É possível impetrar mandado de segurança com pedido de liminar para a restituição de bens apreendidos ao infrator ou proprietário de boa-fé o depósito do bem, na condição de fiel depositário.
Sendo lavrado o auto de infração ambiental e termo de apreensão e depósito no qual o autuado ou proprietário não é nomeado como depositário, entende-se cabível que sejam estes nomeados como fiel depositário do bem apreendido até o julgamento definitivo do processo administrativo.
Com efeito, a apreensão do instrumento utilizado na infração pode se desdobrar em depósito com o próprio órgão ambiental, ou, excepcionalmente, com terceiro, podendo este ser o próprio infrator ou terceiro que não concorreu para a infração ambiental.
Assim, a nomeação do infrator ou terceiro proprietário de boa-fé como fiel depositário configura uma faculdade da Administração Pública por se tratar de um bem que, em tese, integrará o patrimônio do Poder Público, na medida em que tomado do particular infrator, e desde que confirmados os fatos no processo administrativo ambiental.
Entretanto, não se pode estar alheio ao fato de que o cidadão se sujeite a eventuais abusos do órgão ambiental, como transcursos processuais intermináveis, ou uma indefinição quase perpétua de requerimentos, provas, ou mesmo de ter havido realmente a infração.
Nesse contexto, sendo o proprietário do bem ou não, é possível a impetração de mandado de segurança para reaver o bem apreendido, ainda que na condição de fiel depositário, como vamos explicar.
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Mandado de segurança para restituição de bem apreendido
Antes de explicarmos sobre a possibilidade de reaver bens apreendidos, ficando o proprietário como seu fiel depositário até o julgamento definitivo do processo administrativo ambiental, cumpre mencionar que o prazo do mandado de segurança para tanto é de 120 dias, conforme dispõe o art. 23 da Lei 12.016/2009:
Art. 23. O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado.
Se o mandado de segurança for impetrado após o prazo de 120 dias da apreensão do bem, restará configurada a decadência, ou seja, não mais será possível, através deste instrumento, reaver o bem apreendido, devendo ser adotada a via da ação ordinária pelo procedimento pelo comum.
Logo, no caso de mandado de segurança impetrado para restituição de bens apreendidos pela prática de infração ambiental, para evitar a decadência, deve-se formular a pretensão dentro do prazo de 120 dias, contados a partir da apreensão do bem.
Por outro lado, se o prazo para impetrar o mandado de segurança já se esgotou, recomenda-se ao infrator ou proprietário que teve seu bem apreendido, formular pedido de restituição na esfera administrativa, o qual será analisado e, se indeferida a pretensão de restituição formulada, o prazo da decadência será interrompido.
Especificamente em relação a concessão da medida liminar em mandado de segurança para restituição de bens apreendidos, o que é plenamente possível, cumpre destacar que ao impetrante (infrator) cabe demonstrar a presença de dois requisitos legais cumulativos, quais sejam:
- relevância dos motivos ou fundamentos em que se assenta o pedido inicial; e
- a possibilidade da ocorrência de lesão irreversível ao direito da parte impetrante, ou dano de difícil reparação, seja de ordem patrimonial, funcional ou moral, se for mantido o ato coator até a sentença final, ou se o provimento jurisdicional instado só lhe for reconhecido na sentença final de mérito, nos precisos termos do artigo 7º, inciso III, da Lei n. 12.016/2009.
Assim, os documentos que instruírem a petição do mandado de segurança devem demonstrar a boa aparência do direito da parte impetrante e a razoabilidade de sua pretensão a uma medida de urgência, destinada ao imediato atendimento de seu pedido liminar.
Possibilidade de apreensão de bens na prática de infração ambiental
Sobre a apreensão de bens utilizados na prática de infração ambiental, o Decreto Federal 6.514/2008 dispõe que:
Art. 101. Constatada a infração ambiental, o agente autuante, no uso do seu poder de polícia, poderá adotar as seguintes medidas administrativas:
I – apreensão; […].
Art. 102. Os animais, produtos, subprodutos, instrumentos, petrechos, veículos de qualquer natureza referidos no inciso IV do art. 72 da Lei no 9.605, de 1998, serão objeto da apreensão de que trata o inciso I do art. 101, salvo impossibilidade justificada.
Parágrafo único. A apreensão de produtos, subprodutos, instrumentos, petrechos e veículos de qualquer natureza de que trata o caput independe de sua fabricação ou utilização exclusiva para a prática de atividades ilícitas. […].
Art. 105. Os bens apreendidos deverão ficar sob a guarda do órgão ou entidade responsável pela fiscalização, podendo, excepcionalmente, ser confiados a fiel depositário, até o julgamento do processo administrativo.
Parágrafo único. Nos casos de anulação, cancelamento ou revogação da apreensão, o órgão ou a entidade ambiental responsável pela apreensão restituirá o bem no estado em que se encontra ou, na impossibilidade de fazê-lo, indenizará o proprietário pelo valor de avaliação consignado no termo de apreensão.
Art. 106. A critério da administração, o depósito de que trata o art. 105 poderá ser confiado:
I – a órgãos e entidades de caráter ambiental, beneficente, científico, cultural, educacional, hospitalar, penal e militar; ou
II – ao próprio autuado, desde que a posse dos bens ou animais não traga risco de utilização em novas infrações.
§ 1º Os órgãos e entidades públicas que se encontrarem sob a condição de depositário serão preferencialmente contemplados no caso da destinação final do bem ser a doação.
§ 2º Os bens confiados em depósito não poderão ser utilizados pelos depositários, salvo o uso lícito de veículos e embarcações pelo próprio autuado.
§ 3º A entidade fiscalizadora poderá celebrar convênios ou acordos com os órgãos e entidades públicas para garantir, após a destinação final, o repasse de verbas de ressarcimento relativas aos custos do depósito.
Recentemente (10.02.2021) o Superior Tribunal de Justiça firmou a seguinte tese a respeito da matéria versada na presente ação mandamental:
O proprietário do veículo apreendido em razão de infração de transporte irregular de madeira não titulariza direito público subjetivo de ser nomeado fiel depositário do bem, as providências dos arts. 105 e 106 do Decreto Federal n. 6.514/2008 competindo ao alvedrio da Administração Pública, em fundamentado juízo de oportunidade e de conveniência. (Tema 1.043).
Vale destacar que o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 1043, não impossibilita o Poder Judiciário de analisar a legalidade dos atos administrativos de apreensão de bens utilizados na prática de infração ambiental, em respeito ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5º, inciso XXXV).
Nomeação do infrator ambiental como fiel depositário do bem apreendido
Quando constatada a infração ambiental, o órgão ambiental está autorizado a lavrar o termo de apreensão dos bens utilizados na prática de infração ambiental, podendo nomear, excepcionalmente, o próprio autuado (infrator) como fiel depositário.
Todavia, se o infrator não for nomeado como fiel depositário, é possível impetrar mandado de segurança para restituição do bem, cuja pretensão será tão somente para que o impetrante seja nomeado depositário do bem até o fim do processo administrativo ambiental.
Vale destacar que se a parte impetrante demonstrar de forma efetiva ser a proprietária do bem apreendido em data que antecede a sua apreensão e o fato que ensejou a lavratura dos autos de infração, do termo de apreensão e de depósito, bem como, que o bem apreendido não é utilizado com a finalidade exclusiva de comentar infração ambiental, a probabilidade de reaver o bem será grande.
Do mesmo modo, são os casos em que o impetrante não foi autuado, e impetra o mandado de segurança para que seja nomeado fiel depositário do bem, comprovando suficientemente que é o proprietário do bem apreendido, assim como se apresenta terceiro de boa-fé, e que não figura dentre as pessoas que foram autuadas.
Neste caso, deve o impetrante demonstrar no âmbito da apuração da responsabilidade administrativa que concedeu o uso do bem apreendido para que terceiros o usassem, mas sem o fim exclusivo de cometer ilícito ambiental.
Se não há notícias de que o bem apreendido foi anteriormente utilizado para a prática de atividades ilícitas ambientais, a proporcionalidade adotada pelo órgão ambiental na apreensão do bem, sem que fosse confiado o depósito ao seu real proprietário restará afastada.
Vale ressaltar, porém, que o fato de o bem apreendido pertencer a terceiro não deslegitima a medida de apreensão nem aplicação da pena de perdimento ao final do processo administrativo ambiental.
No entanto, sabe-se que o contraditório e a ampla defesa são princípios fundamentais constantes no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, os quais devem ser observados em procedimentos judiciais e administrativos, sob pena de infringir outros princípios com igual status, a exemplo da dignidade da pessoa humana, princípio central do sistema jurídico pátrio.
Nesse sentido, a Administração Pública deve obedecer,, dentre outros, aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, motivação, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório e segurança jurídica.
Desse modo, se a apreensão do bem não atingir a finalidade almejada pela norma, sobretudo quando realizada em desconformidade com o estabelecido no ordenamento jurídico, restará possível reaver o bem apreendido na prática de infração ambiental, inclusive, através de mandado de segurança.