O princípio constitucional da inafastabilidade do controle judicial, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988 (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”) permite a revisão judicial de qualquer ato administrativo, inclusive aqueles decorrentes do poder de polícia que resultam na lavratura de autos de infração ambiental.
No entanto, o Judiciário não ingressa no exame do mérito propriamente dito do ato administrativo, atendo-se ao exame da sua regularidade, ressalvadas as hipóteses de evidente abuso de poder, arbitrariedade ou ilegalidade perpetrada pela Administração Pública.
Embora os atos administrativos presumam-se legais e há independência entre a instância administrativa e a jurisdicional, o Poder Judiciário está obrigado a verificar o fiel cumprimento dos elementos vinculados do ato administrativo posto a seu exame, além de zelar pela observância da lei e dos princípios constitucionais da legalidade, ampla defesa e contraditório.
Em outras palavras, não compete ao Poder Judiciário imiscuir-se no mérito do processo administrativo ambiental, mas tão somente averiguar a ocorrência de vícios capazes de ensejar sua nulidade.
Índice
Revisão de autos de infração ambiental pelo Poder Judiciário
Como se sabe, o Poder Judiciário pode promover o controle de atos administrativos discricionários, quando menos para aferir eventual desvio de finalidade.
Por exemplo, em casos de prolongada mora da Administração Pública, desvio de finalidade, desproporcionalidade injustificada e acentuada, o Poder Judiciário está autorizado a intervir para controle da legalidade dos atos da Administração Pública , sem que se constitua afronta à Separação de Poderes ou indevida incursão em matéria reservada ao mérito administrativo.
Isso porque, a discricionariedade da Administração Pública não é absoluta, sendo certo que os seus desvios podem e devem ser submetidos à apreciação do Poder Judiciário, a quem cabe o controle de sua legalidade, bem como dos motivos e da finalidade dos atos praticados sob o seu manto.
Todavia, o controle dos atos discricionários pelo Poder Judiciário deve ser visto com extrema cautela, para não servir de subterfúgio para substituir uma escolha legítima da autoridade competente.
Logo, não cabe ao Magistrado, nesse contexto, declarar ilegal um ato discricionário tão só por discordar dos valores morais ou dos fundamentos invocados pela Administração, quando ambos são válidos e admissíveis perante a sociedade.
Sabe-se que a discricionariedade da Administração Pública não é absoluta, mas sua autuação é permeada por espaços em que pode atuar com discricionariedade e liberdade, dentro da legislação e dos princípios que norteiam o Direito Administrativo.
Controles dos administrativos ambientais
Os atos exarados pela Administração Pública estão sujeitos à aplicação de princípios, principalmente o da razoabilidade e da proporcionalidade.
Na esfera ambiental é plenamente possível a aplicação desses e de outros princípios, principalmente para redução do valor de multas ambientais e afastamento da pena de perdimento em casos de apreensão.
A discricionariedade da Administração Pública ao aplicar sanções administrativas encontra limites estipulados pela própria lei, ou seja, na vontade do legislador.
Em muitos casos, a lei impõe a finalidade, mas não estipula os meios a serem escolhidos pelos administradores, deixando esses a seu critério, o que não dispensa a observância aos princípios, principalmente aos já mencionados, da razoabilidade e proporcionalidade.
Portanto, há muito tempo é sabido que o Poder Judiciário pode promover o controle de atos administrativos, sejam eles vinculados ou discricionários, quando menos para aferir eventual desvio de finalidade.
Limite para o Poder Judiciário anular auto de infração ambiental
Não há dúvidas de que os atos administrativos podem passar pela revisão do Poder Judiciário, ao qual cabe julgar a ilegalidade ou abusividade de ato administrativo, não havendo afronta ao princípio da separação, independência e harmonia dos Poderes.
Isso porque o princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º , XXXV, da Constituição Federal, previu que não será excluída da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito.
O grande debate diz respeito, isso sim, à intensidade e aos critérios envolvidos no aludido controle judicial, o que é explicado por Bandeira de Mello[1]:
“Em despeito da discrição presumida na regra de direito, se o administrador houver praticado ato discrepante do único cabível, ou se tiver algum fim seguramente impróprio ante o confronto com a finalidade da norma, o Judiciário deverá prestar a adequada revisão jurisdicional, porquanto, em rigor, a Administração terá desbordado da esfera discricionária.”
De fato, Binenbojm[2] enfatiza que:
“A emergência da noção de juridicidade administrativa, com a vinculação direta da Administração à Constituição, não mais permite falar, tecnicamente, numa autêntica dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários, mas, isto sim, em diferentes graus de vinculação dos atos administrativos à juridicidade.”
A discricionariedade não é uma liberdade decisória externa ao direito, nem um campo imune ao controle jurisdicional. Ao maior ou menor grau de vinculação do administrador à juridicidade corresponderá, via de regra, maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos seus atos.
Ora. Não há como imaginar que a Administração Pública possa deliberar de qualquer modo, sem justificar suas escolhas e sem ter que prestar contas.
Convém atentar para a precisa síntese de Binenbojm[3]:
“É interessante registrar que a aplicação da teoria do desvio de poder para o controle da finalidade dos atos administrativos discricionários não importa controle do mérito propriamente dito, mas como que um estreitamento do seu âmbito. Ou seja: não se trata de controlar o núcleo da apreciação ou da escolha, mas de diminuir no espaço em que o administrador faz escolhas de acordo com a própria conveniência e oportunidade.”
O mesmo pode ser afirmado com relação às outras formas, ditas, de controle do mérito do ato administrativo, como o controle da proporcionalidade, da moralidade e da eficiência.
Neste sentido, por exemplo, não se controla o mérito do ato administrativo em descompasso com a proporcionalidade, mas apenas se reconhece que o conteúdo desproporcional do ato simplesmente não é mérito.
Em outras palavras, não há conveniência e oportunidade possível fora dos limites estabelecidos pela proporcionalidade.
Conclusão
Conclui-se ser plenamente cabível o controle judicial dos atos administrativos, mesmo quando discricionários, para anular autos de infração ambiental e outras sanções quando houver abusividade ou ilegalidade.
De fato, o Judiciário pode decidir, se for o caso, que a atuação da Administração se deu fora da esfera legal de discricionariedade, com atuação ilegítima ou desproporcional e irrazoável.
Contudo, o Poder Judiciário não pode substuir a Administração Pública, responsável por apurar a infração ambiental e aplicar as penalidades, salvo quando manifestamente ineficientes, inadequadas ou abusivas.
Portanto, ao Poder Judiciário cabe examinar a legalidade formal do processo administrativo instaurado para a prática de infração ambiental, não havendo possibilidade de ingressar no mérito do ato administrativo, devendo anulá-lo quando eivado de vício que macule sua formação.
[1] BANDEIRA DE MELLO, Celso A. Discricionariedade e controle jurisdicional. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 36.
[2] BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 208.
[3] BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 199-200.
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