É possível ajuizar ação anulatória contra o órgão ambiental para impugnar multa ambiental imposta ao infrator autuado por manter em cativeiro animais da fauna silvestre brasileira não ameaçadas de extinção, infração ambiental esta prevista no art. 24 do Decreto 6.514/08.
O fundamento para anular a multa ambiental está previsto no art. 29, § 2º, da Lei 9.605/98 e o art. 24, § 4º, do Decreto 6.514/08, que autorizam o juiz a deixar de aplicar a sanção de multa na hipótese de guarda de espécimes não ameaçados de extinção.
Índice
Animal não ameaçado de extinção e multa ambiental
Com efeito, o art. 29, § 2º, da Lei 9.605/98, e art. 24, § 4º do Decreto 6.514/08, definem uma das formas de crime ou infração administrativa contra a fauna, explicitando, in verbis:
Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa.
§1º Incorre nas mesmas penas:
I – quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;
II – quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural;
III – quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.
§2º No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.
Art. 24. Matar, perseguir, caçar, apanhar, coletar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Multa de:
I – R$ 500,00 (quinhentos reais) por indivíduo de espécie não constante de listas oficiais de risco ou ameaça de extinção;
II – R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por indivíduo de espécie constante de listas oficiais de fauna brasileira ameaçada de extinção constante ou não da Convenção de Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção – CITES.
II – R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por indivíduo de espécie constante de listas oficiais de fauna brasileira ameaçada de extinção, inclusive da Convenção de Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção – CITES.
§4º No caso de guarda doméstica de espécime silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode a autoridade competente, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a multa, em analogia ao disposto no § 2º do art. 29 da Lei no 9.605, de 1998.
Perceba que o próprio § 4º do art. 24 do Decreto 6.514/08 faz expressa remissão ao art. 29, § 2º, da Lei 9.605/98, ao qual decorre da intenção do legislador em não punir condutas irrelevantes e que não causem danos ambientais.
Animais não ameaçados de extinção e o princípio da razoabilidade e proporcionalidade
Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade também devem ser observados para deixar de aplicar a multa ambiental em caso de o animal não ser ameaçado de extinção, e decorre da expressa previsão do art. 6º da Lei 9.605/98 impôs ao órgão fiscalizador limitação ao seu poder de polícia, ao estabelecer critérios para a imposição de penalidades, assim dispondo:
Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:
I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente;
II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;
III – a situação econômica do infrator, no caso de multa.
Não é outra a redação do art. 4º do Decreto 6.514/08:
Art. 4º. O agente autuante, ao lavrar o auto de infração, indicará as sanções estabelecidas neste Decreto, observando: (Redação dada pelo Decreto nº 6.686, de 2008).
I – gravidade dos fatos, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente;
II – antecedentes do infrator, quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; e
III – situação econômica do infrator.
§1º. Para a aplicação do disposto no inciso I, o órgão ou entidade ambiental estabelecerá de forma objetiva critérios complementares para o agravamento e atenuação das sanções administrativas.
Aliás, vale destacar que o legislador determinou no art. 72 da Lei 9.605/98, ao discriminar as sanções cabíveis, em caso de prática de conduta lesiva ao meio ambiente, a observância à gradação prevista no já citado art. 6º.
Como se vê, a atuação da Administração Pública deve obedecer aos princípios da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo que a imposição da penalidade de multa ambiental deve obedecer aos ditames legais.
O que diz a jurisprudência
A jurisprudência, em casos que estava em discussão a imposição de multa ambiental com base na mesma motivação de autos de infração ambiental lavrados pelo art. 24 do Decreto 6.515/08, é pacífica no sentido de que devem ser observados, não só o princípio da legalidade, mas também o da razoabilidade e o da proporcionalidade, considerando a peculiaridade de cada caso.
São elucidativos os seguintes julgados proferidos pelo TRF-1 em casos similares:
AMBIENTAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO ANULATÓRIA. MULTA POR INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. MANUTENÇÃO EM CATIVEIRO DE ESPÉCIES DA FAUNA SILVESTRE SEM AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE. ART. 24, § 4º DO DECRETO N. 6.514/08. DESNECESSIDADE DE APLICAÇÃO DA PENA DE MULTA. PRECEDENTES. […]
2. Na origem, tratam os autos de Ação Anulatória de Multa Ambiental ajuizada contra o IBAMA, visando à anulação do Auto de Infração Ambiental por possuir o autor 07 aves da fauna silvestre, oportunidade na qual foi fixada a penalidade de multa simples no valor de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais).
3. Analisando as provas constantes dos autos, verifica-se que o auto de infração lavrado pelo IBAMA descreve como conduta típica o ato de ter em cativeiro sete pássaros da fauna silvestre brasileira sem licença da autoridade ambiental competente (fls. 73 do pdf), e tem como fundamento a infração aos art. 70, I, c/c art. 72, II e IV, da Lei nº 9.605/98, ao art. 3º, II e IV c/c o art. 24, I, § 3º, III do Decreto nº 6.514/2008.
4. O art. 24 do Decreto nº 6.514/2008 estabelece que comete infração ambiental o indivíduo que tem em cativeiro espécimes da fauna silvestre, devendo ser aplicada multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por indivíduo de espécie não constante de listas oficiais de risco ou ameaça de extinção.
5. Conforme entendimento desta Corte Regional, é possível ao Poder Judiciário rever a proporcionalidade da penalidade aplicada pela administração e anular multa imposta em patamar excessivo, sem que com isso configure invasão de mérito administrativo. A discricionariedade do administrador não impede o exame, pelo Poder Judiciário, do atendimento aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
6. De acordo com o § 4º do art. 24 do Decreto n. 6.514/08, “No caso de guarda doméstica de espécime silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode a autoridade competente, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a multa, em analogia ao disposto no § 2º do art. 29 da Lei nº 9.605, de 1998”
7. No caso dos autos, as sete aves apreendidas não constam de listas oficiais de animais em extinção, não havendo nos autos qualquer comprovação de que o autor possuísse antecedentes na prática de infrações ambientais. No mais, o apelante é hipossuficiente (não tendo, evidentemente, condições de arcar com a multa que lhe foi imputada sem comprometimento da própria sobrevivência) e os animais silvestres apreendidos não tinham sinais de maus tratos, não havendo tampouco provas de intuito comercial na guarda dos animais.
8. Dessa forma, as circunstâncias dos autos apontam para a desnecessidade da aplicação da pena de multa, tendo a autoridade administrativa deixado de observar o dispositivo acima mencionado.
9. Nesse sentido, entende a Quarta Turma deste Tribunal que, “tendo em vista que as aves aprendidas não constam de listas oficiais de animais em extinção; não consta notícia de que o autor possuísse antecedentes no cometimento de infrações ambientais; a ausência de indícios de maus-tratos; a condição econômica precária do autor; há a incidência do art. 24, § 4º, do Decreto nº 6.514/2008, que permite, diante das circunstâncias do caso concreto, deixar de aplicar a pena de multa, com base no art. 29, § 2º, da Lei nº 9.605/1998.” (PJE 08062299020184058000, Apelação Cível, Desembargador Federal Bruno Leonardo Câmara Carra, 4ª Turma, j. 23/03/2021).
10. Da mesma forma, já entendeu esta 1ª Turma que “Não se deve e nem se pode afastar a benesse estatuída no art. 24, parágrafo 4º, do Decreto 6.514/08, ao prescrever que,”no caso de guarda doméstica de espécime silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode a autoridade competente, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a multa, em analogia ao disposto no parágrafo2º, do art. 29, da Lei n.º 9.605, de 1998″, em homenagem aos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88) e da legalidade estrita (art. 37, caput, da CF/88)” (PJE 00004131720174059999, AC593690/PB, Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, j. 08/02/2018, DJE 23/02/2018, p. 96).
11. Apelação provida, para julgar procedente o pedido, declarando a nulidade da multa aplicada no Auto de Infração Ambiental. Condenação do IBAMA ao pagamento de honorários advocatícios de fixados nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º do CPC, em 10% sobre o proveito econômico obtido. (TRF-5 – Ap: 08247122820194058100, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO ROBERTO MACHADO, Data de Julgamento: 13/05/2021, 1ª TURMA)
Conclusão
Embora hígido o auto de infração ambiental, a aplicação da penalidade de multa ambiental deve ser temperada pelo princípio da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, considerando a peculiaridade de cada caso.
Assim, deve ser avaliada a imposição da pena de multa ambiental diante do contexto em que se apresenta determinada situação, ponderando-se o grau de lesividade ao meio ambiente, a condição socioeconômica do autor, gravidade da conduta, indícios de comercialização ou maus tratos, para que se possa aferir a proporcionalidade entre a conduta e a punição.
O artigo 24, § 4º, do Decreto 6.514/08, no mesmo sentido que preceitua o art. 29, § 2º, da Lei 9.605/98, autoriza, na hipótese de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, que a multa ambiental possa deixar de ser aplicada.
Desse modo, uma das hipóteses que permitem a anulação da multa ambiental, além da inobservância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, é quando não se tratar de espécimes consideradas ameaçadas de extinção, somada à primariedade do infrator, e sem notícias de maus tratos ou que o infrator tenha cometido a infração para obtenção de vantagem pecuniária.