A norma incriminatória prevista no art. 55 da Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal 9.605/1998) tem a seguinte redação legal:
Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:
Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem deixa de recuperar a área pesquisada ou explorada, nos termos da autorização, permissão, licença, concessão ou determinação do órgão competente.
O licenciamento ambiental para esse tipo de atividade é, em geral, atribuído ao órgão ambiental estadual, incorrendo neste crime ambiental o agente que executa a pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem ou em desacordo com a respectiva licença ambiental.
Como se vê, o crime ambiental previsto no art. 55 da Lei 9.60598, protege o meio ambiente, que é bem pertencente a toda a coletividade, desprovido de valor econômico, sancionando a “pesquisa”, “lavra” ou “extração” de recursos minerais à revelia do órgão ambiental pertinente.
Não se ignora que seria possível a exploração mineral sem que se produza algum impacto ambiental, e, portanto, poderia dispensar o licenciamento para o exercício da lavra.
Todavia, a conduta criminalizada pressupõe que esse abalo decorra de um atuar alheio à fiscalização, ou seja, que a exploração seja clandestina ou em desacordo com as condicionantes da autorização do órgão competente para zelar pelo aspecto ambiental.
Sobreleva destacar que a incidência do tipo penal previsto no art. 55 da Lei 9.605/98 se dá com a comprovação da lavra ou extração de recursos minerais sem a devida autorização, não estando vinculado à ocorrência de resultado efetivamente danoso ao meio ambiente.
Índice
Crime de usurpação de patrimônio
É comum que quando o agente é denunciado pelo Ministério Público por praticar a conduta ilícita prevista no art. 55 da Lei de Crimes Ambientais, também conste na denúncia ministerial um pedido de condenação com base no art. 2º da Lei 8.176/91, in verbis:
Art. 2° Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. Pena: detenção, de um a cinco anos e multa.
§1° Incorre na mesma pena aquele que, sem autorização legal, adquirir, transportar, industrializar, tiver consigo, consumir ou comercializar produtos ou matéria-prima, obtidos na forma prevista no caput deste artigo.
§2° No crime definido neste artigo, a pena de multa será fixada entre dez e trezentos e sessenta dias-multa, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e a prevenção do crime.
§3° O dia-multa será fixado pelo juiz em valor não inferior a quatorze nem superior a duzentos Bônus do Tesouro Nacional (BTN).
Como se infere do tipo previsto no art. 2º da Lei 8.176/91, trata-se de um crime que tutela o patrimônio da União Federal, conceito no qual se insere os recursos minerais, tais como as areias.
Não obstante a necessidade de se preservar os recursos minerais, de propriedade da União Federal, o tipo previsto no art. 2º da Lei 8.176/91 não criminaliza qualquer exploração, mas aquela praticada clandestinamente ou em desacordo com as exigências do órgão administrativo competente para autorizá-la.
No caso, incumbe à Agência Nacional de Mineração – ANM o dever de zelar pela exploração dos recursos minerais de maneira útil e eficiente para a sociedade, coibindo a que não seja apta a tal objetivo.
O foco de atuação não é a preservação ambiental, mas a preservação da matéria prima integrante do patrimônio da União Federal.
Licença e autorização para lavra
Como é cediço, a promoção da outorga dos títulos minerários relativos à exploração e ao aproveitamento dos recursos minerais, bem como a expedição de todos os demais atos referentes à execução da legislação minerária (art. 1º da Lei 8.876), cabiam, até dezembro de 2017, ao Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, autarquia criada pela Lei 8.876/1994, regulamentada pelo Decreto 1.324/1994.
A referida autarquia foi extinta pela Lei 13.575, de 15 de dezembro de 2017, mesmo diploma legal que criou a Agência Nacional de Mineração – ANM, vinculada ao Ministério de Minas e Energia.
Existem distintos graus de autorização estatal envolvendo a atividade de mineração, e quando se tratar de execução de lavra, tem-se o conceito no artigo 36 do Decreto nº 0227/1697:
Art. 36. Entende-se por lavra o conjunto de operações coordenadas objetivando o aproveitamento industrial da jazida, desde a extração das substâncias minerais úteis que contiver, até o beneficiamento das mesmas.
Assim, quando o agente executada a lavra de recursos minerais em desacordo com as determinações legais, incide no tipo penal do art. 2º da Lei 8.176/91, e, na maioria das vezes, em concurso formal com o crime ambiental previsto no art. 55 da Lei Federal 9.605/98.
Crime de usurpação de minério e execução de lavra
O crime ambiental do art. 55, da Lei 9.605/98 pune aquele que executa pesquisa, lavra ou extrai recursos minerais sem a competente autorização ou em desacordo com a obtida.
Já o art. 2º da Lei 8.176/91 sanciona quem explora matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.
A jurisprudência tem pacificado entendimento de que os referidos delitos são distintos, haja vista a diversidade de bens jurídicos protegidos.
Na primeira imputação, o legislador teve o cuidado de proteger os recursos minerais, estabelecendo punição criminal para quem executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida.
Enquanto na segunda ele se preocupou com a matéria-prima, mais precisamente estabelecendo que constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.
Logo, não há conflito de normas entre o delito do art. 55 da Lei 9.605/98 e o delito do art. 2º da Lei 8.176/91, pois, enquanto o primeiro diploma legal incrimina as condutas lesivas ao meio ambiente, o segundo define crimes contra a ordem econômica, tendo como bem jurídico o patrimônio da União Federal.
Ocorre que, em ambos os casos, o elemento subjetivo do tipo é o dolo, ou seja, o agente deve ter a vontade livre e consciente de praticar a conduta em suas exatas circunstâncias.
Para tanto, o autor destes delitos deseja a clandestinidade, evita a fiscalização, busca exercer sua atividade lucrativa sem que as autoridades tenham conhecimento e, portanto, sem que necessite entregar quaisquer recursos aos cofres públicos, daí porque se fala em clandestinidade.
Conclusão
Conclui-se que se a clandestinidade ou irregularidade da exploração mineral decorre da ausência de autorização por parte da Agência Nacional de Mineração – ANM, ou da não observância de suas condicionantes, o agente incorre no crime de usurpação de matéria prima pertencente à União Federal previsto no art. 2º da Lei 8.176/91.
De outra parte, se o agente pratica a exploração mineral desprovido das autorizações dos órgãos ambientais, incorre no crime previsto no art. 55 da Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal 9.605/98).
Se o agente age nas duas situações, dois são os bens jurídicos afetados pela conduta, incidindo o concurso formal previsto no art. 70 do Código Penal[1].
Vale ressaltar, quanto ao concurso formal, que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que não há conflito aparente de normas entre os dispositivos legais em comento, por tutelarem bens jurídicos distintos.
Portanto, os artigos 2º da Lei 8.176/91 e 55 da Lei 9.605/98 tutelam bens jurídicos distintos: o primeiro visa a resguardar o patrimônio da União; o segundo protege o meio ambiente, o que significa que o agente pode ser denunciado e condenado em concurso formal, o que impõe a atuação de um Advogado especialista em Direito Penal Ambiental.
Feita essa análise, em um próximo artigo que iremos publicar aqui no nosso site, trataremos de como elaborar a defesa contra ação penal movida pelo Ministério Público contra um agente que pratica os crimes de usurpação de patrimônio e pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida.
[1] Art. 70 – Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.