Por Cláudio Farenzena, Advogado especialista em Direito Ambiental
Causar poluição através de lançamento de resíduos é crime ambiental previsto no art. 54 da Lei de Crimes Ambientais, assim redigido:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 2º Se o crime:
V – ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:
Pena – reclusão, de um a cinco anos.
Índice
O QUE É POLUIÇÃO
Poluição, segundo o art 3º, inciso III, da Lei 6.938/1981, é a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
- prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
- criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
- afetem desfavoravelmente a biota;
- afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
- lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
ART. 54, § 2º, V, LEI 9.605/98
O crime ambiental previsto no art. 54, § 2º, V, da Lei 9.605/98 é causar poluição de qualquer natureza em níveis que “resultem” ou “possam resultar” em danos à saúde humana ou “que provoquem” mortandade à animais ou destruição significativa da flora.
Vê-se que, o dispositivo traz o elemento normativo “em níveis tais“, significando que, para a configuração do delito, o nível da poluição causada deve ser de tal monta que efetivamente “resulte” ou “possa resultar” em danos à saúde humana.
Nesse passo, independentemente de ser crime de dano (“resultem”) ou de crime de perigo (“possam resultar”), a comprovação dos “níveis tais” da poluição deve ser efetuada mediante prova pericial.
Isso porque, o crime ambiental de causar poluição, na maioria das vezes, deixa vestígios, cujo resultado possibilitará, aí sim, a aferição de que a atividade poluidora causou (crime de dano) ou poderia causar (crime de perigo) danos à saúde humana.
O QUE DIZ A DOUTRINA
Sobre a consumação do delito de causar poluição, Luiz Régis Prado[1] anota:
A conduta incriminadora consiste em causar (originar, produzir, provocar, ocasionar, dar ensejo a) poluição de qualquer natureza, em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade dos animais ou a destruição significativa da flora.
Por poluição, em sentido amplo, compreende-se a alteração ou degradação de qualquer um dos elementos físicos ou biológicos que compõem o ambiente.
Entretanto, não se pune toda emissão de poluentes, mas tão-somente aquela efetivamente danosa ou perigosa para a saúde humana, ou aquela que provoque a matança de animais ou destruição (desaparecimento, extermínio) significativo da flora.
Isto é, exige-se a real lesão ou o risco provável de dano à saúde humana, extermínio de exemplares da fauna local ou destruição expressiva de parcela representativa do conjunto de vegetais de uma determinada região.
Segundo Silvio Maciel[2]:
O tipo penal ainda contém um elemento normativo do tipo, constante na expressão em níveis tais.
Isso significa que só haverá o delito se ocorrer poluição em níveis elevados, que resultem (crime de dano) ou possam resultar (crime de perigo concreto) danos à saúde humana, mortandade de animais (silvestres, domésticos ou domesticados), ou destruição significativa da flora.
Não é qualquer poluição, portanto, que enseja a aplicação deste dispositivo penal.
Por tal razão, Guilherme de Souza Nucci [3] defende ser a perícia fundamental no caso do crime de poluição:
É fundamental nesses casos, para que seja cumprido o disposto no art. 158 do CPP (crimes que deixam vestígios precisam de exame pericial), a realização da perícia para a formação da materialidade.
CONFIGURAÇÃO DO CRIME AMBIENTAL DE POLUIÇÃO
Para a configuração do crime de poluição previsto no art. 54 da Lei 9.605/98, não basta somente a comprovação de lançamento, por exemplo, de resíduos líquidos ou sólidos ao solo ou a curso d’água, em desacordo com as exigências e normas legais.
É dizer que, faz-se necessária a realização de prova pericial de que do fato tenha resultado prejuízo à saúde humana, ou a destruição da flora ou a mortandade de animais.
Isso porque, crimes ambientais que deixam vestígios – como é o caso do crime de poluição -, exigem para comprovação da materialidade, a elaboração do exame de corpo de delito por perito oficial, o qual não pode ser suprido sequer pela confissão do infrator.
De igual modo, não basta a confecção de relatório por quem lavrou o auto de infração ou constatou a poluição, se este não possuir a qualificação técnica necessária.
Desse modo, cabe ao órgão estatal verificar a ocorrência do dano ambiental de poluição e requerer a realização do laudo pericial a ser confeccionado por meio de perito oficial, como os profissionais do Instituto Geral de Perícias – IGP.
PERÍCIA OBRIGATÓRIA – ART. 158 DO CPP
Uma condenação não pode ser fundada em meras conjecturas e suposições, mas sim, em provas incontestáveis e inequívocas, não sendo possível condenar alguém por presunção.
Talvez seja por isso que o Legislador previu a necessidade de perícia quando o crime deixar vestígios, conforme regra prevista no art. 158, do Código de Processo Penal:
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Aliás, o Direito Penal é a ultima ratio, de modo que, apenas deve atuar na proteção dos bens jurídicos mais importantes e quando outros ramos do Direito não forem suficientes para solucionar a questão, em respeito ao Princípio da Intervenção Mínima e da Fragmentariedade.
CONCLUSÃO
Nos crimes ambientais como o da poluição, o corpo de delito é consubstanciado no laudo pericial que demonstrará a existência da própria materialidade delitiva.
Nem mesmo a prova testemunhal pode suprir o exame de corpo de delito, pois somente é permitida quando a sua realização não é possível por haverem desaparecido os vestígios, o que raras vezes acontece.
Por fim, cumpre mencionar que, ausente a prova pericial, deverá ser proferida sentença de extinção da punibilidade pelo art. 386, VII, do Código de Processo Penal, porquanto geralmente o crime ambiental de poluição existiu, porém, as provas da materialidade do crime são insuficientes para o decreto condenatório.
Sendo assim, se além do processo por crime ambiental também foi instaurado um processo administrativo para apurar a infração ao meio ambiente, então não haverá repercussão na esfera administrativa, como já escrevemos em outra oportunidade aqui.
[1] Crimes contra o ambiente, 2. Ed., São Paulo: RT, 2001, p. 170.
[2] Legislação criminal especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. Coord. Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha. p. 801.
[3] Leis penais e processuais comentadas. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. v. 2., p. 589.