Nas últimas semanas, o Brasil tem enfrentado uma grave crise com o aumento alarmante das queimadas em várias regiões do país. Em resposta, o governo federal editou o Decreto 12.189/2024, que alterou significativamente o Decreto 6.514/2008, endurecendo as sanções administrativas relacionadas a queimadas uso de fogo e incêndios.
Embora o endurecimento das punições represente um passo necessário, é válido questionar se aumentar sanções é a melhor ou única solução para o problema das queimadas.
Em vez de focar em ações preventivas mais amplas, como o fortalecimento de políticas ambiental, investimentos em tecnologia de monitoramento e reforço do corpo de bombeiros florestais, o governo preferiu priorizar um aumento punitivo, com multas que chegam a R$ 50 milhões.
Acompanhe a seguir uma análise das mudanças no decreto e suas possíveis consequências para quem cometer infrações ambientais principalmente relacionadas com uso de fogo, queimadas e incêndios.
Você também pode acessar o Mapa Mental com as Alterações do Decreto 6.514/08 AQUI.
Índice
1. Alteração no Art. 3º – Sanções Administrativas
O Decreto 12.189/2024 promoveu uma alteração importante no artigo 3º do Decreto 6.514/2008, ampliando as possibilidades de atuação dos órgãos ambientais quanto à aplicação de medidas administrativas cautelares
Como era antes: O artigo 3º previa que os órgãos ou entidades ambientais, no exercício de seu poder de polícia, poderiam aplicar sanções para punir infrações ambientais.
Essas sanções incluíam advertências, multas (simples e diárias), apreensão de bens, entre outras, mas o foco estava exclusivamente em punir as infrações cometidas.
Como ficou agora: Com a alteração, o artigo 3º passa a incluir não só sanções, mas também medidas administrativas cautelares. Isso significa que, além de aplicar punições, os órgãos ambientais agora têm poder legal para tomar ações preventivas e urgentes para impedir que os danos ambientais se agravem enquanto o processo é conduzido.
Essas medidas cautelares podem incluir, por exemplo, a suspensão de atividades ou o embargo de áreas que estejam causando ou possam causar impacto ambiental.
Trata-se de uma mudança para atender o princípio da legalidade, porque os órgãos ambientais já aplicavam medidas cautelares mesmo antes da conclusão de processos administrativos.
2. Alteração no Art. 16, § 2º – Embargo de Obra ou Atividade
O § 2º passou a prever que não se aplicará a medida cautelar de embargo de obra, atividade ou área fora de área de preservação permanente ou reserva legal, salvo em casos de desmatamento ou queima não autorizada de vegetação nativa.
A alteração no artigo 16, § 2º, promovida pelo Decreto 12.189/2024, trouxe mudanças relevantes na forma como os órgãos ambientais podem utilizar o embargo como ferramenta de proteção ambiental.
Como era antes: O texto original usava o termo “penalidade de embargo”, o que indicava que o embargo era uma sanção aplicada após a constatação de uma infração ambiental.
Além disso, o embargo não era aplicável em áreas fora de preservação permanente ou reserva legal, sem menção clara sobre desmatamentos ou queimadas ilegais.
Como ficou agora: Com a nova redação, o embargo passa a ser considerado uma “medida administrativa cautelar”, o que muda a sua natureza de uma simples punição para uma ação preventiva e imediata.
Desse modo, o embargo pode ser utilizado não só como penalidade após o cometimento de uma infração, mas também como uma medida para prevenir maiores danos enquanto a questão é analisada ou o processo administrativo é concluído.
Além disso, foi incluída uma exceção importante: agora, mesmo que uma área não seja de preservação permanente ou reserva legal, o embargo pode ser aplicado se houver desmatamento ou queima não autorizada de vegetação nativa.
3. Inclusão do Art. 16-A – Embargo de Área Relativa a Conjunto de Polígonos
Um novo artigo, o 16-A, foi introduzido, permitindo que o órgão competente embargue áreas que correspondam a um conjunto de polígonos relacionados ao mesmo tipo de infração ambiental.
Como era antes: Não existia uma previsão clara no Decreto 6.514/2008 para embargar áreas que fossem compostas por diferentes partes ou polígonos ligados a infrações ambientais semelhantes. O embargo era mais restrito e aplicado de forma individualizada para cada infração ou área específica.
Como ficou agora: O novo artigo 16-A introduz a possibilidade de embargar conjuntos de polígonos.
Assim, o órgão ambiental pode embargar áreas diferentes que apresentem o mesmo tipo de infração ambiental, como desmatamentos ilegais ou queimadas não autorizadas, de maneira conjunta, facilitando a administração e a execução da medida.
Além disso, o artigo lista seis objetivos principais para esse tipo de embargo:
- Cessar a infração e impedir a continuidade do dano ambiental;
- Evitar que qualquer pessoa obtenha lucro ou vantagem econômica com a infração;
- Prevenir novas infrações ambientais;
- Resguardar a recuperação ambiental da área afetada;
- Garantir a reparação dos danos ambientais causados;
- Assegurar a eficácia de processos administrativos de responsabilização.
O embargo pode ser formalizado em um único termo, o que simplifica o procedimento e melhora a eficiência da aplicação da medida. Além disso, permite que os polígonos sejam agrupados por critérios geográficos ou administrativos, como biomas, estados, glebas, unidades de conservação ou imóveis.
O objetivo é cessar a infração, prevenir novas infrações, promover a recuperação ambiental e garantir o resultado prático de processos de responsabilização. Os polígonos podem ser agrupados por bioma, unidade federativa, entre outros critérios.
4. Alteração no Art. 20, §§ 1º e 2º – Prazos de Sanções Restritivas de Direito
A alteração no artigo 20 pelo Decreto 12.189/2024 trouxe mudanças importantes nos procedimentos relacionados às sanções restritivas de direito.
Como era antes: Os prazos para as sanções restritivas de direito não eram tão específicos. O prazo máximo era de até 3 anos para a sanção de proibição de contratar com a administração pública (inciso V). Além disso, a legislação não previa claramente a possibilidade de revisão do período de sanção caso o infrator corrigisse a conduta que gerou a punição.
Como ficou agora: O § 1º foi alterado para que, ao julgar o caso, a autoridade competente tenha que se manifestar expressamente sobre a aplicação das sanções restritivas de direito. Isso torna o processo mais transparente e reforça a necessidade de fundamentar as decisões.
No § 2º, foram estabelecidos prazos máximos para essas sanções: Até 5 anos para a sanção do inciso V (que impede o infrator de contratar com a administração pública); Até 10 anos para as demais sanções restritivas de direito (como a suspensão de licenças ou autorizações).
O § 3º introduz a possibilidade de revisão do período da sanção. Isso significa que, se o infrator corrigir a conduta que originou a sanção, ele pode pedir à autoridade julgadora que revise e reduza o prazo da punição, desde que siga o devido processo administrativo.
Essas mudanças agravaram o tempo de duração das sanções restritivas de direito, ao mesmo tempo que incentivam a regularização da conduta por parte do infrator, oferecendo a possibilidade de revisar o período de sanção quando há correção do problema ambiental.
5. Alteração no Art. 58 – Uso de Fogo em Áreas Agropastoris
A alteração no artigo 58 promovida pelo Decreto 12.189/2024 trouxe uma mudança direta e significativa no valor da multa aplicada para o uso de fogo em áreas agropastoris sem a devida autorização.
Como era antes: Antes da alteração, o Decreto nº 6.514/2008 previa uma multa de R$ 1.000,00 por hectare ou fração para quem utilizasse fogo nessas áreas de forma irregular. Esse valor era aplicado em casos de queimadas em áreas agrícolas ou pastoris sem autorização do órgão ambiental competente.
Como ficou agora: Com a nova redação, o valor da multa foi triplicado, passando de R$ 1.000,00 para R$ 3.000,00 por hectare ou fração, com o objetivo de desestimular o uso indevido de fogo e reduzir os riscos de incêndios e desmatamentos ilegais.
Essa elevação no valor da multa ambiental reflete uma postura mais rigorosa das autoridades ambientais principalmente diante do atual cenário de fogos, incêndios e queimadas.
6. Inclusão do Artigo 58-A – Incêndios em Florestas e Vegetação Nativa
A inclusão do artigo 58-A pelo Decreto 12.189/2024 representa a tentativa do governo de, por meio de sanções, combater aos incêndios florestais em áreas de vegetação nativa.
Como era antes: Antes da criação deste artigo, o Decreto 6.514/2008 já previa penalidades para o uso irregular de fogo, mas não havia uma multa específica para a provocação de incêndio em florestas ou vegetação nativa.
As sanções aplicadas eram mais genéricas e não distinguiam claramente o tipo de vegetação afetada, tratando de forma semelhante incêndios em diferentes tipos de áreas.
Como ficou agora: O novo artigo 58-A cria uma multa específica e mais rigorosa para quem provocar incêndios em florestas ou vegetação nativa.
A penalidade estabelecida é de R$ 10.000,00 por hectare ou fração, uma medida significativa e direcionada para proteger áreas de vegetação nativa, que são cruciais para a biodiversidade e para a regulação climática.
Essa nova multa é um reforço do governo para lidar com os incêndios em florestas nativas. Ao definir uma sanção mais pesada e específica, o governou visa desestimular práticas irresponsáveis e ilegais que resultam em grandes perdas ambientais.
7. Inclusão do Artigo 58-B – Incêndios em Florestas Cultivadas
A inclusão do artigo 58-B pelo Decreto 12.189/2024 introduz uma multa específica para quem provoca incêndios em florestas cultivadas, reforçando a fiscalização sobre essas áreas.
Como era antes: O Decreto 6.514/2008 já previa sanções para o uso irregular de fogo em áreas florestais, mas não fazia distinção entre florestas nativas e florestas cultivadas, tratando o incêndio de forma generalizada, independentemente do tipo de vegetação. Isso gerava um tratamento semelhante para infrações em áreas com diferentes características ambientais.
Como ficou agora: O novo artigo 58-B estabelece uma multa específica de R$ 5.000,00 por hectare ou fração para quem provocar incêndios em florestas cultivadas.
Florestas cultivadas são aquelas plantadas com fins econômicos ou ambientais, como plantações de eucalipto, pinus, entre outras espécies de reflorestamento.
Essa mudança diferencia o impacto do incêndio em florestas cultivadas, que embora não tenham o mesmo valor ecológico que as florestas nativas, ainda desempenham um papel importante, seja na produção de recursos ou na mitigação de impactos ambientais, como a absorção de carbono.
8. Inclusão do Artigo 58-C – Prevenção de Incêndios
A introdução do artigo 58-C pelo Decreto 12.189/2024 trouxe uma nova penalidade voltada para proprietários rurais que não implementarem ações de prevenção e combate a incêndios florestais, conforme normas do Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo.
Como era antes: Antes dessa inclusão, o Decreto 6.514/2008 já estabelecia multas e sanções para quem provocasse incêndios, mas não existia uma multa específica para quem deixasse de adotar medidas preventivas contra incêndios florestais. A legislação focava mais na punição das infrações cometidas do que na prevenção dessas ocorrências.
Como ficou agora: O novo artigo 58-C cria uma multa que varia de R$ 5.000,00 a R$ 10.000.000,00 para quem não implementar ações de prevenção e combate a incêndios florestais.
Essa obrigação recai sobre os responsáveis por imóveis rurais, que precisam seguir as normas estabelecidas pelo Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo e pelos órgãos competentes do Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente).
Com essa nova previsão, os proprietários de áreas rurais passam a ter uma responsabilidade direta não apenas de evitar incêndios, mas de tomar medidas proativas para prevenir e combater possíveis focos de fogo em suas áreas.
Portanto, a partir de agora, quem não adotar as medidas preventivas contra incêndios estará sujeito a multas que podem chegar até R$ 10 milhões.
9. Alteração no Art. 60 – Agravamento de Sanções
A alteração no artigo 60 pelo Decreto 12.189/2024 trouxe mudanças importantes nas situações em que as sanções ambientais podem ser aplicadas em dobro, visando reforçar a punição para infrações mais graves.
Como era antes: No Decreto 6.514/2008, as sanções administrativas já poderiam ser agravadas em algumas situações específicas, como em casos de uso de fogo.
No entanto, não havia uma regra clara que aplicasse a dobragem das sanções de maneira sistemática, e o texto original não mencionava explicitamente as terras indígenas como um fator de agravamento das infrações.
Como ficou agora: Com a nova redação do artigo 60, duas situações foram incluídas para a aplicação em dobro das sanções:
Infrações consumadas pelo uso de fogo: com algumas exceções, como aquelas tratadas nos artigos 46, 58, 58-A e 58, se o uso de fogo resultar na consumação da infração, a multa será duplicada.
Infrações que afetem terras indígenas: agora, sempre que uma infração ambiental impactar terras indígenas, as sanções também serão aplicadas em dobro.
Essa alteração torna a legislação mais rigorosa em casos de uso de fogo para a consumação de infrações e que afetem terras indígenas, o que novamente reflete a tentativa do governo em reduzir as queimadas e incêndios através de multas ambientais mais pesadas.
10. Alteração no Art. 79 – Descumprimento de Embargo
- A multa por descumprimento de embargo foi elevada para o intervalo de R$ 10.000,00 a R$ 10.000.000,00, com a inclusão de um parágrafo único que prevê multas para quem descumprir suspensão ou sanção restritiva de direitos.
A alteração no artigo 79 pelo Decreto nº 12.189/2024 trouxe mudanças quanto as infrações relacionadas ao descumprimento de embargos e de sanções restritivas de direitos, aumentando o rigor das penalidades.
Como era antes: O Decreto 6.514/2008 já previa multa para quem descumprisse embargo de obra, atividade ou área, mas o valor máximo da multa era mais baixo, e a lei não fazia menção expressa sobre o descumprimento de suspensão ou de sanções restritivas de direitos.
A aplicação da multa, nesses casos, era limitada a R$ 1.000.000,00, o que poderia ser insuficiente para grandes infrações ou para empresas com maior capacidade econômica.
Como ficou agora: A principal mudança foi o aumento do limite máximo da multa, que agora pode chegar até R$ 10.000.000,00 para casos de descumprimento de embargo.
Além disso, foi incluído um parágrafo único que prevê multa também para quem descumprir a suspensão de atividades ou qualquer sanção restritiva de direitos.
Isso significa que, se um infrator tiver uma atividade suspensa ou uma licença restrita e continuar operando, ele poderá ser multado dentro do mesmo patamar, ou seja, até R$ 10.000.000,00.
11. Inclusão do Artigo 83-A – Infrações Relacionadas a Produtos Sem Autorização
A introdução do artigo 83-A pelo Decreto 12.189/2024 adiciona uma nova penalidade que visa aumentar o controle sobre o uso de produtos, substâncias e espécies sem a devida autorização ambiental.
Como era antes: Antes da criação desse artigo, o Decreto 6.514/2008 já estabelecia multas para várias infrações ambientais, mas não havia uma previsão específica e direta que tratasse de forma abrangente sobre a manipulação e comércio de produtos, substâncias ou espécies sem autorização, licença ou permissão ambiental. As infrações envolvendo esses elementos eram punidas de forma mais genérica.
Como ficou agora: O novo artigo 83-A cria uma multa específica para uma série de ações irregulares relacionadas a produtos, substâncias ou espécies que não tenham a devida autorização ambiental. As condutas que passam a ser penalizadas incluem:
Comprar, vender, intermediar, utilizar, produzir, armazenar, transportar, importar, exportar, financiar e fomentar esses itens sem autorização ou em desacordo com a licença concedida.
A multa para essas infrações varia de R$ 100,00 a R$ 1.000,00 por quilograma, hectare ou unidade de medida apropriada para cada caso. Isso significa que a penalidade é aplicada com base na quantidade do produto ou na dimensão da área afetada, proporcionando uma punição proporcional ao impacto causado.
12. Inclusão do Artigo 83-B – Infrações Relacionadas a Não Reparação de Danos
A inclusão do artigo 83-B pelo Decreto 12.189/2024 estabelece novas medidas para punir a falta de reparação de danos ambientais, reforçando a responsabilização dos infratores.
Como era antes: No Decreto 6.514/2008, já havia a previsão de multas para infrações ambientais, mas não existia um dispositivo específico que tratasse da não reparação, compensação ou indenização de danos ambientais.
Assim, as penalidades eram aplicadas de forma mais genérica, e a questão da reparação não tinha um tratamento tão claro e direto.
Como ficou agora: O novo artigo 83-B cria uma multa para aqueles que, após causarem dano ambiental, não repararem, compensarem ou indenizarem o prejuízo dentro do prazo ou na forma exigida pela autoridade ambiental competente.
A multa estabelecida varia de R$ 10.000,00 a R$ 50.000.000,00, dependendo da gravidade do dano, da extensão dos impactos e da capacidade econômica do infrator.
Além disso, foi incluído o parágrafo único do artigo para declarar que a pretensão relacionada à reparação, compensação ou indenização de danos ambientais é imprescritível, ou seja, não há prazo limite para o Estado exigir que o infrator repare os danos.
Isso significa que, independentemente do tempo que tenha passado, o infrator continua obrigado a cumprir sua responsabilidade de reparar o meio ambiente ou compensar os prejuízos causados, questão que já é pacífica na jurisprudência do STJ e STF, e ainda que não fosse, não cabe a um Decreto dispor de prazo imprescritível.
13. Alteração no Art. 96 – Intimação Eletrônica
A alteração no artigo 96 pelo Decreto 12.189/2024 introduziu a possibilidade de intimação eletrônica ou por registro de acesso do autuado ao processo administrativo eletrônico, substituindo as antigas formas de intimação pessoal ou por aviso de recebimento.
Como era antes: O Decreto 6.514/2008 previa que a intimação para o infrator ambiental, ou seu representante legal, fosse feita de maneira pessoal ou por via postal com aviso de recebimento.
Como ficou agora: A nova redação do artigo 96 introduz a possibilidade de realizar a intimação eletrônica diretamente por meio de plataformas eletrônicas.
Além disso, se o autuado ou seu procurador acessar o processo administrativo eletrônico, esse acesso já será considerado como intimação válida. Dessa forma, o órgão ambiental pode substituir as formas tradicionais de intimação por métodos digitais.