O objetivo principal, quando da análise de um processo administrativo, é identificar a ocorrência de vícios, sanáveis ou insanáveis, cometidos pela Administração Pública quando da lavratura do auto de infração ou na condução do procedimento de apuração, que podem ensejar a anulação parcial ou a nulidade do processo administrativo e cujo efeito é o seu arquivamento sem a imposição de penalidades.
Essa análise deve ser realizada de maneira acurada e minuciosa, pois, como visto, são inúmeras as teses que podem alegadas em defesa do autuado.
Em suma, os cuidados que devem ser dispensados na análise do processo administrativo estão voltados especialmente a identificação de vícios, já que isso está intimamente ligado a observância das garantias constitucionais do pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, do devido processo legal, da legalidade, da motivação.
É que esses princípios não podem ser ignorados pela Administração Pública, em hipótese alguma, e visam a aplicação justa da penalidade.
Por ocasião da análise do processo administrativo sancionador ambiental deve-se verificar, basicamente, a existência dos requisitos do ato administrativo, o atendimento às fases do procedimento de apuração, bem como a obediência aos princípios administrativos e constitucionais.
Isso porque toda manifestação de vontade da Administração Pública está sujeita a uma série de requisitos, bem como porque o direito administrativo ambiental é solidificado sobre princípios, de modo que qualquer ato administrativo que se afaste deles será considerado inválido
Índice
Requisitos para a validade do ato administrativo
Os requisitos do ato administrativo são 5, sendo eles: competência, finalidade, forma, motivo e objeto.
A competência pode ser conceituada como o poder, definido em lei, para que um agente público possa realizar determinados atos administrativos.
Dessa forma, estar-se-á diante de um vício por incompetência se o ato administrativo praticado não se incluir no rol de atribuições legais do agente que o praticou.
É o caso, por exemplo, do auto de infração lavrado por técnico ambiental sem portaria de designação atribuindo-lhe a atividade de fiscalização.
Não obstante, o ato praticado por agente incompetente é vício sanável e pode ser convalidado se o agente competente assim o declarar.
A finalidade geral do ato administrativo é satisfazer ao interesse público. Já a finalidade específica é aquela que o ato administrativo deseja alcançar.
Assim, haverá desvio de finalidade se o agente de fiscalização praticar ato administrativo visando fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.
Se apresenta como um vício insanável, que não aceita convalidação. É o caso, por exemplo, do agente de fiscalização que ao lavrar auto de infração, em vez de visar a preservação do meio ambiente, busca criar empecilho a um desafeto seu.
A forma, por sua vez, está relacionada com o modo de exteriorização do ato administrativo.
Vícios do ato administrativo ambiental
Em sentido amplo, também se incluem como forma as exigências procedimentais para realização do ato, já que as formalidades estão previstas em lei e devem ser seguidas.
O vício de forma consiste, então, na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato. Admite convalidação, a depender da gravidade ou não do vício, sendo sanável.
A forma em que a autuação ambiental se exterioriza, por exemplo, é escrita, através da lavratura do auto de infração em impresso próprio, com a identificação do autuado, a descrição clara e objetiva das infrações administrativas constatadas e a indicação dos respectivos dispositivos legais e regulamentares infringidos, sem emendas ou rasuras que comprometam sua validade (art. 97, Decreto 6.514/08).
Já o motivo do ato administrativo é a situação de fato e de direito que autoriza ou obriga a sua prática.
Desta feita, a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito em que se fundamentou o ato é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido. Apresenta-se como um vício insanável.
Por fim, o objeto pode ser entendido como o conteúdo do ato administrativo, sendo considerado o efeito imediato que a administração deseja alcançar. Assim sendo, representa o resultado prático a que determinado ato administrativo conduz.
A ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo. Apresenta-se como um vício insanável.
Validade do auto de infração ambiental
Com efeito, a lavratura do auto de infração, enquanto espécie de ato administrativo, necessita atender aos requisitos supramencionados para revestir-se de validade, ou seja, deve:
- Ser produzido por agente competente, segundo a lei;
- Buscar a finalidade alinhada ao interesse público;
- Obedecer à forma prescrita em lei, se houver;
- Possuir motivo adequado à fundamentação de sua prática; e
- Ter por escopo objeto/conteúdo lícito, possível, certo/definido e moral.
Constatada a legalidade/validade da autuação, é importante verificar se houve o atendimento às fases do procedimento de apuração.
Nesse sentido, cediço que existe uma prescrição legal sobre como se proceder no processo administrativo, estabelecendo suas fases, relacionadas ao devido processo legal, que devem ser observadas para que, ao final, uma penalidade possa ser imposta.
Destaca-se que o fim último do processo administrativo, inaugurado com a lavratura do auto de infração, é a imposição de multa administrativa, a qual possui caráter penalizador e afigura-se como medida rigorosa e privativa de uma liberdade pública constitucionalmente assegurada.
Por isso, a infração imputada deve ser apurada mediante um processo que respeite todas as etapas previstas em lei, especialmente quanto a ciência e participação do autuado, garantindo-lhe todos os meios e recursos de defesa.
Qualquer violação ao devido processo legal e ao exercício do contraditório e da ampla defesa enseja a declaração de nulidade do processo administrativo.
Outrossim, na condução desse procedimento de apuração da infração ambiental devem ser respeitados os princípios administrativos e constitucionais aplicáveis à matéria ambiental, haja vista que qualquer ato administrativo que se desencontre deles será considerado inválido.
Assim, necessário verificar se o processo administrativo foi orientado pelos princípios da legalidade, finalidade, motivação, moralidade, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência (art. 95, Decreto 6.514/08 e art. 2º, Lei 9.784/99).
Isso porque uma sanção aplicada com base em portaria, decreto ou resolução ofende o princípio da legalidade, vez que somente a lei em sentido formal pode estabelecer sanção administrativa.
Assim como ofende o princípio da legalidade o auto de infração lavrado com ausência de indicação do dispositivo violado, da base de cálculo usada na imposição da multa ou da descrição clara e objetiva da infração, vez que está expressamente previsto em lei que tais requisitos são imprescindíveis de serem demonstrados pelo agente autuante.
Outros requisitos do auto de infração e processo administrativo ambiental
Por fim, vale lembrar que a ausência de motivação da decisão julgadora viola frontalmente o princípio da obrigatoriedade de motivação das decisões, na medida em que a autoridade ambiental deve demonstrar em sua decisão sancionadora que os pressupostos do auto de infração realmente existiram, bem como que estão presentes provas da materialidade, da autoria, além do nexo causal entre a conduta do autuado e o dano ambiental verificado.
Ainda, no caso de multa aberta, quando da elaboração da dosimetria da pena, a Administração Pública deve observar adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público, em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Assim como deve indicar a base de cálculo utilizada na dosimetria da multa, apontando os critérios objetivos usados para alcançar um patamar superior ao mínimo legalmente previsto, pois a majoração sem a devida justificativa ofende o princípio da motivação e configura vício de forma.
Análise correta do processo administrativo ambiental pode mostrar vícios
No mais, deve-se verificar se o processo administrativo observou os princípios do contraditório e da ampla defesa ao assegurar a devida ciência de todos os atos ao autuado e a possibilidade de ele manifestar-se em relação a eles, bem como de ter seus pedidos apreciados.
Nesse sentido, causa cerceamento de defesa, por violação às garantias do contraditório e ampla defesa, a notificação por edital sem o esgotamento das outras vias, a ausência de intimação para alegações finais, a ausência de informação quanto ao prazo recursal quando da intimação da decisão julgadora, a descrição genérica da suposta conduta infracional sem a adequada individualização da irregularidade perpetrada, entre outras.
Demais disso, deve-se observar a existência de causas que podem ensejar a apresentação de defesa direta pelo autuado, consistentes nas teses de ilegitimidade passiva, negativa de autoria, atipicidade da conduta, entre outras.
Por fim, é de suma importância verificar se os prazos estabelecidos na legislação de regência foram observados, pois embora a prescrição da atividade sancionadora da Administração Pública regule-se diretamente pelas prescrições das regras positivadas, também lhe é aplicável o critério da razoabilidade na duração do processo, previsto no inciso LXXVIII, do artigo 5º, da Constituição Federal.