Excelentíssimo (a) Senhor (a) Doutor (a) Juiz (a) de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de…
Tutela antecipada
Parte autora, brasileiro (a), estado civil, profissão, inscrito (a) no RG sob o n… e CPF…, residente e domiciliado (a) na Rua…, n…, Bairro…, Cidade/UF, CEP…, endereço eletrônico…, à presença de Vossa Excelência, por seus advogados, propor ação anulatória de auto de infração ambiental por inexistência de curso d’água natural e de área que não possui características para ser considerada de preservação permanente com pedido de tutela antecipada contra Parte ré, inscrita no CNPJ …, com sede na Rua …, n. …, Bairro…, Cidade/UF, CEP …, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
1. Contextualização fática
No dia 00.00.0000, o agente de fiscalização lavrou auto de infração contra a parte autora pela suposta infração capitulada no art. 49 do Decreto 6.514/08 com a seguinte redação:
Art. 49. Destruir ou danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa, objeto de especial preservação, não passíveis de autorização para exploração ou supressão:
Multa de R$ 6.000,00 (seis mil reis) por hectare ou fração.
Parágrafo único. A multa será acrescida de R$ 1.000,00 (mil reais) por hectare ou fração quando a situação prevista no caput se der em detrimento de vegetação primária ou secundária no estágio avançado ou médio de regeneração do bioma Mata Atlântica.
O agente de fiscalização indicou que a área seria de preservação permanente mas sem descrever os motivos que o levaram a concluir pela existência de APP, o que impossibilitou a parte autora de exercer o seu direito ao contraditório e à ampla defesa.
Cientificado da autuação por meio do envio de carta com aviso de recebimento, a parte autora apresentou sua defesa. Entretanto, depreende-se dos autos do processo administrativo que a decisão que aplicou a penalidade é deveras deficiente, embasada em motivação genérica e padronizada.
Referida decisão de primeira instância não analisou o mérito da alegada infração ambiental tampouco os argumentos de defesa que demonstraram de forma evidente a ausência de características na área para que fosse considerada de preservação permanente.
Assim, a decisão administrativa configurou vício em relação aos princípios constitucionais que norteiam a atuação da Administração, no caso o princípio da legalidade, com a ausência da devida motivação. Ora. A Administração não comprovou que o local é de preservação permanente.
Logo, o processo administrativo relativo ao auto de infração está eivado de vícios que reclamam a sua nulidade, conforme passa a expor, requerendo ao final, seja julgada procedente a presente ação.
2. Do mérito
2.1. Da inexistência de curso d’água natural – Área que não possui características para ser considerada de preservação permanente
Segundo a descrição sumária da infração lançada no auto de infração, a parte autora teria praticado a conduta de: “construção na faixa marginal de proteção de curso d’água”, pelo que teria infringido o disposto no art. 74 do Decreto 6.514/2008:
Art. 74. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:
Todavia, as bases de argumentos apresentados pelo agente de fiscalização não prosperaram, sobretudo porque a existência de um suposto curso d’água decorreu da análise de imagens de geoprocessamento, que não servem para embasar o auto de infração sem estudos técnicos que comprovem a situação fática que demande proteção. Além do mais, a consulta de viabilidade obtida pela parte autora nada mencionava sobre a existência de elemento hídrico, tendo sido deferida pela municipalidade.
Para assim demonstrar, recorde-se que de acordo com o artigo 4º do atual Código Florestal (Lei Federal 12.651/2012), somente são consideradas como Áreas de Preservação Permanente as faixas marginais perene e intermitente:
Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
I – as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:
Necessário esclarecer as diferenças que distinguem perenidade, intermitência e efemeridade e a influência do clima sobre os regimes hídricos que tem sido frequentemente confundido, principalmente no regime hidrológico do Sul do Brasil, causando autuações equivocadas, como as aqui guerreadas.
Pois bem. Os cursos d’água perenes possuem naturalmente, escoamento superficial durante todo o ano, são aqueles que contêm água durante todo o tempo, o lençol subterrâneo mantém uma alimentação contínua e não desce nunca abaixo do leito do rio, mesmo durante as secas mais severas.
Já os cursos d’água intermitentes são aqueles que, em geral, escoam durante as estações de chuvas e secam nas de estiagem. Nessa época, o lençol freático se encontra em um nível inferior ao do leito do rio, o escoamento superficial cessa ou ocorre somente durante, ou imediatamente após, as tormentas.
E, os cursos d’água efêmeros são aqueles que possuem escoamento superficial, apenas durante ou imediatamente após períodos de precipitação, ao redor dos quais não se estabelece faixa de proteção.
Logo, conforme o artigo 4ª, inciso I, da Lei Federal 12.651/2012, considera-se Área de Preservação Permanente as faixas marginais de curso d’água natural perene e intermitente, excluindo os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular.
Com efeito, uma área pode ser protegida ambientalmente de forma integral por constituir APP, hipótese em que a proteção se dá automaticamente, decorrendo de lei, ou seja, em cada lugar em que se manifestarem de fato, serão protegidas por desempenharem alguma função ambientalmente relevante. Nesse sentido, colhe-se da lapidar doutrina de Paulo Affonso Leme Machado[1]:
Cabe examinar as consequências jurídicas do teor do art. 4º, caput, ao dizer: “Considera-se Área de Preservação Permanente, (…) para os efeitos desta Lei” – Lei 12.651/2012 (que não se autodenominou “Código”, conforme constava na redação da anterior Lei 4.771/1965). A APP é considerada existente, ou como devendo existir, desde que haja a ocorrência de determinadas situações fáticas.
Não é necessária a emissão de qualquer ato do Poder Executivo (Federal, Estadual, do Distrito Federal ou Municipal) para que haja uma APP nos moldes previstos pelo art. 4º da lei. Há autoaplicabilidade da própria lei, não se exigindo regulamentação para sua efetividade nos casos desse artigo. Se dúvidas surgirem, serão problemas de medição, pois a localização e as obrigações de manutenção, de reparação, de uso, ou até a possibilidade de supressão da vegetação, decorrem da própria lei.
Com efeito, não se podem conceber áreas de preservação permanente desprovidas das funções que lhe são precípuas, devidamente referendadas pelos Códigos Florestais de 1965 e de 2012, sob pena de tornar letra morta a legislação inspiradora de sua criação, protegendo espaços indignos de tal tutela.
Ora. É fácil deduzir que o instituto das áreas de preservação permanente tem objetivos bem expressos em relação à integridade dos ecossistemas e à qualidade ambiental, o que não se verifica no caso dos autos.
É de bom alvitre lembrar que a Administração somente pode fazer o que a lei determina, nunca se sobrepondo ao entendimento ou ato de vontade do próprio administrador. À propósito, a…
[1] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 21. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2013.