SEMA. Secretaria do Meio Ambiente. Auto de infração ambiental. Desmatamento. Área objeto de especial preservação. Vegetação. Multa ambiental. Defesa Prévia. Defesa administrativa. Recurso. Advogado.
EXCELENTÍSSIMO SECRETÁRIO DA SECRETARIA DE ESTADO DE MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE MATO GROSSO – SEMA
Auto de Infração Ambiental n…
Termo de embargo/interdição n…
AUTUADO, brasileiro, agricultor, CPF n…, residente e domiciliado na Zona Rural, Cidade/MT, CEP…, vem, à presença de Vossa Excelência, por seu advogado, com fundamento no art. 113 e seguintes do Decreto 6.514/2008 e art. 71, I, da Lei Federal 9.605/1998, apresentar
DEFESA PRÉVIA PARA AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL LAVRADO PELA SEMA POR DESMATAMENTO
em razão do Auto de Infração Ambiental n…, e Termo de Embargo n…. lavrados em 04 de dezembro de 2020 por analista de meio ambiente da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso – SEMA/MT, consoante as razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. DA TEMPESTIVIDADE DA DEFESA ADMINISTRATIVA – SEMA
O Autuado foi cientificado da lavratura do auto de infração ambiental em epígrafe, no dia 15 de dezembro de 2020, através do envio de carta com aviso de recebimento pela Secretaria de Meio Ambiente – SEMA, de modo que, nos termos do art. 71, I, da Lei Federal 9.605/1998 e art. 113 do Decreto 6.514/2008, o prazo para apresentar defesa prévia é de 20 dias contados da ciência da autuação, e, portanto, indiscutível a tempestividade da presente defesa.
2. BREVE SÍNTESE DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL LAVRADO PELA SECRETARIA DE MEIO AMBIENTE – SEMA
Segundo informações descritas pela analista de meio ambiente da Secretaria de Meio Ambiente – SEMA no auto de infração ambiental e no Relatório Técnico, o Autuado, entre o período de 27.08.2020 e 25.10.2020, teria promovido em área de sua propriedade, o desmatamento de 320 hectares a corte raso ilegal, no bioma Amazônia, área objeto de especial preservação, em formação vegetal do tipo “floresta”.
O suposto desmatamento teria sido “detectado por meio do monitoramento contínuo realizado através da plataforma de imagens de satélites Planet e sistema de alertas semanais de alterações em vegetação nativa do estado de Mato Grosso.”
Diante disso, a analista de meio ambiente da Secretaria de Meio Ambiente – SEMA lavrou remotamente o auto de infração ambiental com base no art. 70 da Lei Federal 9.605/1998 e art. 50 do Decreto 6.514/2008, assim redigidos:
Lei Federal 9.605/1998
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.
2º Qualquer pessoa, constatando infração ambiental, poderá dirigir representação às autoridades relacionadas no parágrafo anterior, para efeito do exercício do seu poder de polícia.
3º A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade.
4º As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições desta Lei.
Do Decreto 6.514/2008
Art. 50. Destruir ou danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas, objeto de especial preservação, sem autorização ou licença da autoridade ambiental competente:
Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por hectare ou fração.
1º A multa será acrescida de R$ 500,00 (quinhentos reais) por hectare ou fração quando a situação prevista no caput se der em detrimento de vegetação secundária no estágio inicial de regeneração do bioma Mata Atlântica.
2º Para os fins dispostos no art. 49 e no caput deste artigo, são consideradas de especial preservação as florestas e demais formas de vegetação nativa que tenham regime jurídico próprio e especial de conservação ou preservação definido pela legislação.
Contudo, o auto de infração da Secretaria de Meio Ambiente – SEMA padece de vício, de modo que o seu cancelamento/nulidade é medida que se impõe, conforme será demonstrado.
3. DO MÉRITO DA DEFESA CONTRA O AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
Cediço que a imposição de multa administrativa possui caráter penalizador, e, afigurando-se como medida rigorosa e privativa de uma liberdade pública constitucionalmente assegurada, requer a demonstração cabal de autoria e materialidade, pressupostos autorizadores da imposição de sanção.
Por assim ser, se constarem nos autos elementos de prova que conduzam à dúvida acerca da autoria delitiva, a nulidade do auto de infração é medida que se impõe, em observância ao princípio do in dubio pro reo ─ também aplicável ao Direito Administrativo por força de sua natureza sancionadora.
Até porque, a Constituição Federal de 1988 assegura que, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV).
No entanto, a observância do devido processo legal não se encerra ao se oportunizar ao infrator a contradita do fato infracional que lhe é imputado, de modo que, as postulações apresentadas pelo Autuado a tempo e modo devidos, sejam analisadas e exerçam influência na tomada de decisão.
Isso porque, apenas facultar a apresentação de defesa, mas não permitir que os argumentos apresentados influam no convencimento da autoridade ambiental, não prestigia o princípio que assegura ao autuado o direito de defesa.
Partindo dessa premissa, mesmo que se reconheça a legitimidade de se proceder autuações com parâmetro em imagens de satélite do local, esse proceder fragiliza a aferição da autoria e materialidade da infração, que recai, presumivelmente, sobre o proprietário do imóvel.
Nesse sentido, verifica-se que não há nos autos do processo administrativo da Secretaria de Meio Ambiente – SEMA qualquer informação concreta de que o Autuado tenha praticado a infração do art. 50 do Decreto 6.514/08 em área “objeto de especial preservação”, conforme será demonstrado.
3.1. DA ATIPICIDADE DA CONDUTA
O Relatório Técnico elaborado pela analista de meio ambiente da Secretaria de Meio Ambiente – SEMA por força da lavratura do auto de infração ambiental descreve que:
[…] foi constatado 320 hectares de “DESMATAMENTO A CORTE RASO ILEGAL”, ou seja, não autorizado pelo órgão ambiental competente.
De acordo com a base cartográfica de referência oficial da Secretaria de Meio Ambiente – SEMA, o dano ambiental constatado se encontra totalmente inserido no Bioma AMAZÔNIA, portanto, se trata de uma infração ambiental que ocorreu em ÁREA OBJETO DE ESPECIAL PRESERVAÇÃO, em formação vegetal do tipo “FLORESTA”, conforme o RADAM Brasil.
O mencionado RADAM Brasil[1] (ou Radar da Amazônia), foi um projeto do governo brasileiro da década de 70 ─ ou seja, anterior ao Código Florestal de 2012 que definiu área rural consolidada como aquela preexistente a 22 de julho de 2008 ─, que consistia na coleta de dados sobre recursos minerais, solos, vegetação, uso da terra e cartografia da Amazônia e áreas adjacentes da região Nordeste.
Logo, não é o RADAM Brasil que define o que é “área objeto de especial preservação”, muito menos, o que é “floresta”, fazendo-se necessário definir os termos para que fique demonstrada de maneira inequívoca, a atipicidade da conduta.
Pois bem. A conduta descrita no art. 50 do Decreto 6.514/08 diz que, configura infração administrativa:
destruir ou danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas, objeto de especial preservação, sem autorização ou licença da autoridade ambiental competente.
Evidentemente, somente incorre na referida infração ambiental, quem destruir ou danificar florestas ou vegetação que seja considerada objeto de especial preservação, o que não é o caso do bioma Amazônia.
3.1.1. Floresta Amazônica é patrimônio nacional
E que nem cogite que a Floresta Amazônica é patrimônio nacional para efeito do § 4º do art. 225 da Constituição Federal, porquanto significa apenas proclamação de defesa de interesses do Brasil diante de eventuais ingerências estrangeiras, de modo que, não há se confundir patrimônio nacional com bens da União, muito menos, objeto de especial preservação, senão vejamos:
4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
Sobre o tema, José Afonso da Silva[2] destaca:
Declara a Constituição que os complexos ecossistemas referidos no seu art. 225, § 4.º, são patrimônio nacional. Isso não significa transferir para a União o domínio sobre as áreas particulares, estaduais e municipais situadas nas regiões mencionadas.
Na verdade, o significado primeiro e político da declaração constitucional de que aqueles ecossistemas florestais constituem patrimônio nacional está em que não se admite qualquer forma de internacionalização da Amazônia ou de qualquer outra área.
Logo, da dicção do § 4º pode se concluir que, o termo “patrimônio nacional” é meramente proclamação política, enquanto a utilização da Floresta Amazônica far-se-á por meio de regime jurídico próprio, para que somente assim seja considerada de “especial preservação”, o que o próprio § 2º do art. 50 do Decreto 6.514/08 tratou de definir:
2º Para os fins dispostos no art. 49 e no caput deste artigo, são consideradas de especial preservação as florestas e demais formas de vegetação nativa que tenham regime jurídico próprio e especial de conservação ou preservação definido pela legislação.
É dizer que, para que a Floresta Amazônica seja considerada objeto de especial preservação, seria necessário um regime jurídico próprio, o qual somente o Bioma Mata Atlântica possui, através da Lei Federal 11.428/2006, ou seja, a infração administrativa prevista no art. 50 somente pode ocorrer no Bioma Mata Atlântica, jamais no Bioma Amazônia, por força do princípio da legalidade.
É que pelo princípio da legalidade, que não admite desvios ou exceções, extrai-se que as infrações administrativas somente podem ser criadas por lei em sentido estrito, respeitada a previsão constitucional. Nesse sentido, ainda que o Decreto 6.514/08 que regulamenta a Lei 9.605/98 seja considerado constitucional, não se pode considerar que a suposta conduta do Autuado na região do Bioma Amazônia acarrete em infração administrativa, se não existe norma que assim a defina. Lembre-se que, tudo o que não for expressamente proibido é lícito.
Portanto, somente são consideradas de especial preservação as florestas e demais formas de vegetação nativa que tenham regime jurídico próprio, de modo que, a alegada conduta cometida pelo Autuado no Bioma Amazônia se afigura atípica, padecendo de vício o auto de infração lavrado, o qual deve ser cancelado/anulado.
3.2. DA NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO POR VÍCIO INSANÁVEL
Cediço que a responsabilidade administrativa ambiental é subjetiva, ou seja, exige demonstração de que a conduta foi cometida pelo alegado transgressor, além de prova do nexo causal entre o comportamento e o dano, conforme pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ nos autos dos embargos de divergência no REsp 1.318.051.
Ocorre que, a mera lavratura de auto de infração ambiental através de imagens de satélite, não comprova que os pressupostos, ou seja, demonstração de dolo ou culpa e do nexo causal entre conduta e o dano estão presentes, porque os fatos narrados na autuação e no relatório técnico foram apenas supostos, e não comprovados, como exige a teoria da responsabilidade subjetiva.
Outrossim, a disposição do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981 de que a indenização ou reparação dos danos ambientais não afasta a aplicação de sanções administrativas, significa apenas, que a indenização ou reparação do dano prescindem da culpa, e não que as sanções administrativas dispensam tal elemento subjetivo.
Bem por isso, não há confundir o direito administrativo sancionador com a responsabilidade civil ambiental, de modo que necessária a comprovação do dano e do nexo causal, além da demonstração de dolo ou culpa, o que não aconteceu no caso em tela.
In casu, a suposição de danos que originou o auto de infração ambiental se deu a partir da narrativa genérica de que o Autuado é o proprietário do imóvel que teve a suposta vegetação de especial preservação suprimida sem autorização, a qual teria sido detectada:
por meio do monitoramento contínuo realizado através da plataforma de imagens de satélites Planet e sistema de alertas semanais de alterações em vegetação nativa do estado de Mato Grosso.
À propósito, até mesmo o termo de embargo foi lavrado remotamente pela Secretaria de Meio Ambiente – SEMA, aludindo que o “polígono embargado será monitorado constantemente, seja por imagens de satélite, bem como através de fiscalização in loco”. Inarredável a ilação da analista de meio ambiente da Secretaria de Meio Ambiente – SEMA/MT.
3.2.1. Ilação caracterizada
Nesse ponto, há de se destacar que a ilação – caracterizada pela inferência, pelos indícios, pelas presunções e pela ausência de prova material – em tudo se diferencia da comprovação, operação por meio da qual se afirma e se torna irrefutável determinado fato, que é integralmente demonstrado a partir de provas materiais. É nesse sentido a definição de De Plácido e Silva[3]:
COMPROVAÇÃO. Derivado do latim comrobatio, de comprobare, tem significação de aprovação plena, inteira. Desse modo, comprovação não tem somente o sentido de indicar o ato de provar novamente ou com nova prova.
Mas o de aprovar por inteiro, o que dá a ideia de uma confirmação integral ao que antes já se tinha provado. A comprovação é reforço de prova, para torna-la irrefutável.
E quando se comprova tem-se a confirmação integral da prova anterior, que assim se robustece e se avoluma para acentuar a veracidade da asserção sobre o fato arguido, ou a irrefutabilidade da prova apresentada.
Fatos comprovados, assim, devem ser fatos que se encaram como integralmente demonstrados ou postos em evidência.
Com isso, torna-se imperioso reconhecer que, embora a analista de meio ambiente da Secretaria de Meio Ambiente – SEMA/MT tenha inferido a existência de nexo causal, e até mesmo de um dano ambiental imputável ao Autuado – o que foi feito por meio de uma operação lógica denominada ilação –, a autuação não se sustenta por falta de comprovação da ocorrência de referido nexo e do citado dano.
Logo, o auto de infração ambiental da Secretaria de Meio Ambiente – SEMA decorre da presunção de ocorrência de nexo causal e de dano ambiental, e não de prova propriamente dita, cuja ausência afasta a higidez do auto de infração.
E ainda que se alegue que os agentes estatais da Secretaria de Meio Ambiente – SEMA gozam de fé pública e seus atos se revestem de legitimidade, é incontroverso que tais princípios são relativos e que os atos administrativos, especialmente aqueles que impõem penalidade, devem ser devidamente instruídos e as decisões respectivas devidamente fundamentadas e motivadas, sob pena de nulidade.
Dito isto, necessário que se reconheça a inexistência de nexo causal entre a alegada conduta e o suposto dano, bem como, a ausência de demonstração de dolo ou culpa do Autuado, declarando nulo o auto de infração ambiental lavrado pela analista de meio ambiente da Secretaria de Meio Ambiente – SEMA.
3.3. PEDIDO ALTERNATIVO – REDUÇÃO DO VALOR DA MULTA AMBIENTAL – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, RAZOABILIDADE, PROPORCIONALIDADE E INDIVIDUALIZAÇÃO DAS PENAS
Em que pese os argumentos suscitados no capítulo anterior, que por si só, concessa venia, conduzem a certeza que garantias constitucionais foram violadas, faz-se-necessário, por força do princípio da eventualidade, discorrer sobre o excesso do valor da multa constante no auto de infração ambiental.
Ao lavrar remotamente o auto de infração ambiental, a analista de meio ambiente da Secretaria de Meio Ambiente – SEMA descreveu que o valor da multa ambiental seria de R$ 1.600.000,00, considerando o suposto desmatamento de 320 hectares no bioma Amazônia, o qual se enquadraria na conduta do art. 50 do Decreto 6.514/2008, que prevê multa de R$ 5.000,00 por hectare.
Apesar de não ter constado no auto de infração ambiental, a previsão para aplicação de multa simples e embargo por infringência ao art. 50 do Decreto 6.514/08 está prevista no art. 72, II e VII da Lei 9.605/98 c/c art. 3º, II e VII do Decreto 6.514/08 c/c, assim redigidos:
Lei Federal 9.605/98
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: […]
II – multa simples;
VII – embargo de obra ou atividade;
Decreto 6.514/08
Art. 3º As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções: […]
II – multa simples;
VII – embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas;
Ocorre que, a atuação da Administração deve obedecer aos princípios da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não aconteceu no caso em tela, cabendo à autoridade julgadora, reduzir o valor da multa ambiental para R$ 50,00 por hectare, conforme determina a legislação.
3.3.1. O que diz a Lei n. 9.605/98
Isso porque, o comando legal do art. 6º da Lei n. 9.605/98 impõe ao órgão fiscalizador uma limitação ao seu poder de polícia, estabelecendo critérios para a imposição de penalidades, assim dispondo:
Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:
I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente;
II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;
III – a situação econômica do infrator, no caso de multa.
Por seu turno, o art. 72 da Lei 9.605/98, ao discriminar as sanções cabíveis, em caso de prática de conduta lesiva ao meio ambiente, impõe estrita observância a gradação prevista no já citado art. 6º:
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: […].
No tocante ao valor da multa, o art. 75 da Lei 9.605/98 estabelece que:
Art. 75. O valor da multa de que trata este Capítulo será fixado no regulamento desta Lei e corrigido periodicamente, com base nos índices estabelecidos na legislação pertinente, sendo o mínimo de R$ 50,00 (cinquenta reais) e o máximo de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).
3.3.2. Base para imposição do valor da multa
Sobre a base para imposição do valor da multa, preceitua o art. 74, também da Lei 9.605/98:
Art. 74. A multa terá por base a unidade, hectare, metro cúbico, quilograma ou outra medida pertinente, de acordo com o objeto jurídico lesado.
Os citados dispositivos legais estabelecem, portanto, um limite mínimo e máximo da multa, que deve ser aplicado com observância ao disposto no art. 6º c/c art. 74 da Lei n. 9.605/98.
Contudo, ao aplicar multa ambiental no valor de R$ 112.836,60, a analista de meio ambiente da Secretaria de Meio Ambiente – SEMA violou os princípios da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, porque a multa deve observar a situação fática e os critérios estabelecidos em Lei.
No caso, a multa foi aplicada com base no Decreto 6.514.08 que, por ato presidencial, regulamentou a Lei 9.605/98 por força do artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal, cuja finalidade é executar fielmente os dispostos preconizados na referida lei.
Nessa esteira, leciona José dos Santos Carvalho Filho a respeito da observância do decreto regulamentar em não contrariar àquela que justifica sua existência:
O poder regulamentar não cabe contrariar a lei (contra legem), pena de sofrer invalidação. Seu exercício somente pode dar-se secundum legem, ou seja, em conformidade com o conteúdo da lei e nos limites que esta impuser.[4]
In casu, o art. 50 do Decreto 6.514/08 está em dissonância com o art. 75, da Lei 9.605/98, por não prever índices mínimo e máximo para cominação da multa, pois como norma inferior, não pode o Decreto se sobrepor à Lei.
À propósito, a aplicação de penalidades está sujeita ao princípio da legalidade estrita. Mesmo no âmbito do poder de polícia, a Administração não está autorizada a aplicar sanções não previstas em lei.[5]
3.3.3. Princípio da individualização da pena
Há mais. Além de violar o princípio da legalidade, o art. 50 do Decreto 6.514/08 também violou o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI/CF), à propósito, muito bem delineado pelo Ministro Ayres Brito, que apesar de se referir à esfera criminal, é perfeitamente aplicável ao caso, pois revela a função do julgador na individualização das sanções:
O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo.
Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinquente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo.
Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material.[6]
Vê-se que, a escolha da modalidade e do quantum de penalidade aplicável não é ato de livre-arbítrio da autoridade administrativa, tão pouco obra de decreto do executivo.
Assim, em consonância com o princípio da individualização da pena ─ plenamente aplicável aos processos administrativos por força da sua natureza sancionadora ─, o julgador deve levar em consideração as circunstâncias de cada caso concreto, conforme determina a Lei.
3.3.4. Redução do valor da multa ambiental
Com efeito, o art. 95 do Decreto 6.514/08 dispõe que:
o processo será orientado pelos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, bem como pelos critérios mencionados no parágrafo único do art. 2º da Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
É certo que o art. 50 do Decreto 6.514/08 prevê multa de R$ 5.000,00 por hectare. Contudo, esse dispositivo deve ser interpretado à luz da Constituição Federal, como se fixasse o máximo de R$ 5.000,00 por hectare, e como mínimo, deve ser tomado o valor mínimo previsto no art. 75 da Lei 9.605/98, ou seja, R$ 50,00 por hectare, isso, pois, para preservar não só o princípio da individualização da pena, como o princípio da legalidade.
No caso em tela, a analista de meio ambiente da Secretaria de Meio Ambiente – SEMA não procedeu a correta e obrigatória análise das circunstâncias atenuantes do art. 6º da Lei n. 9.605/1998, e lavrou auto de infração ambiental fixando multa em grau máximo, no valor de R$ 5.000,00 por hectare, totalizando R$ 1.600.000,00, sem considerar a sanção aplicada à conduta praticada.