Inversão e distribuição do ônus da prova. Direito ambiental.
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Inversão e distribuição do ônus da prova. Direito ambiental.
Inversão e distribuição do ônus da prova. Direito ambiental.
O regime geral, ou comum, de distribuição da carga probatória assenta-se no art. 333, caput, do Código de Processo Civil.
Trata-se de modelo abstrato, apriorístico e estático, mas não absoluto, que, por isso mesmo, sofre abrandamento pelo próprio legislador, sob o influxo do ônus dinâmico da prova, com o duplo objetivo de corrigir eventuais iniquidades práticas (a probatio diabólica, p. ex., a inviabilizar legítimas pretensões, mormente dos sujeitos vulneráveis) e instituir um ambiente ético-processual virtuoso, em cumprimento ao espírito e letra da Constituição de 1988 e das máximas do Estado Social de Direito.
Considerando que, atualmente, os interesses supraindividuais assumem especial destaque no quadro do ordenamento constitucional e infraconstitucional e do próprio funcionamento da prestação jurisdicional, impõe-se a necessidade de flexibilização do rigor da distribuição prevista no art. 333 do CPC.
Tal tarefa vem sendo levada a cabo nos vários ordenamentos jurídicos, seja de civil law, seja de common law, atentos à preocupação contemporânea com a igualdade real no processo, a solidariedade (individual e coletiva) e a busca de efetividade dos direitos pela facilitação do acesso à Justiça.
A regra geral do art. 333 do CPC comporta, pois, exceções, justificadas pela natureza dos interesses em litígio e pela real dificuldade de o lesado se desincumbir do encargo probatório, a exemplo da expressa previsão da inversão em benefício da vítima, quando hipossuficiente ou verossímil a alegação (art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor – CDC).
Cecília Matos, uma das precursoras do estudo dessa matéria no Brasil, já teve a oportunidade de indicar que:
“O direito processual civil brasileiro está vivenciando nas últimas décadas mais uma etapa de sua renovação. Muito longe do primeiro passo que proporcionou sua autonomia do direito material, ocorrida no século passado, hoje o processo se volta aos seus consumidores e à qualidade de seus resultados”.
O que traz à baila toda a problemática de sua função de “meio para a efetiva satisfação das pretensões”, sobretudo da chamada litigiosidade contida, para usar uma expressão cara ao emérito Professor Kazuo Watanabe.
Por tudo isso, “o Juiz, enquanto homem de seu tempo, deverá deixar eventuais posturas tradicionais e se armar de sensibilidade para apurar os casos em que a inversão se mostra imprescindível, sob pena de denegar a prestação juridiscional à parte vulnerável” (O ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor, in Justitia, vol 170, abril/junho, 1995, pp. 95 e 99).
Em contraposição à previsão de índole individualista-liberal estampada no CPC, na hipótese dos autos o que se tem, portanto, é uma distribuição dinâmica do ônus da prova, determinada pelo legislador, segundo a qual o encargo de provar deve ser suportado por quem melhor e mais facilmente possa fazê-lo, conforme as circunstâncias da demanda.
Do alto de sua sólida bagagem intelectual o processualista Antonio Janyr Dall’Agnol Junior indica que a solução alvitrada, em abrandamento da técnica fechada do art. 333 do CPC, “tem em vista o processo em sua concreta realidade, ignorando por completo a posição nele da parte (se autora ou se ré) ou a espécie de fato (se constitutivo, extintivo, modificativo, impeditivo)”.
Nesse novo modelo, sobressai a comprovação real do “fato, pouco releva se alegado pela parte contrária, aquele que se encontra em melhores condições de fazê-lo”.
E conclui, ancorado na moderna doutrina argentina, sobretudo nas lições de Augusto Morello e Jorge W. Peyrano: o que ocorre, na esteira de uma visão solidarista do ônus da prova e da manifestação processual do princípio da boa-fé objetiva, “é uma flexibilização da doutrina tradicional, em homenagem ao princípio da efetividade da tutela jurisdicional, na medida em que essa objetiva, sem dúvida, garantir o direito a quem realmente o titule” (Distribuição dinâmica dos ônus probatórios, in Revista dos Tribunais, vol. 788, 2001, p. 98).
Realmente, não é de hoje que Jorge W. Peyrano e seus discípulos criticam a “maneira demasiadamente rígida” das regras que disciplinam a prova, exatamente por deixarem de considerar “as circunstâncias do caso” e as “situações singulares”, o que impossibilita “servir à justiça do caso levado à instância judicial, serviço, bem sabemos, que é a meta do processo civil contemporâneo” (Jorge W. Peyrano e Julio O. Chiappini, Lineamentos de las cargas probatórias “dinâmicas”, in El Derecho: Jurisprudência General, Tomo 107, Buenos Aires, 1984, pp. 1.006/1.007).
Aqui, como em outros campos do ordenamento, os princípios da solidariedade (uma das ideias-força do nosso tempo), da cooperação e da boa-fé objetiva caminham de mãos dadas, os dois últimos como expressão concreta do primeiro, em um triunvirato que marca o Estado Social de Direito, traduzindo a fórmula política, ideológica e ética da nossa organização como povo civilizado.
O atributo social, que qualifica o modelo de Estado brasileiro adotado em 1988, eleva a uma posição de protagonista central, no plano de uma renovada fundamentação axiológica da prova, algo mais do que o simples interesse pessoal dos litigantes, que tendem, naturalmente, à defesa egoística da posição de cada um no processo.
Sem dúvida, essa visão individualista da prova, tanto mais em processos coletivos, nas palavras magistrais do meu saudoso amigo Augusto Morello, “deixa navegando a jurisdição em um mar de dúvidas”, daí a necessidade de criação de mecanismos de combate à “posição abusiva por omissão” dos sujeitos processuais e de reconstrução do princípio dispositivo (mormente nas demandas de interesse público ou de grande densidade coletiva), de forma a fazer dialogar o devido processo legal com as responsabilidades sociais de todos no processo (La Prueba: Tendencias Modernas, Buenos Aires, Abeledo Perrot, 1991, pp. 58, 60 e 63).
Em síntese, no processo civil, a técnica do ônus dinâmico da prova concretiza e aglutina os cânones da solidariedade, da facilitação do acesso à Justiça, da efetividade da prestação jurisdicional e do combate às desigualdades, bem como de um renovado due process, tudo a exigir uma genuína e sincera cooperação entre os sujeitos na demanda, tendo por aspiração final afastar a probatio diabolica do caminho dos sujeitos vulneráveis.
O legislador, diretamente na lei (= ope legis), ou por meio de poderes que atribui, específica ou genericamente, ao juiz (= ope judicis), modifica a incidência do onus probandi, transferindo-o para a parte em melhores condições de suportá-lo ou cumpri-lo eficaz e eficientemente, tanto mais em relações jurídicas nas quais ora claudiquem direitos indisponíveis ou intergeracionais, ora as vítimas transitem no universo movediço em que convergem incertezas tecnológicas, informações cobertas pelo sigilo industrial, conhecimento especializado, redes de causalidade complexa, bem como danos futuros, de manifestação diferida, protraída ou prolongada.
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