A conceituação do dano ambiental não é uma das tarefas mais fáceis. Primeiro, em razão da evolução histórica de seu conteúdo e das diferentes percepções sobre o que seria um meio ambiente equilibrado, ou seja, um dano ambiental hoje poderia não ser assim caracterizado há alguns anos.
Em um segundo momento, vale lembrar que há fatores de ordem física, química e biótica que interferem nos efeitos provocados pela ação humana no meio ambiente.
A legislação brasileira, por sua vez, considerando a dificuldade na delimitação para fins legais, conceituou, apenas, degradação ambiental como alteração adversa das características do meio ambiente” (art. 3º, II, da Lei 6.938/81) e poluição, a degradação da qualidade de ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos (art. 3º, III, da Lei 6.938/81).
Vale ressaltar, por outro lado, que apesar de não delimitar um conceito fixo, a legislação aplicada ao direito ambiental respeita a primazia do princípio do desenvolvimento sustentável, nos termos do caput do artigo 225, da Constituição Federal.
Assim sendo, a legislação não exige que se deixe intacta a Natureza ou que a qualidade ambiental deva retornar aos níveis anteriores à Revolução Industrial.
Índice
Responsabilidade administrativa de natureza subjetiva
A função do direito ambiental é justamente nortear as atividades humanas, ora impondo limites, ora induzindo comportamentos por meio de instrumentos econômicos, com o objetivo de garantir que essas atividades não causem danos[1].
Coube, então, aos doutrinadores, esta difícil tarefa. Edis Milaré[2] conceitua o dano ambiental como “lesão aos recursos ambientais, com consequente degradação – alteração adversa ou in pejus – do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida”.
Vale lembrar que nem todas alterações ecológicas constituem dano ecológico reparável diante do Direito:
Seria excessivo dizer que todas as alterações no meio ambiente vão ocasionar um prejuízo, pois dessa forma estaríamos negando a possibilidade de mudança e de inovação, isto é, estaríamos entendo que o estado adequado do meio ambiente é o imobilismo.[3]
Verificada a ocorrência ou a possibilidade de dano ambiental, de acordo com o artigo 225, §3ª, da Constituição Federal, o infrator responderá nas esferas administrativa, penal e cível, simultaneamente.
Ocorre que, para “a configuração da responsabilidade administrativa podem ser sintetizados na fórmula conduta ilícita, considerada como qualquer comportamento contrário ao ordenamento jurídico[4]”.
Tríplice responsabilidade no Direito Ambiental
Para evidenciar a diferença entre as responsabilidades no Direito Ambiental, vejamos a tabela didática abaixo:
Dano Ambiental – Tríplice responsabilização | ||
Civil | Administrativa | Penal |
Auferida de modo objetivo – teoria do risco integral – obrigação propter rem – dano imprescritível | Auferida, em regra, de modo objetivo, porém é necessária a comprovação do nexo de causalidade. Não se aplica teoria do risco integral – obrigação JAMAIS será propter rem – dano prescritível | Auferida sempre de modo subjetivo. Necessária a comprovação do nexo de causalidade. Não se aplica teoria do risco integral – obrigação JAMAIS será propter rem – dano prescritível |
Responsabilidade na esfera administrativa X esfera cível
A conduta ilícita, no entanto, na esfera administrativa, não é apurada apenas de modo objetivo, como ocorre na esfera cível, ou apenas de modo subjetivo, como no caso da esfera penal. Naquele caso, tem-se o que a doutrina denomina de sistema híbrido da responsabilidade.
Vale ressaltar, no entanto, que se não ficar devidamente comprovado o nexo de causalidade da conduta ilícita, não há que se falar em aplicação de auto de infração ambiental.
Isso porque, a responsabilidade administrativa, assim como a penal, caracteriza-se pelas suas naturezas repressivas, o que distingue da responsabilidade civil – índole reparatória.
Isso significa que, para a aplicação de uma penalidade, seja de natureza penal ou administrativa, é preciso que se configure uma conduta, omissiva ou comissiva, que, de qualquer forma, concorre para a prática da infração. Deve haver um nexo entre a autoria do fato e o dano.
O que diz a jurisprudência sobre responsabilidade administrativa ambiental
Não se comprovando o efeito nexo de causalidade entre o dano e a conduta danosa praticada, um auto de infração ambiental não pode subsistir, sob pena de violar o princípio da intranscendência das penas (art. 5º, inc. XLV, CF/88), conforme entendimento do STJ:
AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. MULTA APLICADA ADMINISTRATIVAMENTE EM RAZÃO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA EM FACE DO ADQUIRENTE DA PROPRIEDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MULTA COMO PENALIDADE ADMINISTRATIVA, DIFERENTE DA OBRIGAÇÃO CIVIL DE REPARAR O DANO.
1. Trata-se, na origem, de embargos à execução fiscal ajuizado pelo ora recorrente por figurar no polo passivo de feito executivo levado a cabo pelo Ibama para cobrar multa aplicada por infração ambiental.
2. Explica o recorrente – e faz isto desde a inicial do agravo de instrumento e das razões de apelação que resultou no acórdão ora impugnado – que o crédito executado diz respeito à violação dos arts. 37 do Decreto 3.179/99, 50 c/c 25 da Lei 9.605/98 e 14 da Lei 6.938/81, mas que o auto de infração foi lavrado em face de seu pai, que, à época, era o dono da propriedade.
3. A instância ordinária, contudo, entendeu que o caráter propter rem e solidário das obrigações ambientais seria suficiente para justificar que, mesmo a infração tendo sido cometida e lançada em face de seu pai, o ora recorrente arcasse com seu pagamento em execução fiscal.
4. Nas razões do especial, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos arts. 3º e 568, inc. I, do Código de Processo Civil (CPC) e 3º, inc. IV, e 14 da Lei n. 6.938/81, ao argumento de que lhe falece legitimidade passiva na execução fiscal levada a cabo pelo Ibama a fim de ver quitada multa aplicada em razão de infração ambiental.
5. Esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de que a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos. Foi essa a jurisprudência invocada pela origem para manter a decisão agravada.
6. O ponto controverso nestes autos, contudo, é outro. Discute-se, aqui, a possibilidade de que terceiro responda por sanção aplicada por infração ambiental.
7. A questão, portanto, não se cinge ao plano da responsabilidade civil, mas da responsabilidade administrativa por dano ambiental.
8. Pelo princípio da intranscendência das penas (art. 5º, inc. XLV, CR88), aplicável não só ao âmbito penal, mas também a todo o Direito Sancionador, não é possível ajuizar execução fiscal em face do recorrente para cobrar multa aplicada em face de condutas imputáveis a seu pai.
9. Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
10. A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, segundo o qual “[…]sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo [entre elas, frise-se, a multa], é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.
11. O art. 14, caput, também é claro: “Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: […]”.
12. Em resumo: a aplicação e a execução das penas limitam-se aos transgressores ; a reparação ambiental, de cunho civil, a seu turno, pode abranger todos os poluidores , a quem a própria legislação define como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, inc. V, do mesmo diploma normativo).
13. Note-se que nem seria necessária toda a construção doutrinária e jurisprudencial no sentido de que a obrigação civil de reparar o dano ambiental é do tipo propter rem, porque, na verdade, a própria lei já define como poluidor todo aquele que seja responsável pela degradação ambiental – e aquele que, adquirindo a propriedade, não reverte o dano ambiental, ainda que não causado por ele, já seria um responsável indireto por degradação ambiental (poluidor, pois).
14. Mas fato é que o uso do vocábulo “transgressores” no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra “poluidor” no § 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferior da vigência do princípio da intranscendência das penas: a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensa ambientais praticadas por outrem. 15. Recurso especial provido. (STJ – REsp – 1.251.697 – 12/04/2012).
A subsistência de um auto de infração ambiental com base em presunção implica em evidente violação ao princípio da intranscendência das penas, sobretudo quando não se comprova a conduta danosa praticada pelo alegado infrator.
[1] GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. São Paulo: Atlas, 2009.
[2] MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco. 7ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
[3] MACHADO, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro. 20ªed. São Paulo: Malheiros, 2012.
[4] MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco. 7ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.