAI.
Essa é a dicção do art. 4º da Resolução CONAMA 378/06, do qual se extrai que tal autorização não está condicionada à prévia manifestação e/ou aprovação do órgão indígena, mas a simples comunicação à FUNAI.
Dessa forma, crimes ambientais cometidos no entorno das terras indígenas ou na chamada impropriamente zona de amortecimento, ao contrário do que ocorre com as unidades de conservação federal, impõem a demonstração concreta da ofensa a interesse direto e específico da União, de suas autarquias, fundações ou empresas públicas federais, para somente assim atrair a competência da Justiça Federal.
Vale observar que para os crimes ambientais cometidos dentro de terra indígena ou unidades de conservação, cuja competência é da Justiça Federal, os demais crimes conexos, se houverem, são atraídos, em razão da conexão instrumental.
Tal preceito foi fixado na Súmula 122 do STJ, segundo a qual compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal.