Modelo Contestação em Ação Civil Pública Ambiental por Desmatamento. Contestação ação civil pública por dano ambiental. Modelo defesa ação civil pública. Advogado. Escritório de advocacia. Amazônia.
EXCELENTÍSSIMO DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE…
REQUERIDO, previamente qualificado, vem, à presença de Vossa Excelência, por seu advogado, oferecer CONTESTAÇÃO CONTRA AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL em face da ação civil pública em epígrafe proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, pelas razões de fato e de direito que passa a expor.
1. SÍNTESE DOS AUTOS
Cuidam os autos originários de Ação Civil Pública Ambiental com pedido de tutela de urgência proposta pelo Ministério Público Estadual, com base em auto de infração ambiental lavrado pelo IBAMA a partir de análises de geoprocessamento.
No referido auto de infração ambiental, os agentes de fiscalização do IBAMA teriam verificado suposta degradação ambiental consistente no desmatamento de 850 hectares de floresta nativa, objeto de especial preservação, sem autorização do órgão ambiental competente, em área pertencente ao Requerido.
A narrativa foi extraída do processo administrativo ambiental instaurando pelo IBAMA após lavratura do auto de infração ambiental e termo de embargo, com aplicação de multa administrativa no valor de R$ 4.250.000,00.
Segundo o Ministério Público Estadual, tais documentos demonstrariam e comprovariam o dano ambiental de modo que seria cabível a imposição de obrigação de reparar o dano e ao pagamento de indenização por dano ambiental cujo valor, para o Parquet, perfaz o montante de R$ 12.640.540,25.
Ao final, o Ministério Público Estadual pleiteou a concessão de antecipação dos efeitos da tutela para que o Requerido paralise as atividades na área, bem como, se abstivesse de exercer qualquer atividade no local (pecuária, agricultura, piscicultura, edificações, etc), somente retornando com a atividade com autorização do órgão ambiental competente, sob pena de multa diária. O pedido de tutela antecipada foi deferido e o Requerido citado. É o escólio necessário.
2. DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL QUE ORIGINOU A AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL
A ação civil pública ambiental proposta tem sua origem no auto de infração ambiental e termo de embargo lavrados pelo IBAMA e noticiados ao Ministério Público Estadual com cópia integral do processo administrativo ambiental, no qual figura como autuado o Requerido.
Segundo o Relatório de Fiscalização juntado aos autos pelo Ministério Público Estadual, no ano de 2007, foi estabelecida a Moratória da Soja, que corresponde a um pacto entre indústrias, associações e organizações da sociedade civil, com objetivo de inibir o plantio de soja em áreas desmatadas indevidamente no Bioma Amazônia com base em dados de desflorestamento do PRODES/IMPE e critérios e estabelecidos pelo Grupo de Trabalho da Soja (GTS).
O produto do monitoramento realizados por aquelas entidades é repassado ao IBAMA que qualifica e autua os sojicultores que descumpriram a Moratória da Soja, realizando a triagem individual dos polígonos das áreas monitoradas, e posteriormente, a análise multitemporal das imagens, identificando os infratores a partir de bancos de dados públicos como o Cadastro Ambiental Rural – CAR, Sistema Integrado de Monitoramento e Licenciamento Ambiental (SIMLAM), Sistema de Gestão Fundiária do Incra (SIGEF), além de informações do banco de dados da própria autarquia.
Especificamente em relação ao Requerido, consta que, a lavratura do procedimento administrativo foi embasada em análises de geoprocessamento apresentada pelo setor competente do IBAMA (Centro de Sensoriamento Remoto – CSR), e que as cartas-imagens teriam fornecido subsídios suficientes para o ato administrativo, com imagens antes e depois do alegado desmatamento, que teria ocorrido em data posterior a 2011.
Após a lavratura do auto de infração ambiental e termo de embargo com base em dados de geoprocessamento, o Requerido foi cientificado e a cópia dos autos enviada ao Ministério Público Estadual, que propôs a presente ação civil pública quase cinco anos depois.
Contudo, é de se notar que a mera lavratura do auto de infração ambiental não comprova a materialidade e autoria para a propositura de ação civil pública, nem a obrigação de reparar ou indenizar, sendo imprescindível a prévia comprovação do dano na inicial, o que não ocorreu no caso dos autos.
É dizer que, a propositura da ação civil pública com fundamento exclusivo na lavratura do auto de infração lavrado pelo IBAMA a partir de imagens de geoprocessamento, não é prova inequívoca do dano como tentar fazer crer o Ministério Público Estadual.
Lembre-se que o auto de infração ambiental apenas instaura o competente processo administrativo para apuração de infração ambiental, assegurado o contraditório e a ampla defesa, no qual o particular poderá rechaçar integralmente os seus termos e produzir prova em contrário.
Lamentavelmente, há uma tendência em penalizar toda e qualquer conduta contra o meio ambiente, e pior, sem qualquer prova de autoria e materialidade.
Portanto, a presente ação civil pública proposta tão somente com base na lavratura do auto de infração não pode prevalecer, porque o ato administrativo goza de presunção de legalidade e veracidade relativa, não absoluta.
3. PRELINARMENTE
3.1. INÉPCIA DA INICIAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL
A petição inicial exige, como requisito de validade, o atendimento dos aspectos formais constantes das normas do art. 330, do Código de Processo Civil, que são pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido do processo, dentre os quais, a causa de pedir, que, na subspecie iuris, seria o direito de recompor o alegado dano ambiental.
No entanto, isso só se torna possível se o Ministério Público Estadual tivesse esclarecido se houve o dano ambiental, quando e como ocorreu, e quais os danos ambientais causados.
Tais esclarecimentos não foram realizados, limitando-se a alegações genéricas fundadas apenas em auto de infração ambiental lavrado por imagens de geoprocessamento, cuja presunção de veracidade e legalidade não é absoluta.
Assim, a petição inicial que imputa como causa de pedir a reparação do dano causado ao meio ambiente, deveria ter demonstrado e provado a causa, a origem e o fim, para se constatar se havia, in casu, a infração ou a participação do Requerido.
Caso contrário, ante à inexistência de prova a respeito do nexo causal do Requerido ─ que será melhor delineado nos capítulos seguintes ─, não há que se falar em infração, mesmo porque, a Lei exige a demonstração inequívoca da participação do suposto infrator no evento danoso, não sendo possível imputar a responsabilidade civil, muito menos pleitear indenização por danos coletivos, cujo pedido não tem forma nem semblante.
Cediço que a causa de pedir é a propulsora de toda a atividade judicial e representa aquilo que se pretende em juízo, isto é, para que lhe seja reconhecido por sentença.
Por outro lado, se não existe o direito, não há causa de pedir, que, na ordem jurídica, produz no sujeito ativo o direito e no sujeito passivo a obrigação.
Aliás, é assente no Direito Processual Civil que, para a constituição e desenvolvimento do processo, faz-se necessário o atendimento da substância de seu conteúdo, de forma exposta nos artigos de fato, de modo que possa justificar a pretensão.
A causa pedir não é só o fato matriz da relação jurídica que vinculou os sujeitos da lide, como por igual o fato de que derivou o dever de prestar do sujeito obrigado ou daquele a quem a ordem jurídica imputa o dever de determinado comportamento.
Ora, a própria inicial deixa evidente a inexistência de causa de pedir para lastrear a pretensão ministerial, porque não existe prova do suposto dano ao meio ambiente, senão mera lavratura de auto de infração ambiental cuja presunção não é absoluta.
Em verdade o pedido exarado na inicial é uma verdadeira confusão, não se sabendo de forma honesta e consistente o que pretende o Ministério Público Estadual, inclusive, porque pede para condenar o Requerido em obrigações de fazer e pagar, por presunções e conjecturas, perdendo-se nas suas ilações que não chegam à conclusão lógica. Isto é, há pedidos incompatíveis entre si (art. 330, § 1º, IV do CPC).
E mais. A petição inicial se mostra desconexa e inconsequente, porque a exposição dos fatos não decorreu a conclusão lógica, valendo dizer que a narratio e a conclusio não atendem as regras formais necessárias para este tipo de ação, sequer objetivando e determinando o que realmente pretende, conforme já alegado ut retro e ainda, tudo sem a certeza da alegada infração.
In casu, falta os pressupostos legais e documentos essenciais, como vistoria no local da origem, imagens de satélite georreferenciada da data da ocorrência dos alegados danos, polígono com coordenadas geográficas da área danificada, e demais situações capazes de permitir a concretude da suposta infração.
Some-se, neste passo, que os documentos apresentados não possuem o condão absoluto de importar na veracidade do apontado, sobretudo, porque a via administrativa muitas vezes, está dissociada dos fatos e que, inclusive, desrespeita a ampla defesa e o contraditório.
Com efeito, o simples ato de lavrar um auto de infração ambiental não pode ser considerado como critério único e passível de justificar sequer a propositura de uma ação civil pública, especialmente quando não houver decisão terminativa irrecorrível nos respectivos autos administrativos e, ainda, se ausentes maiores elementos que permitam a conclusão sobre o dano ambiental imputado.
O Ministério Público Estadual não fundamentou objetivamente qual o dispositivo de Lei Ambiental foi realmente violado pelo Requerido, limitando-se a criar na inicial, um emaranhado de citações vazias e inadequadas para especificar uma pretensão que pudesse lastrear a ação civil pública.
Deste modo, maxima venia, a presente ação é natimorta, posto que não possui materialidade da suposta conduta do Requerido.
Não obstante os argumentos já mencionados, não há menção da data do suposto dano, nem documentos juntados capazes de permitir, sequer, de forma sumária, a conclusão sobre a prática da tipificação ambiental pelo Requerido.
Assim sendo, está mais do que evidente a falta de atendimento aos incisos I, III e IV do § 1º, art. 330 c/c inciso IV, do art. 337, todos do Código de Processo Civil, pelo que se requer a decretação de inépcia da inicial, com a consequente extinção do processo sem julgamento do mérito.
3.2. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL PARA PROPOR AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL
Inobstante o exposto alhures, falta ao Ministério Público Estadual o interesse de agir indispensável para permitir a admissibilidade da demanda com seu consequente processamento e julgamento.
O Legislador Brasileiro, sempre zeloso com a ciência processual civil, fez inserir no art. 17 do Código de Processo Civil, que para propor ou contestar uma ação, é necessário ter interesse e legitimidade.
Disso deflui que o autor deve demonstrar com a inicial, as condições da ação consistente no interesse de agir, na legitimidade para a causa e na possibilidade jurídica do pedido.
Bem analisados os autos, verifica-se que ao Ministério Público Estadual, o interesse de agir, seria o proveito ou a utilidade que evidentemente tiraria com o exercício desta ação, ante à violação de direitos transindividuais ou metaindividuais.
No entanto, tal violação não foi objetivada na inicial, traduzindo-se inidônea para lastrear a ação civil pública.
No caso sub judice, nenhum receio de violação pode ter o Ministério Público Estadual, pela simples e convincente razão de não ter direito algum, até por uma questão de lógica, haja vista que imputa ao Requerido suposto ilícito de degradar vegetação nativa sem autorização, sem provar o nexo causal, ou seja, quem deu causa ao suposto dano ambiental.
Logo em seguida, o Ministério Público Estadual expõe que está devidamente demonstrado o liame causal entre a conduta e o Requerido, sem apontar qual regra ou enquadramento legal o Requerido infringiu e sem demonstrar nenhuma prova de materialidade ou autoria.
Resta evidente que o nexo causal entre o alegado fato e a conduta do Requerido deve estar comprovado, pois a simples autuação por supostamente destruir floresta na área rural, não significa que deu causa à infração, mesmo porque, a autuação foi lavrada por imagens geoprocessadas que sequer mencionam com exatidão a data dos alegados danos ambientais, o que por si, torna duvidosa a alegada infração que não goza de presunção absoluta.
É necessário dizer, o que estamos assistindo atualmente é o excesso ou a síndrome da defesa ambiental, que está criando uma verdadeira guerra contra o sistema produtivo do País, em nítida ofensa ao princípio do desenvolvimento, da atividade econômica e até mesmo do direito à propriedade, constitucionalmente assegurados.
O meio ambiente e os recursos naturais merecem proteção que a lei confere, mas o excesso abusivo fere os critérios de justiça, tornando esta justiça que se pretende neste processo tornar inimiga do seu próprio fim, ou seja, a garantia social. Nesse contexto, o interesse processual não está presente nos autos.
Por tais motivos, maxima venia, impõe-se a extinção do processo sem julgamento do mérito, pois ausência de interesse processual do Ministério Público Estadual, nos moldes que determina o art. 17 e art. 337, XI, do Código de Processo Civil.
4. DO MÉRITO
4.1. PRESCRIÇÃO – PRETENSÃO REPARATÓRIA x PRETENSÃO RESSARCITÓRIA
No caso em testilha, o Ministério Público Estadual requer a condenação do Requerido ao pagamento de dano moral coletivo e de dano ambiental, se baseando em auto de infração ambiental lavrado em 2015 por imagens geoprocessadas, que sequer menciona a data de ocorrência dos referidos danos, caracterizando assim, a prescrição da ação de reparação.
Não se desconhece que o Supremo Tribunal Federal – STF reconheceu a repercussão geral sobre o tema da imprescritibilidade do dano ambiental, que rendeu azo à edição do Tema 999, fixando-se por ocasião do julgamento a seguinte Tese: “é imprescritível a pretensão de reparação civil do dano ambiental”.
Maxima venia, a questão merece melhor análise.
Maria Helena Diniz[1] ensina que o instituto da prescrição pode ser conceituado como a perda da pretensão de exigibilidade atribuída a um direito, em razão da inércia do seu titular, no prazo legal, cujo termo inicial é o da violação do direito. Por pretensão, entenda-se o poder de exigir coercitivamente o cumprimento de um dever jurídico (prestação), surgida a partir da violação do direito.
Enquanto a Lei da Ação Civil Pública nada dispõe acerca da prescrição, o artigo 189 do Código Civil de 2002 dispõe que violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos 205 e 206. Por sua vez, o artigo 206, § 3º, inciso V, do mesmo diploma legal, determina prescrever em três anos a pretensão de reparação civil, resguardadas as hipóteses de incidência de causas suspensivas ou interruptivas.
Carlos Roberto Gonçalves[2] lembra que o instituto da prescrição é necessário, para que haja tranquilidade na ordem jurídica, pela consolidação de todos os direitos.
Referida tranquilidade já era apontada por Pontes de Miranda[3] muito antes da vigência da Constituição Federal de 1988, sob o argumento de que os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica.
Segundo o renomado doutrinador, a prescrição não destrói direito, tão pouco apaga as pretensões, e sim, atendem à conveniência de que um direito não perdure por demasiado tempo.
Temos, portanto, que a prescrição objetiva preservar a estabilidade social e a segurança jurídica, de modo que não existam relações jurídicas perpétuas, que poderiam obrigar ad eternum outros sujeitos, causando-lhes tormentas constantes ao ponto de serem obrigados indefinidamente à reparação.
No entanto, o legislador também prevê expressamente causas de imprescritibilidade, como a prática do racismo, prevista no artigo 5º, inciso XLII; a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional do Estado Democrático elencada no artigo 5º, inciso XLIV; a impossibilidade de usucapião de imóvel público nos termos do artigo 183, § 3º; e, os direitos sobre terras indígenas, conforme preceitua o artigo 231, § 4º, todos da Constituição Federal.
Logo, a regra é a prescritibilidade das pretensões, regra esta que comporta exceções que somente a Constituição Federal, explicita ou implicitamente prevê, mas quando implícitas, dependem de profunda análise e interpretação, pois ao contrário, estar-se-ia confrontando o próprio texto constitucional, especificamente em relação ao princípio da segurança jurídica.
Ocorre que a prescrição não é uma mera opção do legislador. Ao contrário, está inserida em um grupo de institutos jurídicos que são corolários diretos e obrigatórios do próprio princípio da segurança jurídica, compreendido por Canotilho[4], como um dos grandes pilares do próprio Estado Democrático de Direito, ao lado do princípio da legalidade.
Nesse sentido, o renomado doutrinador Paulo de Bessa Antunes[5] pontua o confronto entre a imprescritibilidade e a segurança jurídica:
O Superior Tribunal de Justiça entendeu que, nos casos individuais, uma vez que o autor esteja cientificado da lesão e do seu autor, contra si começa a fluir o prazo prescricional. Em se tratando das ações coletivas, isto é, das ações civis públicas, não vejo porque a situação deva merecer tratamento diferente. Em primeiro lugar, há que se considerar que, na forma do art. 5° da Lei 7347/85, existe previsão legal para a legitimidade ativa de toda uma infinidade de autores, legitimidade esta que tem sido ampliada pelos tribunais desde há muito tempo. Assim, o temor de que o bem jurídico meio ambiente fique desprotegido é, evidentemente, despropositado. Entretanto, não é despropositado o temor de que a manutenção de questões abertas e sem definição legal clara possam desequilibrar relações jurídicas e violar os preceitos de justiça que devem informar à ordem jurídica.
[…]
O importante da manutenção da possibilidade teórica da ocorrência da prescrição é assegurar que o equilíbrio jurídico não seja quebrado, garantindo a existência do preceito de justiça que, ante a existência da responsabilidade objetiva, sofre uma transmutação significativa. Romper a barreira prescricional seria, no caso concreto, estabelecer um nível insuportável de falta de isonomia, com graves reflexos para a vida do direito e, reflexamente, para a atividade econômica.
Para o Ministro Mauro Campbell Marques do Superior Tribunal de Justiça, ao proferir voto vista no Recurso Especial n. 1.120.117, as pretensões de ressarcimento por violação aos direitos fundamentais, tanto na esfera moral como na patrimonial, ainda que em sede coletiva, não poderiam ser cobertas pela imprescritibilidade, pelo simples fato de possuírem natureza sancionadora. Por isso seria correta a incidência dos prazos legais de prescrição previstos na legislação. É que, como visto ut retro, a Constituição Federal quando declara a imprescritibilidade de ações, sempre o faz de maneira expressa.
Pois bem. Um dos maiores administrativistas do país, o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, após defender a imprescritibilidade para os atos de improbidade administrativa durante anos, se convenceu que essa tese era insustentável diante do direito de defesa. Veja o que ensina o emérito doutrinador[6]:
Até a 26ª edição deste Curso admitimos que, por forca do § 5º do art. 37, de acordo com o qual os prazos de prescrição para ilícitos causados ao erário serão estabelecidos por lei, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento, estas últimas seriam imprescritíveis.
[…]
Já não mais aderimos a tal desabrida intelecção. Convencemo-nos de sua erronia ao ouvir a exposição feita no Congresso Mineiro de Direito Administrativo, em maio de 2009, pelo jovem e brilhante professor Emerson Gabardo, o qual aportou um argumento, ao nosso ver irrespondível, em desfavor da imprescritibilidade, a saber: o de que com ela restaria consagrada a minimização ou eliminação prática do direito de defesa daquele a quem se houvesse increpado dano ao erário, pois ninguém guarda documentação que lhe seria necessária além de um prazo razoável, de regra não demasiadamente longo. De fato, o Poder Público pode manter em seus arquivos, por período de tempo longuíssimo, elementos prestantes para brandir suas increpações contra terceiros, mas o mesmo não sucede com estes, que terminariam inermes perante arguições desfavoráveis que se lhes fizessem.
Não é crível que a Constituição possa abonar resultados tão radicalmente adversos aos princípios que adota no que concerne ao direito de defesa. Dessarte, se a isto se agrega que quando quis estabelecer a imprescritibilidade a Constituição o fez expressamente como no art. 5º, incs. LII e LXIV (crimes de racismo e ação armada contra a ordem constitucional) e sempre em matéria penal que, bem por isto, não se eterniza, pois não ultrapassa uma vida ainda mais se robustece a tese adversa a imprescritibilidade.
Está-se diante de um conflito entre princípios constitucionais. Se de um lado a prescrição está ligada intimamente à segurança jurídica, ao direito do contraditório e ampla defesa, à razoabilidade e proporcionalidade, do outro, há o interesse e compromisso em preservar o meio ambiente, para as presentes e futuras gerações.
É claro que o meio ambiente é essencial à vida e que todos têm o dever de preservá-lo. No entanto, a Lei 6.938/81 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei 4.717/65 que regula a Ação Popular, a Lei 9.605/98 que trata dos Crimes Ambientais e o Decreto 6.514/08 que dispõe sobre as infrações administrativas ambientais, por exemplo, já dispõem de meios importantes para garantir a proteção do meio ambiente, dispensando o reconhecimento da imprescritibilidade das ações de reparação.
Ora. Não cabe ao aplicador da norma e muito menos ao legislador, eternizar a hipótese da reparação civil por danos provocados ao meio ambiente, visto que o dano decorre principalmente da inércia e omissão do próprio Poder Público, o qual tem o dever legal da fiscalização.
Impor a tese da imprescritibilidade, significaria buscar através do Poder Judiciário, a criação de um cenário para que em um futuro breve, gerações muito antigas possam ser responsabilizadas por danos provocados ao meio ambiente. Dessa forma, estar-se-ia terceirizando às futuras gerações a reparação ambiental.
Outrossim, o fundamento da prescrição não é a convalidação de eventuais atos ilícitos ou a liberação do sujeito passivo do direito subjetivo.
De outro modo, visa garantir a estabilidade das relações jurídicas, a segurança jurídica e, em última análise, a própria manutenção do Estado Democrático de Direito, a fim de que não se perpetuem situações de sujeição jurídica, em que o fator tempo só faz degradar, desfigurar, deturpar quaisquer tentativas de busca da verdade.
Por tais razões, se mostra razoável reconhecer a prescrição da pretensão ministerial no tocante a obrigação de reparar o suposto dano ambiental, ou, alternativamente, reconhecer a prescrição tão somente em relação ao pagamento de indenização, porque esta última, não há dúvidas, prescreve, conforme expressa previsão do art. 206, § 3º, inciso V do Código Civil, sob pena de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, da segurança jurídica, da propriedade e de sua função social, constitucionalmente assegurados.
4.2. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL
Antes de se adentrar na análise em si, cumpre observar que os pedidos de reparação por dano material são incabíveis na espécie, porque não há nexo de causalidade para responsabilização do Requerido.
De fato, é certo que a responsabilidade civil ambiental adotou a regra da responsabilidade civil objetiva, no entanto, a despeito de se prescindir de culpa, para imputar ao Requerido a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado ou pagar indenização por dano ambiental, faz-se necessária a presença dos pressupostos da existência do dano devidamente caracterizado e do nexo de causalidade entre o dano e a atividade causadora do dano propriamente dito.
Ocorre que, a pretensão do Ministério Público Estadual, apesar de estar baseada nas regras da responsabilidade civil objetiva, não comprova que seus pressupostos estão presentes no caso concreto, pois, é possível verificar que a existência do nexo causal objeto da presente lide foi apenas inferido, e não comprovado, e nem poderia, porque…