O princípio da proibição do retrocesso é assunto de extrema relevância no que concerne ao direito ambiental. Sua aplicação, que ainda carece de consolidação teórica, dadas as variantes interpretativas da doutrina e da jurisprudência, dá-se em diversos âmbitos, como no campo legislativo, na esfera judiciária e mesmo em processos administrativos de licenciamento ambiental.
Reveste-se de ainda mais relevância esse princípio, pelo fato de ter sido basilar fundamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4901, 4902, 4903, 4937 e Ação Declaratória de Constitucionalidade 42, que tramitaram no Supremo Tribunal Federal – STF para discutir a (in)constitucionalidade do Novo Código Florestal (Lei 12.651/2012).
Contudo, quando do julgamento, o Supremo Tribunal Federal – STF reconheceu que não se deve interpretar qualquer alteração legislativa como retrocesso ambiental, e tal entendimento deve ser adotado como parâmetro para as futuras aplicações desse princípio no direito brasileiro pelos tribunais pátrios.
Índice
O que diz o princípio da proibição ou vedação do retrocesso ambiental
Em linhas gerais, o princípio, como seu próprio nome diz, volta-se a “não retroceder” quando o assunto é preservação do meio ambiente, a fim de fazer valer o direito constitucional fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Embora se trate de justificativa louvável, não podem os intérpretes e aplicadores do princípio ignorarem as possíveis consequências pragmáticas da consolidação de uma interpretação equivocada do brocardo.
O direito ambiental talvez represente a área da ciência jurídica que mais desperta paixões e emoções de seus estudiosos, denotando, justamente por isso, muito cuidado para que leis e decisões envolvendo a matéria ambiental não sejam proferidas de forma parcial e ideológica, tornando-se assim, distante da realidade e da racionalidade.
Nesse contexto, necessário despir-se da paixão e da efervescência que envolvem o direito ambiental, a fim de que as questões sejam analisadas de forma jurídica e pragmática, observando que a aplicação do princípio da proibição ou vedação do retrocesso ambiental como alguns defendem atenta contra tantos outros direitos.
A crítica do Professor Felipe Derbli[1], em elogiosa obra a respeito do princípio da proibição do retrocesso social, de que a doutrina e jurisprudência brasileiras não se debruçam de forma satisfatória sobre o seu conteúdo material e sua aplicabilidade também podem ser estendidas ao princípio da proibição do retrocesso na seara ambiental. Nas palavras de Derbli, “ouve-se o galo, mas não se sabe de onde ele cantou”.
A acepção alargada fomentada por doutrinadores e decisões judiciais que aplicam o princípio da vedação ao retrocesso para inadmitir qualquer alteração legislativa em matéria ambiental que teoricamente seja menos protetiva ao meio ambiente, é desprivilegiar o Poder Legislativo.
Em outro espectro, a acepção ponderada, consiste naquela em que o princípio da vedação ao retrocesso ecológico é aplicável somente se tiver o condão de aviltar o núcleo essencial do direito fundamental ao meio ambiente de modo a criar verdadeiro vazio legislativo em matéria que antes da modificação legiferante se tinha a devida e fundamental proteção.
A aplicação do princípio da proibição do retrocesso ambiental merece atenção
Considerando que o direito ambiental talvez represente a área da ciência jurídica que mais desperta emoções e paixões de seus estudiosos, é necessário, exatamente por isso, muito cuidado para que leis e decisões envolvendo a matéria ambiental não sejam proferidas de forma ideológica e parcial, tornando-se assim, distantes da realidade e da racionalidade.
Nesse contexto, o intuito desse artigo é despir-se da paixão e da efervescência que envolvem o tema e, analisando a questão de forma jurídica e pragmática, contribuir com a tão importante discussão centrada no princípio da proibição do retrocesso ambiental.
Como já enuncia há alguns anos o Professor Lenio Streck[2], vive-se atualmente no mundo jurídico brasileiro uma era de “pan-principiologismo”, “verdadeira usina de produção de princípios despidos de normatividade”.
Infelizmente, não raros princípios são evocados em decisões judiciais sem que haja uma adequada investigação a respeito da égide do instituto e de sua real pertinência e aplicação ao caso concreto.
Nesses casos, os brocardos, ao fim e ao cabo, são utilizados como “varinhas de condão”[3] para que o julgamento tenha o desfecho pretendido pelo julgador, a despeito do que estritamente dispõe a legislação aplicável à matéria.
Muitas vezes, princípios, que sequer se questiona de onde e em que contexto surgiram, são aplicados como se fossem hierarquicamente superiores ao texto legal.
Conclusão
O princípio da proibição do retrocesso, se interpretado e aplicado de maneira que extrapola sua real semântica e incidência, nada mais é do que verdadeira “varinha de condão” que dá ao julgador o poder de decidir o caso da maneira que mais lhe apetece e parece justa.
Essa questão fica ainda mais visível e problemática quando a matéria do julgamento é de ordem ambiental, que é uma das mais suscetíveis a ideologias e paixões no mundo jurídico.
Some-se a tudo isso os tempos de politicamente correto em que se vive, que também traz reflexos nas discussões envolvendo direito ambiental, e tente tecer críticas e fazer ponderações a um princípio que, como o próprio nome diz, “proíbe o retrocesso em termos de proteção ao meio ambiente”.
O raso raciocínio de quem não tem a oportunidade de estudar a fundo o brocardo e refletir sobre as práticas consequências da consolidação de sua interpretação é bastante singelo (e gramaticalmente lógico, é verdade): quem é a favor do meio ambiente defende o princípio da vedação ao retrocesso ambiental e o contrário é verdadeiro.
Porém, a relação entre “defensores do princípio” e “defensores do meio ambiente” não é simples e direta como uma matemática “regra de três”. Inicialmente, a proposição “defender o princípio” sequer expressa muito sentido por si só, já que se atribui mais de uma linha interpretativa a ele.
Em segundo lugar, toda análise jurídica – inclusive em direito ambiental, por óbvio – deve levar em conta, mais do que o que intimamente se pensa como correto e justo, o que dispõem os regramentos aplicáveis à matéria. Não é porque se considera uma lei ruim que ela não deve ser aplicada se vigente e válida for.
Em terceiro lugar, o conceito de “retrocesso” é em boa parte subjetivo, assim, mesmo que dois indivíduos concordem exatamente quanto ao fundamento e hipóteses de incidência do princípio da vedação ao retrocesso ecológico, pode ainda haver discordância sobre o referencial do que é ou não retrocesso em cada caso concreto.
De maneira alguma pretendemos negar a existência ou a aplicação do princípio do não retrocesso na seara ambiental, mas sim que sua aplicação seja despida de paixões e ideologias, de modo que se possa perquirir o tema de forma essencialmente jurídica e pragmática.
Os estudos continuam em um próximo artigo que publicaremos aqui no nosso site. Por isso, salve o site nos favoritos do seu navegador para acompanhar conteúdos de Direito Ambiental.
[1] DERBLI, Felipe. O Princípio da Proibição de Retrocesso Ambiental na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 199.
[2] STRECK, Lenio Luiz. O pan-principiologismo e o sorriso do lagarto. Consultor Jurídico, 2012. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2012-mar-22/senso-incomum-pan-principiologismo-sorriso-lagarto >. Acesso em: 16 out. 2017
[3] Li esta expressão pela primeira vez em texto do Professor Otavio Luiz Rodrigues publicado no site do Consultor Jurídico (indicação de leitura, tenho de reconhecer, do colega graduando da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM Vinicius Oliveira), tendo logo me afeiçoado e a incorporado em meu vocabulário.
RODRIGUES, Otavio Luiz. Boa-fé não pode ser uma varinha de condão nas lições de Jan Peter Schmidt. Consultor Jurídico, 2014. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2014-dez-10/direito-comparado-boa-fe-objetiva-nao-varinha-condao-licoes-jan-peter-schmidt >. Acesso em: 16 out. 2023.