Com previsão no artigo 16 da Lei n. 6.830/80, os embargos à execução fiscal são uma ação de impugnação, cujo objeto é a desconstituição do título executivo, com a consequente extinção da execução fiscal.
A ação é proposta de maneira autônoma, com distribuição em autos apartados, mas por dependência da execução fiscal no juízo competente para a análise dos embargos (CPC, art. 55, § 2.º, inciso I).
Essa ação necessita de recolhimento de custas judiciais ou obtenção de gratuidade da justiça, e o valor da causa é o valor da dívida atualizado. Outro ponto é a necessidade de garantia, que será tratada abaixo.
O prazo para sua oposição é de 30 (trinta) dias úteis, contados a partir do depósito judicial em dinheiro, da intimação de eventual penhora realizada ou da juntada da prova da fiança bancária ou seguro garantia (LEF, art. 16).
Quanto à garantia, ela é geralmente obrigatória, por previsão expressa do § 1º do art. 16 da LEF, sob pena de inadmissão dos embargos à execução fiscal.
Sobre esse ponto, é importante esclarecer que há certa divergência doutrinária e jurisprudencial, já que desde 2006, com o advento da Lei n. 11.382, que alterou o CPC, é possível admitir embargos à execução de dívida cível independentemente de penhora ou caução.
Índice
Necessidade de garantia na execução fiscal de multa ambiental
De acordo com o CPC, a garantia da execução passou a ser requisito apenas da concessão do efeito suspensivo aos embargos, não sendo mais um requisito para a admissão e o processamento dessa ação, conforme prevê o art. 914 do CPC.
Entretanto, a jurisprudência é esmagadora no sentido da obrigatoriedade de garantia, tendo o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgado o tema na sistemática dos recursos repetitivos, decidindo pela obrigatoriedade de garantia:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. APLICABILIDADE DO ART. 739-A, §1º, DO CPC ÀS EXECUÇÕES FISCAIS. NECESSIDADE DE GARANTIA DA EXECUÇÃO E ANÁLISE DO JUIZ A RESPEITO DA RELEVÂNCIA DA ARGUMENTAÇÃO (FUMUS BONI JURIS) E DA OCORRÊNCIA DE GRAVE DANO DE DIFÍCIL OU INCERTA REPARAÇÃO (PERICULUM IN MORA) PARA A CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AOS EMBARGOS DO DEVEDOR OPOSTOS EM EXECUÇÃO FISCAL. […]
6.Em atenção ao princípio da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/73, a nova redação do art. 736, do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 – artigo que dispensa a garantia como condicionante dos embargos – não se aplica às execuções fiscais diante da presença de dispositivo específico, qual seja o art. 16, §1º da Lei n. 6.830/80, que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal. […]
7.Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008. (REsp n. 1.272.827/PE, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 22/5/2013, DJe de 31/5/2013).
Não obstante tal entendimento, defendemos a desnecessidade da garantia do juízo como forma de admissibilidade dos embargos à execução fiscal, mormente pelo fato de que a Lei de Execuções Fiscais é uma norma pré‑constitucional, que não acompanhou os avanços da Constituição Federal de 1988 e as evoluções processuais de acesso à jurisdição.
Mitigação da garantia do juízo para recebimento dos embargos à execução fiscal
Assim, defende-se a aplicabilidade do art. 914 do CPC, sendo permitida a oposição de embargos à execução fiscal independentemente de garantia, possibilitando o acesso à jurisdição a “ricos” e “pobres”.
O fato é que esse entendimento ainda não vem sendo adotado pelos tribunais, mas o Superior Tribunal de Justiça já perfilha de um entendimento sobre a mitigação de garantia quando, no caso concreto, ficar devidamente comprovada a impossibilidade de oferecimento de garantia pelo executado, conforme sedimentado no julgamento do REsp 1.487.772, objeto do Informativo de Jurisprudência 0650, de 05.07.2019, assim destacado:
Deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado inequivocadamente que o devedor não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo.
Das Informações do Inteiro Teor veiculado no Informativo colhe-se:
Inicialmente, cumpre observar que os embargos são o meio de defesa do executado contra a cobrança da dívida tributária ou não tributária da Fazenda Pública, mas que “não serão admissíveis … antes de garantida a execução” (art. 16, § 1º, da Lei n. 6.830/1980). Verifica-se, portanto, que a garantia do juízo é condição de procedibilidade dos embargos, nos termos da legislação de regência.
Com o julgamento do recurso especial 1.272.827/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, submetido ao rito dos recursos repetitivos, a Primeira Seção sedimentou orientação pelo afastamento do art. 736 do CPC/1973 (nova redação dada pela Lei 11.382/2006) às execuções fiscais.
Na ocasião, consolidou-se o entendimento segundo o qual, “em atenção ao princípio da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/1973, a nova redação do art. 736 do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 – artigo que dispensa a garantia como condicionante dos embargos – não se aplica às execuções fiscais diante da presença de dispositivo específico, qual seja, o art. 16, § 1º, da Lei n. 6.830/1980, que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal”.
Não obstante esse entendimento, vendo a questão jurídica sob outro ângulo, verifica-se que a Constituição Federal de 1988 resguarda a todos os cidadãos o direito de acesso ao Poder Judiciário, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, CF/1988), tendo esta Corte Superior, com base em tais princípios constitucionais, mitigado a obrigatoriedade de garantia integral do crédito executado para o recebimento dos embargos à execução fiscal.
E esse tema, mutatis mutandis, também foi definido na Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.127.815/SP, na sistemática dos recursos repetitivos. Conquanto o caso julgado tratasse de reforço de penhora, as razões de decidir podem ser aplicadas a todos os casos comprovados de hipossuficiência patrimonial do devedor.
Por fim, em um raciocínio sistemático da legislação federal aplicada, pelo simples fato do executado ser amparado pela gratuidade judicial não estaria autorizado a opor embargos à execução fiscal sem garantir o juízo, pois, de acordo com o disposto na Lei n. 1.060/1950, que estabelece as normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, definindo como tal aquele que não possuísse condições de arcar com as despesas processuais sem prejuízo próprio e da família, a exemplo das custas e honorários advocatícios, não há previsão expressa autorizando a oposição dos embargos sem a garantia do juízo.
Logo, pelo princípio da especialidade das leis, a conclusão que deve prevalecer é a norma impositiva da LEF, quanto à exigência da segurança do juízo.
A controvérsia, a despeito dessa conclusão, não deve ser resolvida com enfoque no fato de o executado ser beneficiário, ou não, da justiça gratuita, mas, sim, pelo lado da sua hipossuficiência, pois, se se adotar tese contrária, chegar-se-á à hipótese, como bem delineado no repetitivo citado anteriormente, “que tal implicaria em garantir o direito de defesa ao ‘rico’, que dispõe de patrimônio suficiente para segurar o Juízo, e negar o direito de defesa ao ‘pobre'”.
Ementa do julgado que mitigou a garantia do juízo
O arresto foi assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. EXECUTADO. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. PATRIMÔNIO. INEXISTÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA. EXAME. GARANTIA DO JUÍZO. AFASTAMENTO. POSSIBILIDADE. […]
4.A Constituição Federal de 1988, por sua vez, resguarda a todos os cidadãos o direito de acesso ao Poder Judiciário, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, CF/88), tendo esta Corte Superior, com base em tais princípios constitucionais, mitigado a obrigatoriedade de garantia integral do crédito executado para o recebimento dos embargos à execução fiscal, restando o tema, mutatis mutandis, também definido na Primeira Seção, no julgamento do REsp n. 1.127.815/SP, na sistemática dos recursos repetitivos.
5.Nessa linha de interpretação, deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado inequivocadamente que o devedor não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo. […]
9.In casu, a controvérsia deve ser resolvida não sob esse ângulo (do executado ser beneficiário, ou não, da justiça gratuita), mas sim, pelo lado da sua hipossuficiência, pois, adotando-se tese contrária, “tal implicaria em garantir o direito de defesa ao “rico”, que dispõe de patrimônio suficiente para segurar o juízo, e negar o direito de defesa ao “pobre”. […] (REsp n. 1.487.772/SE, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 28/5/2019, DJe de 12/6/2019).
Veja-se, portanto, que o acesso à jurisdição é devidamente garantido caso fique inequivocamente comprovada a impossibilidade de apresentar garantia, devendo o advogado juntar documentos, tais como extrato bancário, certidão negativa de imóvel e tudo o que for possível, para demonstrar que não há bens passíveis de servirem como garantia em cotejo com o valor da dívida.
Penhora parcial no curso da execução fiscal
Vale dizer, também, caso haja penhora parcial, o Superior Tribunal de Justiça admite o oferecimento de embargos, quando o devedor não dispuser de bens livres e desembaraçados, de modo a não restringir a sua defesa, não sendo possível extinguir sem resolução de mérito em razão de insuficiência de penhora (AgRg no REsp 1229532/SP, julgado pelo rito repetitivo).
Sobre o efeito suspensivo, a LEF é omissa, aplicando-se subsidiariamente o CPC nesse ponto. O fato é que os embargos à execução não têm efeito suspensivo automático, salvo se a garantia for integralmente em dinheiro ou se a execução fiscal já estiver em fase de satisfação obrigatória (adjudicação).
Não sendo em dinheiro, o embargante deverá comprovar a presença dos requisitos para a concessão da tutela provisória, podendo ser de urgência ou de evidência (CPC, arts. 300 e 311).
O que alegar contra execução fiscal
Sobre as matérias passíveis de alegação, dispõe o art. 16, § 2º, do CPC que o executado deverá alegar toda matéria útil à defesa, requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas (até três, ou, a critério do juiz, até o dobro desse limite).
Fica clara, portanto, a natureza de ação autônoma de impugnação, igualando‑se à ação de conhecimento no que toca à profundidade de teses que podem ser alegadas.
Cabem aqui, portanto, todas as alegações possíveis em direito, a exemplo de área consolidada; ausência de pousio superior a 5 anos quando se tratar de área consolidada; ausência de autoria do dano ambiental ou imputação do dano a terceiro; discussões acerca de origem de fogo, em caso de incêndios acidentais.
Também é possível alegar questões que envolvam necessidade de dilação probatória, tal como a quantificação do dano imputado; comprovação de atividade de subsistência em caso de multa aplicada anteriormente a 22 de julho de 2008.
E ainda, teses como, ausência de caracterização da vegetação; ausência de floresta para caracterizar a infração; ausência de área de preservação permanente, dentre outras que podem demandar dilação probatória.
E não se pode deixar de mencionar que cabem as teses unicamente de direito, a exemplo de prescrições, atipicidades, nulidade da CDA por motivos legais, retroatividade da norma administrativa benigna que altera o valor da multa e qualquer outra tese que venha infirmar a higidez do título executivo.
Mas atenção: se a tese for unicamente de direito e não houve penhora, bem como não existam bens para garantir a dívida, utilize a exceção de pré-executividade.
Honorários em sede de execução fiscal
Por fim, é salutar esclarecer sobre a possibilidade de existência de honorários de sucumbência nessa ação, com a aplicação integral das regras do artigo 85 do CPC. Entretanto, alguns juízes entendem que, pelo fato de a CDA já contemplar os encargos legais, não haveria condenação em honorários em caso de sucumbência do embargante.
Assim, somente se recomenda utilizar dessa via quando tiver havido penhora de bens, ou quando as chances de êxito realmente forem grandes.
Ou ainda, em caso de obtenção de gratuidade da justiça, uma vez que, em eventual sucumbência dos embargos, o embargante poderá, a depender do posicionamento do Juiz, arcar com os honorários de sucumbência, mesmo já incidindo na execução fiscal o encargo legal.
A desistência dos embargos à execução após citação do embargado também acarreta a condenação de honorários de sucumbência.
Logo, os embargos à execução fiscal são uma defesa ampla, autônoma à execução fiscal, que deve ser garantida para sua admissão (em regra) e tem custas processuais, e o embargante pode alegar todas as teses passíveis de direito.
Por fim, vale lembrar que o rito da ação é o ordinário, podendo ser arroladas, inclusive, testemunhas, sendo a defesa de maior amplitude para a proteção do executado, devendo sua utilização ser reservada para os casos em que é necessária a produção de prova, por ser um meio oneroso.