Os órgãos ambientais quando da lavratura do auto de infração ambiental devem caracterizar o Bioma Mata Atlântica, identificando os estágios sucessionais de regeneração e as espécies que pertencem a esse bioma através de um laudo técnico que deve ser elaborado por um profissional com conhecimentos específicos na área.
Isso é necessário para demonstrar a efetiva ocorrência da infração. Logo, necessário se faz que as autoridades administrativas ambientais caracterizem o Bioma Mata Atlântica de forma correta, identificando os estágios sucessionais quando da lavratura dos autos de infração ambiental, até mesmo para permitir ao autuado o exercício ao direito do contraditório e ampla defesa.
E para este desígnio a Lei 11.428/06 que versa sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, tem por fim estipular critérios para a definição dos estágios sucessionais e espécimes de vegetação que pertencem a esse bioma.
Assim, o objetivo deste conteúdo é de informar os agentes de fiscalização no que tange a comprovação da conduta pratica contra vegetação do Bioma Mata Atlântica por configurar um requisito no auto de infração ambiental.
De outro norte, nosso objetivo também é o de orientar o autuado acerca da definição e classificação de vegetação primária e de vegetação secundária nos estágios avançado, médio e inicial de regeneração do referido Bioma, bem como das espécimes pertencentes a esse bioma que devem ser identificados pelo agente de fiscalização no momento da lavratura do auto de infração ambiental para permitir a ampla defesa.
Índice
Critério 1: identificar as formações florestais nativas e ecossistemas associados
O Decreto Federal 6.660, de 21 de novembro de 2008, regulamenta dispositivos da Lei 11.428, de 22 de dezembro de 2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, define:
Art. 1. O mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, previsto no art. 2° da Lei nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006, contempla a configuração original das seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacionai Semidecidual; Floresta Estacionai Decidual; campos de altitude; áreas das formações pioneiras, conhecidas como manguezais, restinga s, campos salinos e áreas aluviais; refúgios vegetacionais; áreas de tensão ecológica; brejos interioranos e encraves florestais, representados por disjunções de Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Aberta, Floresta Estacionai Semidecidual e Floresta Estacionai Decidual; áreas de estepe, savana e savana-estépica; e vegetação nativa das ilhas costeiras e oceânicas.
Assim, de plano, devem ser observados pelo agente de fiscalização no momento da lavratura do auto de infração ambiental para definir e classificar os vários estágios do Bioma Mata Atlântica, os seguintes parâmetros básicos (art. 4° § 2°, e seus incisos):
- Fisionomia;
- Estratos predominantes;
- Distribuição diamétrica e altura;
- Existência, diversidade e quantidade de epífitas;
- Existência, diversidade e quantidade de trepadeiras;
- Presença, ausência e características da serapilheira;
- Sub-bosque;
- Diversidade e dominância de espécies; e
- Espécies vegetais indicadoras.
Critério 2: caracterização dos estágios sucessionais do Bioma Mata Atlântica
A Lei Federal 6.938, de 31 de agosto de 1981, a qual dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, define:
Art. 8° Compete ao CONAMA: VII – estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos.
Neste aspecto o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, definiu através da Resolução 4, de 04 de maio de 1994, critérios para análise e caracterização dos estágios sucessionais do Bioma Mata Atlântica, de vegetação primária e secundária nos estágios inicial, médio e avançado de regeneração da Mata Atlântica, a qual foi convalidada pela Resolução 388, de 23 de fevereiro de 2007.
Critério 3: procedimentos técnicos que devem ser adotados pelo agente de fiscalização
Em relação à caracterização dos estágios sucessionais da vegetação nativa integrante do Bioma Mata Atlântica, deve o agente de fiscalização no momento da lavratura do auto de infração ambiental avaliar a área para a caracterização do estágio sucessional. Em seguida, deve verificar qual o tipo de intervenção realizada no local.
No próximo passo, o agente de fiscalização deve verificar a dimensão da área atingida, com o objetivo de definir o número de amostras necessárias para abranger os diferentes ambientes do local.
Na impossibilidade de a avaliação ser efetuada no local atingido, o levantamento dos dados pode ser efetuado em área contígua que detenha características fitossociológicas ao local atingido, desde que isentas, mencionando inclusive espécies exóticas ou não pertencentes ao Bioma Mata Atlântica.
Nas amostras, o agente de fiscalização ambiental deve efetuar a medida do diâmetro de todas as plantas do local que possuem diâmetro a altura do peito superior a quatro centímetros, sendo a soma dos valores dividido pelo número de indivíduos medidos, obtendo-se a média. Sendo o Diâmetro a Altura do Peito (tronco) a 1,30m de altura médio:
- Até 8cm = Estágio Inicial;
- Até 15 cm = Estágio Médio;
- Até 25 cm= Estágio Avançado.
Com as amostras colhidas, o agente deve efetuar a medida da altura de todas as plantas do local, sendo a soma dos valores dividido pelo número de indivíduos medidos, obtendo-se a média. Sendo a Altura Total Média:
- Até 4 metros de altura = Estágio Inicial;
- Até 12 metros de altura = Estágio Médio;
- Até 20 metros de altura = Estágio Avançado.
Nas amostras, deve-se verificar o aspecto da vegetação quanto à forma:
- Herbáceo: erva, planta não lenhosa, geralmente de pequeno porte, cuja porção aérea vive menos de um ano e cuja parte subterrânea pode ser perene;
- Arbustivo: vegetal lenhoso possuidor de um pequeno tronco, com ramificações desde a base, e apresentando altura compreendida entre 3-5m;
- Arbóreo: árvore, vegetal lenhoso dotado de tronco robusto, geralmente com um sistema de ramos que divergem a partir de um certo nível, de onde se dispõem as ramificações da copa.
Verificada a forma de vegetação, deve o agente de fiscalização proceder com a sua classificação da seguinte forma:
- Herbáceo/Arbustivo= Estágio Inicial;
- Predomínio arbóreo/arbustivo, possíveis indivíduos emergentes = Estágio Médio;
- Dominância do arbóreo com possíveis indivíduos emergentes = Estágio Avançado.
Nas amostras, o agente de fiscalização deve verificar a presença de vegetação no estrato inferior, vegetação que cresce sob as árvores, estratificação. Sendo classificado como:
- Ausente = Estágio Inicial;
- Presente = Estágio Médio;
- Presente, mas menos expressivo= Estágio Avançado.
Em seguida, deve verificar a presença e o aspecto das trepadeiras, planta que crescem se apoiando sobre suportes. Sendo a classificação:
- Se presentes, geralmente herbáceas = Estágio Inicial;
- Se presentes, predomínio das lenhosas = Estágio Médio;
- Geralmente lenhosas = Estágio Avançado.
O ato seguinte consiste em verificar o aspecto da diversidade da vegetação (levantar o número de indivíduos por espécies), variedade de espécies existentes dentro de uma determinada região, objetivando verificar o nível antrópico do local. Sendo classificada como:
- Poucas espécies arbóreas, podendo apresentar plântulas de espécies características de outros estágios= Estágio Inicial;
- Diversidade significativa= Estágio Médio;
- Diversidade muito grande= Estágio Avançado.
A presença de epífitas, plantas que crescem sobre outras plantas sem retirar alimento também devem ser analisadas a partir das amostras, sendo a classificação:
- Se presentes são líquens, briófitas e pteridófitas = Estágio Inicial;
- Maior número e espécies que o estágio anterior= Estágio Médio;
- Grande número de espécies e grande abundância = Estágio Avançado
A verificação da presença e aspecto da serrapilheira, camada superficial de material orgânico que recobre os solos, consistindo de folhas, caules, ramos, cascas, frutas e galhos mortos em diferentes estágios de decomposição também é importante e deve ser classificada da seguinte forma:
- Se presente em camada fina = Estágio Inicial;
- Presente e com espessura variada = Estágio Médio;
- Abundante = Estágio Avançado.
Deve-se definir as espécies indicadoras que são específicas para cada região fitoecológica:
- Floresta Ombrófila Densa
- Floresta Ombrófila Mista
- Floresta Estacionai Decidual
A verificação da área basal, que expressa em metros quadrados a área que uma ou um grupo de plantas ocupa no terreno também deve ser indicada no agente de fiscalização durante a avaliação.
Depois de avaliados todos os itens acima descritos, será possível determinar o estágio sucessional da vegetação. Para tanto, é importante que 100%· dos itens sejam analisados e constem em um documento que deve ser assinado pelo agente de fiscalização com a respectiva indicação da sua especialidade que demonstre sua capacidade técnica.
Sem essa adequada avaliação, eventual auto de infração ambiental por danificar ou destruir vegetação do Bioma Mata Atlântica, ao nosso ver, será nulo, porque sem tais informações, o autuado fica impedido de exercer o direito ao contraditório e ampla defesa, já que ele se defende dos fatos, e não capitulação legal.
Identificação dos estágios sucessionais do Bioma Mata Atlântica
Segundo Maura Campanili e Miriam Prochnow[1], a classificação das florestas primária e secundária pode ser assim definidas:
- florestas primárias: conhecida como floresta clímax ou mata virgem , aquela intocada ou aquela em que a ação humana não provocou significativas alterações das suas características originais de estrutura e de espécies, caracteriza-se ainda pela grande diversidade biológica, pela presença de árvores altas e grossas, pelo equilíbrio entre as espécies pioneiras, secundárias e climáticas, pela presença de grande número de bromélias, orquídeas, cactos e outras plantas ornamentais sobre as árvores .
- florestas secundárias: são aquelas resultantes de um processo natural de regeneração da vegetação, em áreas onde no passado houve corte raso da floresta primária. Nesses casos, quase sempre as terras foram temporariamente usadas para agricultura ou pastagem e a floresta ressurge espontaneamente após o abandono dessas atividades. Também podem ser consideradas secundárias as florestas muito descaracterizadas por exploração madeireira irracional ou por causas naturais, mesmo que nunca tenha havido corte raso e que ainda ocorram árvores remanescentes da vegetação primária.
As autoras ainda mencionam que a maioria dos remanescentes de Mata Atlântica é composta de florestas secundárias em diferentes estágios de desenvolvimento, definindo-as como:
- Estágio Inicial ou capoeirinha: surge logo após o abandono da área, geralmente vai até seis anos e em alguns casos pode durar até dez anos, em função do grau de degradação do solo ou da escassez de sementes. Possui grande quantidade de capins e samambaias de chão, predominando grandes quantidades de exemplares de árvores pioneiras de poucas espécies, a exemplo das vassouras e vassourinhas;
- Estágio médio ou capoeira: Alcança esse estágio depois dos seis anos de idade até os 15 anos. Há predominância de espécies de árvores pioneiras como as capororocas, ingás e aroeiras. A presença de capins e samambaias diminui, mas em muitos casos resta grande presença de cipós e taquaras;
- Estágio avançado ou capoeirão: Inicia depois dos 15 anos podendo levar de 60 a 200 anos para alcançar novamente o estágio semelhante à floresta primária. Nesse estágio, os capins e samambaias de chão não são mais característicos, começando a emergir espécies de árvores nobres, como canelas, cedros, sapucaias e imbuías. Nas regiões abaixo de 600 metros do nível do mar, os palmiteiros aparecem com frequência. Os cipós e taquaras passam a crescer em equilíbrio com as árvores.
Esses são os critérios necessários mínimos para a caracterização da vegetação do Bioma Mata Atlântica, seus estágios sucessionais, bem como a identificação das espécimes atingidos.
Essas informações devem constar em relatórios ou laudos elaborados para complementar o auto de infração ambiental permitindo assim, que o autuado tenha ciência exata dos fatos que lhe são imputados, pois como dito, é contra eles que irá se defender, e não da mera reprodução de texto legal.
[1] CAMPANILI, Maura; PROCHNOW, Miriam (Orgs.) Mata Atlântica: uma rede pela floresta.. Brasília: RMA, 2006. 332.