O IBAMA recorreu ao STJ após o TRF-4 manter sentença proferida nos Embargos à Execução Fiscal que cobrava multa ambiental aplicada ao término do processo administrativo no qual tinha ocorrido a intimação por edital da parte executada para apresentar alegações finais.
Para o TRF-4, “a intimação do interessado para apresentar alegações finais no processo administrativo federal em que apuradas infrações ambientais deve seguir o disposto no § 3º do artigo 26 da Lei nº 9.784, de 1998, sendo nula a intimação por edital realizada fora das hipóteses previstas no § 4º do mesmo artigo.”
No STJ, o IBAMA defendeu a validade da notificação por edital para infratores ambientais apresentarem alegações finais nos processos administrativos, sob o fundamento de que a intimação por AR somente seria necessária nos casos em que houvesse o agravamento da multa.
Segundo o IBAMA, a notificação por edital está prevista no art. 122 do Decreto 6.514/2008, e que o procedimento é utilizado somente quando não há indicativo de agravamento da sanção aplicada. Nas demais etapas do processo, as notificações são feitas pessoalmente ou por via postal com aviso de recebimento.
Com base nisso, o STJ deu provimento ao REsp 2.021.212/PR interposto pelo IBAMA durante o julgamento ocorrido no dia 21.11.2023 para reformar o acórdão recorrido e reconhecer a legalidade da intimação por edital para apresentar alegações finais.
Índice
Entenda o caso
O IBAMA interpôs recurso de apelação contra sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal de Ponta Grossa/PR, que julgou procedentes os embargos à execução fiscal para reconhecer a nulidade do processo administrativo em razão da intimação para apresentar alegações finais ter sido realizada diretamente por edital, declarando extinta a Execução Fiscal.
No recurso de apelação, o IBAMA sustentou que não há falar em nulidade do processo administrativo por ausência de alegações finais, ante a ausência de prejuízo do autuado.
Sustentou ainda que, não tendo havido o agravamento da penalidade, era autorizada a intimação por edital, nos termos do art. 122, §1º do Decreto 6.514, de 2008, inexistindo cerceamento de defesa.
Ocorre que, conforme pacífica jurisprudência de todos os Tribunais Regionais Federais e até mesmo do próprio Superior Tribunal de Justiça – STJ até então, a intimação por edital somente poderia ser realizada quando o autuado fosse indeterminado, desconhecidos ou com domicílio indefinido.
Aliás, tanto o Decreto 6.514/08 como a Lei 9.784/99 não fazem qualquer menção a necessidade de intimação por AR apenas quando houver agravamento da penalidade.
Muito pelo contrário, são expressas no sentido de que a intimação deve ser realizada por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.
O que diz a lei sobre a intimação por edital
O artigo 44 da Lei 9.784, de 1999 é expresso que “encerrada a instrução, o interessado terá o direito de manifestar-se no prazo máximo de dez dias”. Por sua vez, o artigo 26 da referida lei prevê os requisitos para a realização de intimações no processo administrativo, confira-se:
Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.
§ 3º A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.
§ 4º No caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido, a intimação deve ser efetuada por meio de publicação oficial.
§ 5º As intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais, mas o comparecimento do administrado supre sua falta ou irregularidade.
No caso analisado pelo STJ, o executado possuía endereço certo, tanto que devidamente notificado para apresentação de defesa administrativa. Contudo, a intimação para apresentação de alegações finais no processo administrativo foi realizada por meio de edital, com base no art. 122 do Decreto 6.514/08, cuja redação à época dos fatos assim dispunha:
Art. 122. Encerrada a instrução, o autuado terá o direito de manifestar-se em alegações finais, no prazo máximo de dez dias.
§ 1º A autoridade julgadora publicará em sua sede administrativa a relação dos processos que entrarão na pauta de julgamento, para fins de apresentação de alegações finais pelos interessados.
Embora o Decreto 6.514/08 tenha sido alterado pelo Decreto 11.373, publicado em 01 de janeiro de 2023, a intimação por via postal foi mantida, conforme se extrai da nova redação do artigo 122:
Art. 122. Encerrada a instrução, o autuado terá o direito de manifestar-se em alegações finais, no prazo máximo de dez dias.
§ 1º Para fins de apresentação de alegações finais pelos interessados, o setor responsável pela instrução notificará o autuado e publicará em sua sede administrativa e na Internet a relação dos processos que entrarão na pauta de julgamento
§ 2º A notificação de que trata o § 1º deste artigo poderá ser realizada por:
I – via postal com aviso de recebimento;
II – notificação eletrônica, observado o disposto no § 4º do art. 96; ou
III – outro meio válido.
Até então, era pacífico o entendimento de que a intimação do interessado para apresentar alegações finais no processo administrativo federal em que apuradas infrações ambientais deve seguir o disposto no § 3º do artigo 26 da Lei 9.784, de 1998, sendo nula a intimação por edital realizada quando não se tratar de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido.
Jurisprudência do próprio STJ sobre nulidade de intimação por edital
Embora o STJ tenha dado provimento ao Recurso Especial do IBAMA para reconhecer a validade da intimação por edital para alegações no processo administrativo ambiental, chama-se a atenção que a própria jurisprudência da Corte “era” pacífica de que tal procedimento viola o direito ao contraditório e à ampla defesa:
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. INFRAÇÃO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. ALEGAÇÕES FINAIS. INTIMAÇÃO POR EDITAL. DEVIDO PROCESSO LEGAL. VIOLAÇÃO. RECONHECIMENTO.
1. “É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual tratando-se de interessado determinado, conhecido ou que tenha domicílio definido, a intimação dos atos administrativos dar-se-á por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou por qualquer outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado” ( AgInt no REsp 1.374.345/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/08/2016, DJe 26/08/2016).
2. Na hipótese, em procedimento administrativo em cujo bojo foi imposta multa por infração ambiental, o Regional compreendeu que a previsão contida no parágrafo único do art. 122 do Decreto n. 6.514/2008 a intimação do interessado para apresentar alegações finais mediante edital afixado na sede administrativa do órgão extrapola o disposto na Lei n. 9.784/1999 e viola “flagrantemente o princípio do devido processo legal administrativo, eis que contrário à ampla defesa e ao contraditório”.
3. A compreensão firmada na origem se amolda ao entendimento firmado nesta Corte Superior, em casos análogos ao presente, de que é necessária a ciência inequívoca do interessado das decisões e atos praticados no bojo de processos administrativos, conforme determina o art. 26 da Lei n. 9.784/1999, sob pena de malograr o devido processo legal. 4. Agravo desprovido. (STJ – AgInt no AREsp: 1701715 ES 2020/0112554-7, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 30/08/2021, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/09/2021)
Mas, ao que temos visto nos últimos anos, quando se trata de Direito Ambiental o objetivo do Poder Judiciário é reescrever a legislação ambiental, em desprezo não só aos seus próprios julgados e o sistema de precedentes estabelecido pelo CPC, mas principalmente à Constituição Federal de 1988. Lastimável!
Conclusão
Ao nosso ver, o STJ errou ao dar provimento ao recurso do IBAMA, porque a Lei não fala que a intimação por via postal é necessária somente quando houver agravamento da penalidade. O que a lei diz, é que a intimação deve assegurar a certeza da ciência do interessado.
A Lei 9.784/99 buscou privilegiar a máxima eficácia da garantia ao contraditório e ampla defesa. Isso foi necessário para adequar o processo administrativo ao plano constitucional, cujo direito ao contraditório e à ampla defesa foi consagrado como um direito fundamental, nos termos do inciso LV do art. 5° da Constituição Federal de 1988.
Logo, não se afigura razoável admitir que, ao alvitre da autoridade administrativa, seja estatuído um rito diferente daquele previsto no ordenamento jurídico, suprimindo fase de total relevância, sem macular a garantia constitucional.
Portanto, a intimação por edital, como aconteceu no caso que chegou ao STJ, somente seria possível se esgotados todos os meios de tentativa de intimação da parte autuada, devidamente certificados nos autos, pois constitui exceção à regra, não cabendo à Corte, maxima venia, criar hipóteses contrárias ao que previu o legislador. Mas parece que isso está se tornando moda no Brasil, o que nos leva à conclusão de que logo poderemos demitir o Congresso Nacional.
1 Comentário. Deixe novo
Bom dia, Dr. Comungo de seu entendimento. Lendo o acórdão vejo que foi mais uma decisão politico ideológica que outro fundamento. Fundamentaram a decisão citando a margem de processos administrativos que se enquadram neste cenário. Ora, se o rito esta viciado deve ser anulado mesmo que isso signifique 100% de processos de uma década.