Na maioria das vezes o processo penal por crime ambiental se origina a partir da lavratura de um auto de infração ambiental, cujas esferas são independentes.
Mas se a sentença proferida nessa ação penal for favorável ao réu, ou seja, o réu não é condenado, proferindo-se decisão absolutória por inexistência de fato (art. 386, I, CPP) ou negativa de autoria (art. 386, IV, CPP), haverá repercussão no processo administrativo.
Apesar da independência das esferas, a Administração Pública (órgão ambiental autuante) estará vinculada a eventual decisão do juízo criminal, quando houver absolvição do infrator com base nos incisos I e IV do artigo 386 do Código de Processo Penal – CPP.
Segundo esses incisos, o juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça estar provada a inexistência do fato ou estar provado que o réu não concorreu para a infração penal.
Por outro lado, se a sentença apenas declarar extinta a punibilidade do infrator com fundamento nos incisos II, III, V, VI e VII do artigo 386, não haverá repercussão na esfera administrativa, porque a sentença será meramente declaratória.
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Sentença absolutória anula auto de infração ambiental
Não obstante se saiba que as esferas administrativa e criminal sejam relativamente independentes e que a condenação em uma não influi, em regra, na outra, sobrevindo sentença absolutória criminal há obrigatória vinculação nas demais esferas.
Para tanto, a sentença penal absolutória deve reconhecer a negativa de autoria ou inexistência do crime para que repercuta na esfera administrativa, invalidando o auto de infração ambiental, uma vez que o fato que originou tal ato administrativo não foi praticado pelo autuado/réu ou não existe.
A diferença entre sentença absolutória e sentença declaratória de extinção da punibilidade é que, naquela, o juiz reconhece categoricamente a inexistência do fato ou de que o réu não concorreu para a infração penal.
Já quando o caso for de extinção de punibilidade, o juiz reconhece a existência da infração ambiental, mas não confere ao Estado o poder de punir, como por exemplo, quando faltarem provas suficientes para o decreto condenatório.
Sendo assim, o autuado pode utilizar a sentença de absolvição para requerer o arquivamento do auto de infração e do processo administrativo sem qualquer imposição de penalidade.
Se já houve a aplicação de sanção administrativa e sobrevêm decreto absolutório na esfera penal fundado nos referidos incisos I e IV, observado o prazo prescricional, o autuado poderá requerer judicialmente a desconstituição da punição.
Repercussão da sentença penal no processo administrativo ambiental
Embora as esferas administrativa e criminal são relativamente independentes e que a condenação em uma não influi, via de regra, na outra, a sentença absolutória criminal vincula as demais esferas nos seguintes casos:
Art. 65. Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Art. 66. Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.
Portanto, só teremos a repercussão da absolvição penal nas demais esferas quando houver reconhecimento: I) de prática do crime mediante excludente de ilicitude; II) da inexistência material do fato; e III) da negativa de autoria.
Acerca do tema, vejamos lição do Professor Cristiano Chaves de Farias[1]:
“Transita em julgado a sentença penal condenatória, não há como se reabrir qualquer discussão a respeito da existência material do fato ou sobre a sua autoria, assim como as excludentes de ilicitude (art.65, CPP). A intangibilidade dessas matérias propicia um efeito preclusivo no juízo cível.”
O que diz a jurisprudência sobre a repercussão da sentença penal nas demais esferas
A jurisprudência é pacífica no sentido de que as esferas administrativas e penal são independentes, só havendo repercussão nas demais searas na hipótese de decisão absolutória na esfera penal pela inexistência do fato ou negativa de autoria, não ficando a administrativa na dependência do julgamento criminal:
DIREITO PROCESSUAL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIONAMENTO – RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS – ART. 135 DO CTN – SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA – REPERCUSSÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA – DESCABIMENTO.
1. Esta Corte possui entendimento acerca da absoluta independência das esferas administrativa, cível e penal, de modo que a sentença proferida no âmbito criminal somente repercutiria na esfera administrativa/cível em duas hipóteses: quando reconhecida a inexistência material do fato ou quando negada a autoria.
2. Recurso especial não provido. (STJ – REsp: 1386018 RS 2013/0148946-3, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 24/09/2013, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/10/2013).
RECURSO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE. PRÁTICA DE CRIME DOLOSO. TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO NO JUÍZO CRIMINAL. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. REPERCUSSÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. PARECER ACOLHIDO.
1. Embora não se possa negar a independência entre as esferas – segundo a qual, em tese, admite-se repercussão da absolvição penal nas demais instâncias apenas nos casos de inexistência material ou de negativa de autoria -, não há como ser mantida a incoerência de se ter o mesmo fato por não provado na esfera criminal e por provado na esfera administrativa. Precedente.
2. Em hipóteses como a dos autos, em que o único fato que motivou a penalidade administrativa resultou em absolvição no âmbito criminal, ainda que por ausência de provas, a autonomia das esferas há que ceder espaço à coerência que deve existir entre as decisões sancionatórias. 3. Recurso provido a fim de determinar o cancelamento da falta grave apurada no procedimento administrativo disciplinar e de todos os efeitos dela decorrentes. (STJ – RHC: 33827 RJ 2012/0195643-0, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 20/11/2014, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/12/2014).
Embora as responsabilidades civil e penal sejam autônomas e apuradas segundo critérios próprios, casos há em que a sentença penal (condenatória ou absolutória) tem repercussão para além do processo penal (civil e administrativo), impedindo (em parte) a rediscussão da matéria objeto da sentença.
Diz-se, então, que a decisão penal faz coisa julgada no cível, tornando indiscutível a matéria já decidida no âmbito penal, da mesma forma que esgota a apuração da infração ambiental na esfera administrativa.
Logo, existente sentença penal absolutória transitada em julgada, com fundamento na inexistência do fato ou negativa de autoria, artigo 386, I ou IV, do CPP, implica a impossibilidade de rediscussão da materialidade do fato e sua autoria no juízo cível ou administrativo.
Conclusão
As instâncias penal e administrativa são independentes, sendo que a única vinculação admitida ocorre quando, na seara criminal, restar provada a inexistência do fato ou a negativa de autoria .
Assim, repercutem na esfera administrativa para tornar nulo o auto de infração ambiental as sentenças penais absolutórias que atestem a comprovação da inexistência dos fatos ou da negativa de autoria.
É importante que o autuado busque na esfera penal ─ quando a infração também constituir crime ─, sua absolvição pelos incisos I e IV, pois somente assim será possível anular o auto de infração e consequentemente as sanções administrativas.
Importante salientar que a punição administrativa não depende de processo criminal a que se sujeite o infrator pelo mesmo fato, nem impõe à Administração Pública que aguarde o trânsito em julgado dos demais processos.
Uma observação importante é que, no caso de perdão judicial, tal como previsto no § 2º do artigo 29 da Lei 9.605/98, segundo o qual, no caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena, ou então no caso do § 1º do art. 50-A da mesma lei, que dispõe não ser crime a conduta praticada quando necessária à subsistência imediata pessoal do agente ou de sua família.
Nestes casos, a sentença tem natureza declaratória da extinção da punibilidade, o que significa que não subsiste qualquer efeito condenatório, todavia, não repercute na esfera administrativa.
[1] Farias, Cristiano Chaves de Curso de direito civil: responsabilidade civil / Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald, Felipe Peixoto Braga Netto – 3. ed. rev. E atual. – Salvadir: E. Juspodivm, 2016, p.125.