Neste artigo vamos discutir o crime ambiental de causar poluição relacionado ao lançamento de resíduos que está previsto no art. 54, § 2º, inciso V, da Lei Federal 9.605/98, popularmente conhecida como Lei de Crimes Ambientais.
Pois bem. A conduta de causar poluição por meio de lançamento de resíduos e líquidos, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis e regulamentos, em níveis tais que possam resultar danos à saúde humana e provocar mortandade de animais está assim prevista na Lei 9.605/98:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: […]
2º Se o crime:
V – ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:
Pena – reclusão, de um a cinco anos.
A potencialidade de causar danos é a elementar do tipo penal, que só é punível se a poluição for efetivamente perigosa ou danosa para a saúde humana, ou provoque a matança de animais ou a destruição significativa da flora.
Índice
Doutrina sobre o crime ambiental de poluição
A esse respeito, lecionam Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel [1]:
O tipo penal ainda contém um elemento normativo do tipo, constante na expressão em níveis tais. Isso significa que só haverá o delito se ocorrer poluição em níveis elevados, que resultem (crime de dano) ou possam resultar (crime de perigo concreto) danos à saúde humana, mortandade de animais (silvestres, domésticos ou domesticados), ou destruição significativa da flora. Não é qualquer poluição, portanto, que enseja a aplicação deste dispositivo penal.
O mesmo entendimento é encampado por Luiz Regis Prado [2], que define a poluição penalmente relevante como aquela efetivamente danosa ou perigosa para saúde humana, ou aquela que provoque a matança de animais ou destruição significativa da flora:
Por poluição, em sentido amplo, compreende-se a alteração ou degradação de qualquer um dos elementos físicos ou biológicos que compõem o ambiente.
Entretanto, não se pune toda emissão de poluentes, mas tão-somente aquela efetivamente danosa ou perigosa para a saúde humana, ou aquela que provoque a matança de animais ou destruição (desaparecimento, extermínio) significativa da flora.
Exige-se então a real lesão ou o risco provável de dano à saúde humana, extermínio de exemplares da fauna local ou destruição expressiva de parcela representativa do conjunto de vegetais de uma determinada região.
Nesse sentido, afirma-se que “apenas devem ser consideradas como poluentes as substâncias presentes em concentrações bastantes para produzir um efeito mensurável sobre o homem, os animais, o vegetais ou os materiais”.
E continuam os doutrinadores:
Já o termo em níveis tais exprime um certo quantum – suficiente -, elevado o bastante para resultar ou poder resultar em lesão à saúde humana.
Evidencia-se aqui uma autêntica cláusula geral, que, além de relegar a conformação do tipo de injusto à indeterminação casuística, acaba por conceder também expressiva discricionariedade ao julgador.
Logo, o seu emprego resulta em irreparável ofensa ao princípio constitucional da legalidade dos delitos e das penas, que deve dirigir toda intervenção penal e não pode ser vilipendiado sob a fluida justificativa de se perquirir finalidades preventivas em matéria ambiental.
Por destruição significativa da flora deve ser entendida aquela realizada de maneira expressiva, de gravidade considerável. De sua vez, o termo mortandade (matança, chacina) significa que deve haver o extermínio de uma quantidade relevante de animais.
Entretanto, essas valorações de grandeza levam à incerteza jurídica, visto que nada esclarece a respeito do que deve ser entendido como quantum significativo ou relevante.
Assim, por exemplo, a mortandade de uma espécie considerada em vias de extinção pode estar configurada mesmo com o extermínio de poucos animais. Ou seja: mortandade não pode ser quantificada de forma equivalente para todas as espécies de fauna.
Trata-se de corretivos típicos, excluindo-se do âmbito do injusto típico as condutas escassamente lesivas ou de pouca relevância para o bem jurídico tutelado (caráter fragmentário e subsidiário da intervenção penal). Também o estado de perigo exigido (possam resultar) deve ser grave, intenso e hábil para resultar em lesão à saúde humana.
Exigência de efetiva degradação ambiental
Édis Milaré e Paulo José Costa Júnior [3], ao tecer comentários sobre o tipo penal em comento, chegaram à mesma conclusão:
Referido conceito exige a efetiva degradação ambiental. Hely Lopes Meirelles define a poluição como ‘toda alteração das propriedades naturais do meio ambiente, causada por agente de qualquer espécie, prejudicial à saúde, à segurança e ao bem-estar da população’.
A ideia de poluição não implica a inexistência absoluta de substâncias e elementos que venham a causar alguma alteração do meio ambiente. Para apresentar-se a poluição é preciso que a alteração atinja a saúde e o bem-estar da comunidade.
Em outras palavras, exige-se a efetiva lesão ou perigo de dano à saúde humana, bem como à fauna e flora. O objeto material é a pessoa humana, cuja saúde resta comprometida, bem como a fauna e a flora. (…)
O perigo deverá ser concreto, isto é, real e presente, para configurar-se o delito. Deve, portanto, haver probabilidade de dano à saúde humana. Note-se que probabilidade é mais do que mera possibilidade.
Provável é o que, segundo as leis da estatística, costuma acontecer. O crime se perfaz quando se verificar o perigo ou o dano à saúde humana, a mortandade de animais ou a destuição significativa da flora.
Sobre o tema, leciona Guilherme de Souza Nucci [4]:
Embora pareça desnecessário o tipo dizer que a poluição seja em nível que possam resultar em danos à saúde humana, já que toda forma de poluição é um prejuízo natural à saúde de seres vivos, quer-se demonstrar que a conduta penalmente relevante relaciona-se com níveis insuportáveis, inclusive aptos a gerar a morte de animais e a destruição de vegetais.
Há diferença entre seres humanos e animais ou plantas. Quanto a pessoas, a poluição precisa apenas ser capaz de causar danos à saúde; em relação a animais ou vegetais, é fundamental chegar à mortandade ou destruição.
Conclusão sobre o crime do art. 54, § 2º, inciso V, da Lei n. 9.605/98
Vê-se que o delito tipificado no art. 54, § 2º, inciso V, da Lei n. 9.605/98, independe da ocorrência de dano para a sua configuração, uma vez que se trata de delito classificado como de perigo abstrato, na medida em que o risco inerente à conduta é presumido pelo tipo penal, não se exigindo a realização de prova pericial para atestar o dano ao meio ambiente ou à saúde humana.
Contudo, cabe ao órgão acusatório demonstrar concretamente que esses bens jurídicos foram expostos à perigo, e não estando suficientemente comprovada a prática delituosa, torna-se inviável falar em condenação.
1 Comentário. Deixe novo
ótimo artigo. Parabéns!