ILUSTRÍSSIMO SUPERINTENDENTE DE PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS E AUTOS DE INFRAÇÃO DA SECRETARIA DE ESTADO DE MEIO AMBIENTE ESTADO DE MATO GROSSO
Auto de Infração Ambiental
AUTUADA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ, com sede, vem, à presença do Superintendente de Procedimentos Administrativos e Autos de Infração, com fundamento no art. 113 e seguintes do Decreto 6.514/2008, art. 71, I, da Lei Federal 9.605/1998 e art. 99 da Lei Complementar 38/1995, apresentar
DEFESA DE MULTA POR QUEIMADA E USO DE FOGO
em razão do Auto de Infração Ambiental lavrado em 01 de fevereiro de 2020 pela equipe técnica do Corpo De Bombeiros de Mato Grosso – Batalhão de Emergências Florestais, consoante as razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. DA TEMPESTIVIDADE DA DEFESA CONTRA AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
A Autuada foi cientificada da lavratura do auto de infração ambiental em epígrafe, no dia, através do envio de carta com aviso de recebimento, de modo que, nos termos do art. 71, I, da Lei Federal 9.605/1998 e art. 113 do Decreto 6.514/2008, o prazo para apresentar defesa prévia é de 20 dias contados da ciência da autuação, e, portanto, indiscutível a tempestividade da presente defesa.
2. DA COMPETÊNCIA PARA JULGAR O PROCESSO ADMINISTRATIVO AMBIENTAL
A Lei Complementar 639, de 30 de outubro de 2019, deu nova redação ao art. 96 da LC 38, para incluir o Corpo de Bombeiros como autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo, como se vê:
Art. 96 São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo: (Nova redação dada pelo pela LC 639/19):
III – o Corpo de Bombeiros Militar, em circunstâncias que envolvam queimadas ilegais, incêndios florestais e transporte de produtos perigosos, tóxicos ou nocivos à saúde humana.
Cediço que as infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições da LC 38 ─ inteligência do art. 98 ─, de modo que o seu processamento e julgamento cabe à SEMA, nos termos do art. 99 do mesmo diploma:
Art. 99 Os autos de infração ambiental serão processados junto à SEMA, incluindo aqueles lavrados pelos agentes do Batalhão de Polícia Militar de Proteção Ambiental e do Corpo de Bombeiros Militar. (Nova redação dada pelo pela LC 639/19)
Desse modo, a SEMA é autoridade competente para receber a presente defesa prévia, processar e julgar o auto de infração em epígrafe.
3. BREVE SÍNTESE DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL
O auto de infração ambiental foi lavrado em face da Autuada por suposta prática de desmatar 4.200 ha (quatro mil e duzentos hectares) de vegetação nativa, objeto de especial, sendo consumada mediante uso de fogo, sem autorização do órgão competente.
Já no Auto de Inspeção, constou que, no dia, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros Militar do Mato Grosso se deslocou até a propriedade da Autuada para atender demanda informada pela Central Descentralizada Bombeiro Militar (BDBM), a qual informou sobre o uso de fogo após enleiramento de material vegetativo.
Segundo a equipe técnica do Corpo de Bombeiros, teria sido constatado no local resíduo vegetal queimado e formato de leiras, que de acordo com informações obtidas através do sistema da SEMA, a propriedade teria autorização para queima controlada, mas realizou fora do período permitido, causando assim crime ambiental por uso de fogo em período proibitivo.
Diante disso, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros lavrou o auto de infração ambiental indicando o valor de R$ a título de multa ambiental, com base nos arts. 41 e 70 da Lei Federal 9.605/98 e arts. 58 e 60 do Decreto Federal 6.514/08, assim redigidos:
Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta:
Pena – reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de detenção de seis meses a um ano, e multa.
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
Art. 58. Fazer uso de fogo em áreas agropastoris sem autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida:
Multa de R$ 1.000,00 (mil reais), por hectare ou fração.
Art. 60. As sanções administrativas previstas nesta Subseção serão aumentadas pela metade quando:
I – ressalvados os casos previstos nos arts. 46 e 58, a infração for consumada mediante uso de fogo ou provocação de incêndio; e
II – a vegetação destruída, danificada, utilizada ou explorada contiver espécies ameaçadas de extinção, constantes de lista oficial.
Vê-se que, ao contrário do que constou na descrição da infração, nenhum dispositivo trata de desmatamento, mas sim, de uso de fogo.
No entanto, a Autuada possui todas as autorizações necessárias expedidas pela SEMA, as quais foram totalmente desconsideradas pela equipe técnica do Corpo de Bombeiros quando lavraram o auto de infração ambiental, mesmo tendo ciência de sua existência, conforme constou no próprio auto de inspeção, senão vejamos:
- Autorização para Desmatamento;
- Autorização para Exploração Florestal;
- Autorização para Queima Controlada.
Já no Relatório Técnico, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros que o elaborou reconhece a existência das mencionadas autorizações, mas deduz que:
A propriedade teria autorização para queima controlada, mas que deixou passar o período permitido causando assim crime ambiental por uso de fogo em período proibitivo.
Ainda que a equipe técnica do Corpo de Bombeiros tenha colacionado imagens de satélite com os focos de fogo e do enleiramento, salta aos olhos a inexistência de prova inequívoca de que a Autuada infringiu a legislação ambiental.
Não obstante, tanto no auto de inspeção como no relatório técnico, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros relata que se deslocou para atender demanda de uso de fogo no dia, mas conclui que o fogo teve origem no dia, e para tanto, anexam imagens aéreas da suposta origem do fogo tiradas no dia, data da fiscalização.
Evidentemente, não há como inferir que o fogo foi causado pela Autuada em sua propriedade a partir de duas meras imagens fotográficas tiradas um dia depois após o início do fogo, desprezando o fato de que a propriedade fica às margens da rodovia.
Além do mais, as imagens do Satélite Landsat 8 anexas ao Relatório Técnico comprovam que que os focos iniciais de fogo foram constatados em, mas não mencionam precisamente o primeiro foco.
Não se desconhece a importância do trabalho do Corpo de Bombeiros no combate aos incêndios, mas com todo respeito, no caso há o que a jurisprudência chama de erros grosseiros, impossíveis de serem convalidados, e por isso, a declaração de nulidade do auto de infração ambiental é medida que se impõe, conforme será demonstrado.
4. PRELIMINARMENTE
4.1. INAPLICABILIDADE DO ART. 60 DO DECRETO 6.514/08
De início, observa-se que a majorante prevista no art. 60 do Decreto 6.514/08 é inaplicável à infração administrativa do art. 58 do mesmo diploma, senão vejamos:
Art. 58. Fazer uso de fogo em áreas agropastoris sem autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida:
Multa de R$ 1.000,00 (mil reais), por hectare ou fração.
Art. 60. As sanções administrativas previstas nesta Subseção serão aumentadas pela metade quando:
I – ressalvados os casos previstos nos arts. 46 e 58, a infração for consumada mediante uso de fogo ou provocação de incêndio; e
II – a vegetação destruída, danificada, utilizada ou explorada contiver espécies ameaçadas de extinção, constantes de lista oficial.
Em análise perfunctória dos dispositivos acima transcritos, resta evidente que o próprio inciso I do art. 60 exclui sua aplicação se a autuação for lavrada com fundamento no art. 58.
É conhecida a fama de pouco sábio de nosso legislador, mas a pouca sapiência não chega ao raio de tipificar a mesma conduta duas vezes, num mesmo diploma legal.
Ora, se o legislador previu uma infração administrativa por uso de fogo sem autorização, por óbvio, o próprio uso de fogo irregular não pode ser causa de aumento da sanção, ao contrário, estar-se-ia diante de antinomia e violação ao princípio do non bis in idem.
O inciso II também é excluído no caso, porquanto a supressão de vegetação foi realizada mediante autorização da SEMA, não havendo se falar em espécies ameaçadas de extinção, até porque, não há no auto de infração ambiental, nem no auto de inspeção e muito menos no relatório técnico confeccionados pela equipe técnica do Corpo de Bombeiros, qualquer menção de espécies ameaçadas de extinção.
É dizer, somente pode incidir no aumento da sanção de multa pela metade, quando a vegetação for destruída, danificada, utilizada ou explorada, ao mesmo tempo em que atinge espécies ameaçadas de extinção, as quais obrigatoriamente, deverão constar na lista oficial.
Portanto, a majorante prevista no art. 60, incisos I e II, deve ser afastada, porquanto inaplicável por expressa previsão legal e por atipicidade da conduta.
5. DO MÉRITO
5.1. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO AO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR – POSSIBILIDADE
A Constituição Federal de 1988 assegura que, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV).
Partindo dessa premissa, sabe-se que a imposição de multa administrativa possui caráter penalizador, e, afigurando-se como medida rigorosa e privativa de uma liberdade pública constitucionalmente assegurada, exige-se a demonstração cabal da autoria e materialidade, que são pressupostos autorizadores da imposição de sanção.
Nesse sentido, na hipótese de constarem nos autos elementos que conduzam à dúvida acerca da materialidade e autoria delitiva ─ in casu, se a Autuada foi a responsável por provocar o fogo ─, o cancelamento do auto de infração é medida que se impõe, em observância ao princípio do in dubio pro reo, princípio clássico aplicável não apenas no Direito Penal, mas em todo Poder Estatal de punir, de modo se afastar a tipicidade material da conduta.
Isso porque, o ius puniendi do Estado é único, de modo que, a aplicação dos princípios penais e processuais penais garantistas e limitadores devem ser estendidos também, ao Direito Administrativo Sancionador, porque as infrações administrativas se diferenciam das penais tão somente em relação à autoridade que às aplica.
Desse modo, o Direito Administrativo Sancionador não pode constituir instância mais prejudicial ao administrado, revestido de ilegalidades e arbitrariedades, até porque, assim como no Direito Penal, são necessários elementos seguros que apontem para a existência de norma violada, tais como, tipicidade, lesividade, antijuridicidade e culpabilidade.
À propósito, o Min. Napoleão Nunes Maia Filho, do Superior Tribunal de Justiça – STJ, ao relatar o RMS 24.559, muito bem definiu a submissão do Direito Administrativo Sancionador aos Princípios do Direito Penal:
Consoante precisas lições de eminentes doutrinadores e processualistas modernos, à atividade sancionatória ou disciplinar da Administração Pública se aplicam os princípios, garantias e normas que regem o Processo Penal comum, em respeito aos valores de proteção e defesa das liberdades individuais e da dignidade da pessoa humana, que se plasmaram no campo daquela disciplina.
Assim como no Direito Penal, a imposição de penalidades administrativas não pode ser baseada em indícios, e por consequência, não se afigura possível que a Autuada seja autuada por simples presunção.
Com efeito, o art. 79 da Lei 9.605/98, dispõe expressamente que as normas previstas no Código Penal e do Código de Processo Penal se aplicam subsidiariamente a ela. Cabível portanto, o princípio do in dubio pro reo.
5.2. DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA
É bem verdade que o § 3º do art. 225, da Constituição Federal, prevê a tríplice responsabilidade ambiental, pela qual o causador de danos ambientais está sujeito à responsabilização administrativa, cível e penal, de modo independente e simultâneo:
Art. 225 (…) § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Isso significa que, a responsabilidade por danos ambientais na esfera cível é objetiva, ou seja, se o Ministério Público propuser uma ação contra determinado poluidor, ele não precisará provar a culpa ou dolo do réu.
Por outro lado, para a aplicação de penalidades administrativas não se obedece a essa mesma lógica, conquanto esta apresenta caráter subjetivo, exigindo dolo ou culpa para sua configuração.
Assim, adota-se a sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, deverá ser comprovado o elemento subjetivo do transgressor, além da demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, caput e § 1º, da Lei nº 6.938/81:
Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: […].
1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Vê-se que o caput do art. 14, trata sobre a responsabilidade administrativa e exige dolo ou culpa, limitando-se aos transgressores. É dizer, somente podem ser aplicadas a quem efetivamente praticou a infração.
Por outro lado, a reparação ambiental, de cunho civil, pode atingir todos os poluidores, a quem a própria legislação define como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, IV, da Lei nº 6.938/81).
E, sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça – STJ tem entendimento firmado de que a responsabilidade administrativa ambiental é de natureza subjetiva:
No caso analisado foi imposta multa por dano ambiental sob o fundamento da responsabilidade objetiva decorrente da propriedade da carga transportada por outrem, que efetivamente teve participação direta no acidente que causou a degradação ambiental.
Ocorre que a jurisprudência desta Corte, em casos análogos, assentou que a responsabilidade administrativa ambiental é de natureza subjetiva.
A aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
A diferença entre os dois âmbitos (cível e administrativo) de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, caput e § 1º, da Lei n. 6.938/1981.
Em resumo: a aplicação e a execução das penas limitam-se aos transgressores; a reparação ambiental, de cunho civil, a seu turno, pode abranger todos os poluidores, a quem a própria legislação define como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, inc. V, do mesmo diploma normativo).
Assim, o uso do vocábulo “transgressores” no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra “poluidor” no § 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das penas: a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensas ambientais praticadas por outrem.[1]
Com efeito, conquanto seja objetiva a responsabilidade civil ambiental, tal disposição não se aplica às infrações administrativas. Logo, o só fato de a Autuada ser a proprietária do imóvel onde houve o fogo, não faz surgir sua legitimidade para aplicação de multa administrativa (sanção).
Não há, nos autos do processo administrativo, qualquer prova que demonstre ou indique que o fogo foi ateado propositadamente pela Autuada, nem que tenha sido parte do processo de supressão de vegetação, a qual se repise, foi autorizada pela SEMA.
Nesses termos, não se pode afirmar que a Autuada concorreu para a prática da infração ambiental ou que dela tenha se beneficiado, ao contrário, conclui-se que foi prejudicada pela queima de pastagem, enorme quantidade de materiais de construção e benfeitorias, além de cercas e área de reserva legal.
A origem do fogo é desconhecida e a Autuada não se beneficiou dele. Ora, não há como crer que a Autuada, devidamente autorizada ao uso de fogo, fosse fazê-lo irregularmente faltando poucos dias para o término do período proibitivo.
Logo, pela ausência de demonstração de que a Autuada tenha praticado a conduta descrita no auto de infração, não há que se falar em responsabilidade administrativa, ante a ausência de dolo ou culpa e da demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano, de modo que o auto de infração hostilizado merece ser declarado nulo.
5.2.1. DO NEXO CAUSAL
Como visto, a responsabilidade administrativa por dano ambiental é subjetiva, de modo que, a autoridade competente pela fiscalização e autuação no caso de uso irregular do fogo, deverá comprovar a relação entre a conduta do proprietário ou qualquer preposto e o dano efetivamente causado.
A legislação, no entanto, ao tratar de dano ambiental decorrente do uso ilícito do fogo, impõe que a multa punitiva resulte de regular apuração de responsabilidade, a qual envolve a existência de nexo causal entre uma conduta do proprietário da área e o dano ambiental. É exatamente isso o que diz o art. 38, §3º e § 4º da Lei Federal 12.651/2012 (Código Florestal):
Art. 38. É proibido o uso de fogo na vegetação, exceto nas seguintes situações:
3º Na apuração da responsabilidade pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares, a autoridade competente para fiscalização e autuação deverá comprovar o nexo de causalidade entre a ação do proprietário ou qualquer preposto e o dano efetivamente causado.
4º É necessário o estabelecimento de nexo causal na verificação das responsabilidades por infração pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares.
Não bastam, portanto, imputações desmotivadas e genéricas dos fatos e da autoria no auto de infração, como se existisse uma presunção de que o fato de “ser proprietária” torna a Autuada responsável pelo ato de queimada, ou ainda, que o fato de possuir autorizações para uso de fogo bastaria para concluir que foi realizada fora do período permitido.
Trata-se de responsabilização que, no âmbito penal e administrativo (ao contrário do regime civil), exige a prova do elemento subjetivo, além, é claro, do nexo de causalidade (causalidade adequada).
Em outras palavras, o simples fato de o fogo ter ocorrido em terreno de propriedade da Autuada não permite a configuração do nexo causal capaz de torná-la responsável por tal ato.
Dessa forma, repise-se, a existência de responsabilidade administrativa por dano ambiental e a configuração da culpa ou do dolo justificadores da sanção estão condicionadas ao nexo causal entre conduta subjetivamente qualificada e o resultado ilícito.
Ademais, a própria linguagem utilizada pela equipe técnica do Corpo de Bombeiros na motivação da infração ─ a propriedade teria autorização para queima controlada mas a realizou fora do período permitido, causando assim crime ambiental por uso de fogo em período proibitivo ─ revela o desconhecimento dos agentes quanto à causa que deu origem ao fogo.
Da leitura do auto de infração ambiental, do auto de inspeção e do relatório técnico, exsurge incontestável prova de que a Autuada não agiu com dolo nem culpa, tão pouco há a demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
É incontroverso que a origem do fogo é desconhecida. As chamas, provieram das margens da rodovia. Além disso, a Autuada demonstrou que o fogo lhe causou prejuízos, bem como, que possuía regular autorização para queimadas, a qual seria realizada fora do período proibitivo que estava prestes a encerrar, o que demonstra a falta de motivo para o uso de fogo irregular.
Além disso, no boletim de ocorrência lavrado em 03.01.2021, consta informação prestada pelo encarregado da Autuada de que o fogo se iniciou às margens da rodovia, acrescentando que o fogo atingiu a pastagem e reserva legal, mesmo diante de todos os esforços empreendidos para conter o fogo.
Ressalte-se que, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros se deslocou para atender demanda de uso de fogo no dia 05.01.2021, concluindo que o fogo teve origem no dia 04.01.2021, quando as próprias imagens do Satélite Landsat 8 comprovam que o fogo efetivamente teve início no dia 02.01.2021, nos termos relatados pelo encarregado da Autuada.
Com efeito, a mera lavratura de auto de infração ambiental por fogo ocorrido na propriedade da Autuada, não demonstra o dolo ou culpa, nem o nexo causal entre a conduta e o dano, porque os fatos narrados na autuação, no auto de inspeção e relatório técnico foram apenas deduzidos, e não comprovados, como exige a teoria da responsabilidade subjetiva.
Como mencionado linhas atrás, a disposição do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981 de que a indenização ou reparação dos danos ambientais não afasta a aplicação de sanções administrativas, significa apenas, que a indenização ou reparação do dano prescindem da culpa, e não que as sanções administrativas dispensam tal elemento subjetivo.
Bem por isso, não há confundir o direito administrativo sancionador com a responsabilidade civil ambiental, de modo que necessária a comprovação do dano e do nexo causal, além da demonstração de dolo ou culpa, o que não aconteceu no caso em tela.
Com isso, torna-se imperioso reconhecer que, embora a equipe técnica do Corpo de Bombeiros tenha inferido a existência de nexo causal, e até mesmo de um dano ambiental imputável à Autuada – o que foi feito por meio de uma operação lógica denominada ilação –, a autuação não se sustenta por falta de comprovação da ocorrência de referido nexo e do citado dano.
Nesse ponto, há de se destacar que a ilação – caracterizada pela inferência, pelos indícios, pelas presunções e pela ausência de prova material – em tudo se diferencia da comprovação, operação por meio da qual se afirma e se torna irrefutável determinado fato, que é integralmente demonstrado a partir de provas materiais. É nesse sentido a definição de De Plácido e Silva[2]:
COMPROVAÇÃO. Derivado do latim comrobatio, de comprobare, tem significação de aprovação plena, inteira. Desse modo, comprovação não tem somente o sentido de indicar o ato de provar novamente ou com nova prova.
Mas o de aprovar por inteiro, o que dá a ideia de uma confirmação integral ao que antes já se tinha provado. A comprovação é reforço de prova, para torná-la irrefutável.
E quando se comprova tem-se a confirmação integral da prova anterior, que assim se robustece e se avoluma para acentuar a veracidade da asserção sobre o fato arguido, ou a irrefutabilidade da prova apresentada.
Fatos comprovados, assim, devem ser fatos que se encaram como integralmente demonstrados ou postos em evidência.
Logo, o auto de infração decorre da presunção de ocorrência de nexo causal e de dano ambiental, e não de prova propriamente dita, cuja ausência afasta a higidez do auto de infração, até porque, os atos administrativos gozam de certa presunção de veracidade e legitimidade, competindo à Administração comprovar os componentes fáticos da constituição do ato, isto é, a autoria e a materialidade da infração ambiental.
O único indício de autoria da conduta decorre do fato de a Autuada ser proprietária da área atingida pelo fogo, a qual fica às margens da rodovia.
Tal indício, isolado no conjunto probatório do processo, não pode conduzir à sanção da proprietária da área atingida, sobretudo quando há outros elementos nos autos que demonstram que o fogo não se originou por iniciativa da Autuada, como o público e notório tempo seco que atingia a região à época, e provas de que a Autuada envidou consideráveis esforços para apagar o fogo, além do prejuízo sofrido.
Ora, a Autuada não possuía qualquer interesse em fazer uso de fogo de forma irregular, ante as autorizações válidas, de modo que não há como afastar a conclusão de que se tratou de fogo de autoria e origem desconhecidas, que se iniciou sem a concorrência de qualquer conduta da Autuada.