É possível opor exceção de pré-executividade em processo de execução fiscal que objetiva a cobrança de multa ambiental decorrente de infração administrativa, nos casos em que o autuado, no processo administrativo ambiental, foi intimado por edital para apresentar alegações finais e não o fez em razão de desconhecer a intimação editalícia.
Isso porque, se o autuado não teve conhecimento do ato e os autos foram julgados procedentes aplicando a sanção de multa, sem que pudesse se manifestar, a inscrição em dívida ativa com posterior ajuizamento da Execução Fiscal para satisfação de crédito não tributário é maculada por vício na origem.
Trata-se de nulidade absoluta cognoscível de ofício pelo Magistrado, que não exige instrução probatória, podendo ser atacada pela Exceção de Pré-Executividade sem garantia do juízo e caso seja rejeitada, não haverá condenação do excipiente em honorários de sucumbência.
Em muitos casos, os autos do processo administrativo estão maculados de vício consistente na intimação do autuado para apresentar alegações finais por edital, vício este que se estende de forma ainda mais gravosa à Certidão de Dívida Ativa – CDA que embasa a execução fiscal, configurando a nulidade do ato administrativo, o que, por consequência, autoriza a extinção da execução.
Logo, tratando-se de execução fiscal da Certidão de Dívida Ativa – CDA que objetiva cobrança de crédito constituído ao término do procedimento administrativo, instaurado para apurar a prática de infração ambiental relatada em auto de infração, cabível a exceção de pré-executividade, se a intimação do autuado para apresentação de alegações finais foi realizada através do Edital.
Índice
O que é exceção de pré-executividade
A exceção de pré-executividade é espécie excepcional de defesa específica do processo de execução, admitida, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, nas hipóteses em que a nulidade do título possa ser verificada de plano, bem como quanto às questões de ordem pública, pertinentes aos pressupostos processuais e às condições da ação, desde que desnecessária a dilação probatória.
Neste sentido, dispõe a Súmula 393 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, que “a exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória.”
A nulidade absoluta é matéria que deve ser reconhecida de ofício pelo Juiz, a qualquer tempo ou grau de jurisdição, de modo que é perfeitamente possível ser arguida mediante o manejo da exceção de pré-executividade.
Assim, tratando-se de questões de ordem pública e verificáveis de plano pelo Magistrado, sem a necessidade de instrução probatória, é possível manejar a exceção de pré-executividade com vistas a extinguir a execução fiscal de cobrança de multa ambiental
Se os fatos são incontroversos, ou seja, é incontroverso que o autuado, mesmo com endereço conhecido pelo órgão ambiental, foi notificado por edital para apresentação de alegações finais, no processo administrativo que culminou na CDA exequenda, via edital, a questão será passível, portanto, de impugnação através da exceção de pré-executividade, por se tratar de nulidade absoluta do ato administrativo.
Tamanha é a importância da cientificação correta do autuado para apresentar alegações finais, que o próprio IBAMA reconheceu recentemente, através de Despacho interno vinculante, a nulidade absoluta de todas as intimações realizadas por edital quando o endereço do autuado é certo e conhecido, razão pela qual afigura-se possível a oposição de exceção de pré-executividade contra execução fiscal, por ser medida cabível e célere para o que o fim almejado.
Nulidade da intimação por edital para apresentar alegações finais por edital
Se o autuado, durante o processo administrativo, foi intimado por edital para apresentar alegações finais no processo administrativo quando seu endereço era certo e conhecido, e tendo sido aplicada multa ambiental posteriormente inscrita em dívida ativa e cobrada judicialmente através de execução fiscal, nula será a intimação editalícia e consequentemente da Certidão de Dívida Ativa – CDA e da própria execução.
Ainda que o processo administrativo tenha ocorrido de forma regular até a fase de apresentação das alegações finais, se o autuado foi notificado para apresentá-las por meio de edital injustificadamente e não o faz, tal impropriedade gera prejuízo concreto à defesa, na medida em que o autuado não apresenta suas alegações finais.
Com efeito, a Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo federal, estabelece, no § 3º e § 4º do art. 26, que a intimação deve ser feita por meio que assegure a certeza da ciência do interessado, e, quando estes forem indeterminados, desconhecidos, ou tenham domicílio indefinido, a intimação deverá ser efetuada por meio de publicação oficial.
Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências. […]
3º A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.
4º No caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido, a intimação deve ser efetuada por meio de publicação oficial.
Ora. Não pode a Administração, por sua própria iniciativa, criar obstáculo à ampla defesa do autuado, o qual deve ter oportunizada a efetiva notificação pessoal ou postal para fins de manifestação quanto à autuação, para defesa e para ciência acerca de seu resultado.
Notificação por edital para alegações finais é medida excepcional
A notificação por edital constitui exceção à regra de notificação pessoal ou postal, cabível somente quando frustradas tais tentativas de intimação do autuado, ou quando estiver ele em lugar incerto e não sabido.
Isso porque, a Lei 9.784/99 deve ser aplicada privilegiando a máxima eficácia da garantia estipulada no art. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal. É o que demonstra o art. 2º, incisos X e XIII daquele diploma normativo:
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência: (…)
X – garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio.
XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.
Ora. Se o endereço do autuado for conhecido do órgão ambiental — como era no caso da Excipiente —, a intimação para apresentação de alegações finais somente pode ocorrer pela via editalícia, se frustradas todas as tentativas de intimação pessoal ou postal.
O que diz a jurisprudência sobre intimação do autuado por edital
A jurisprudência do e. TRF-4 é pacífica de que a intimação do autuado por edital para apresentar alegações finais é exceção, e com base nisso, entende cabível a extinção da execução fiscal que cobra multa ambiental, ante a nulidade absoluta da intimação no processo administrativo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. IBAMA. MULTA ADMINISTRATIVA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. NOTIFICAÇÃO POR EDITAL. ALEGAÇÕES FINAIS. CERCEAMENTO DE DEFESA. 1. Segundo o art. 26 da Lei nº 9.784/99, a intimação para ciência de decisão ou efetivação de diligências deve ser realizada através de meio que “assegure a certeza da ciência do interessado”, somente justificada a utilização de edital na hipótese de “interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido”. 2. No caso dos autos, o exequente tinha ciência do endereço do autuado, não se legitimando a intimação para apresentação de alegações finais via edital, pois, não havendo, até aquele momento, qualquer indício de que o interessado tivesse endereço incerto ou indefinido. 3. Reconhecida a nulidade do processo administrativo a partir da notificação para apresentação de alegações finais por violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório. 4. Agravo de instrumento provido. (TRF4, AG 5019614-19.2021.4.04.0000, PRIMEIRA TURMA, Relatora LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, juntado aos autos em 26/08/2021).
O Superior Tribunal de Justiça, a seu turno, em recente julgado ratificou entendimento pretérito declarando nulidade da notificação ficta de interessado determinado, conhecido ou que tenha domicílio definido.
Por assim dizer, reforçou que a intimação dos atos administrativos dar-se-á por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou por qualquer outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado:
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. INFRAÇÃO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. ALEGAÇÕES FINAIS. INTIMAÇÃO POR EDITAL. DEVIDO PROCESSO LEGAL. VIOLAÇÃO. RECONHECIMENTO. 1. “É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual tratando-se de interessado determinado, conhecido ou que tenha domicílio definido, a intimação dos atos administrativos dar-se-á por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou por qualquer outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado” (AgInt no REsp 1.374.345/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/08/2016, DJe 26/08/2016). 2. Na hipótese, em procedimento administrativo em cujo bojo foi imposta multa por infração ambiental, o Regional compreendeu que a previsão contida no parágrafo único do art. 122 do Decreto n. 6.514/2008 – intimação do interessado para apresentar alegações finais mediante edital afixado na sede administrativa do órgão – extrapola o disposto na Lei n. 9.784/1999 e viola “flagrantemente o princípio do devido processo legal administrativo, eis que contrário à ampla defesa e ao contraditório”. 3. A compreensão firmada na origem se amolda ao entendimento firmado nesta Corte Superior, em casos análogos ao presente, de que é necessária a ciência inequívoca do interessado das decisões e atos praticados no bojo de processos administrativos, conforme determina o art. 26 da Lei n. 9.784/1999, sob pena de malograr o devido processo legal. 4. Agravo desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.701.715/ES, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 30/8/2021, DJe de 8/9/2021.).
Os precedentes acima esclarecem não apenas o cabimento de exceção de pré-executividade, mas também a flagrante nulidade do processo administrativo que origina a Certidão de Dívida Ativa – CDA quando o autuado, apesar de possuir endereço certo e conhecido, é intimado para apresentar alegações finais por edital, acarretando em grave prejuízo à sua ampla defesa e contraditório.
Conhecido o endereço do autuado, é indispensável tentativa de intimação pessoal para qualquer ato do processo administrativo, pois o artigo 26 da Lei 9.784/98 autoriza a intimação por edital apenas em caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido.
A regra que previa a intimação por edital para alegações finais no procedimento ambiental prevista em norma de hierarquia inferior (Decreto 6.514/2008), apesar de ter sofrido modificações, não prepondera sobre as disposições da lei.
IBAMA reconhece nulidade de intimação por edital para alegações finais
Recentemente, o Despacho 11996516/2022-GABIN, de lavra do Presidente do IBAMA e com caráter vinculante[1] no âmbito do órgão, uniformizou o entendimento de que é nula a notificação por edital para apresentação de alegações finais quando o administrado não é indeterminado, desconhecido ou com domicílio indefinido.
O texto do Despacho vinculante, em sua conclusão, não poderia ser mais claro:
(a) a nulidade da notificação por edital para apresentação de alegações finais quando o administrado não é indeterminado, desconhecido ou com domicílio indefinido (local incerto e não sabido) (Lei 9.784/99, art. 26, § 3º, 4º e 5º), sendo inválida a intimação por edital efetuada nos moldes previstos na revogada redação do artigo 122 do Decreto 6.514/08 e, consequentemente, inválida a OJN 27/2011/PFE-IBAMA. Se houver o reconhecimento de tal nulidade após o julgamento de primeira instância, faz-se necessária a manutenção, ainda que parcial, do auto de infração não reconhecido expressamente pelo autuado;
(b) a nulidade da intimação gera a anulação de todos os atos processuais subsequentes, que não surtem efeitos jurídicos, nem mesmo para interromper eventual prescrição da pretensão punitiva ou da intercorrente pois não se admite que atos nulos gerem efeito interruptivo da prescrição. Invalidade dos itens 115-117 da OJN 06/2009/PFE-IBAMA e a consequente necessidade de revisão parcial do Parecer 47/2013/DIGEVAT/CGCOB/PGF;
Ademais, vale trazer também o teor do recente Despacho n. 12449655/2022-SIAM (também em anexo), da Superintendência de Apuração de Infrações Ambientais do IBAMA (que não deixa margem para dúvidas quanto aos efeitos vinculantes do Despacho presidencial):
Aos integrantes da Enis,
Em atenção ao Despacho GN-I (12354580) esclareço que o Despacho Gabin (11996516) possui efeito vinculante. O art. 30 do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 estabelece que:
Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.
Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão.
(…) Além disso, ao citar o art. 23 do Decreto nº 9.830/2019 e o art. 30 da Lindb, o Presidente não teve outra intenção a não ser estabelecer o caráter vinculante. Vale ressaltar que o simples fato do dirigente máximo responder uma consulta já seria suficiente para estabelecer o caráter vinculante à resposta.
Diante do exposto, não há dúvida quanto ao efeito vinculante do Despacho GABIN (11996516), que poderá ser revisto a depender da manifestação da CGCOB.
Diante desse cenário, há nulidade da notificação por edital para apresentação de alegações finais e, consequentemente, de todos os atos administrativos subsequentes.
Consequência da nulidade absoluta: prescrição
Se a notificação para apresentar alegações finais foi realizada por edital e ser considerada nula, deve-se perquirir a incidência da prescrição da pretensão punitiva e prescrição intercorrente.
Com efeito, a nulidade da intimação gera a anulação de todos os atos processuais subsequentes, que não surtem efeitos jurídicos, nem mesmo para interromper eventual prescrição da pretensão punitiva ou da intercorrente pois não se admite que atos nulos gerem efeito interruptivo da prescrição.
Conforme consta do Despacho 11996516/2022-GABIN, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça -STJ há tempo consagra esse entendimento:
[…] 3. Reluz no plano do Direito que, a anulação do Processo Administrativo implica na perda da eficácia de todos os seus atos, e no desaparecimento de seus efeitos do mundo jurídico, o que resulta na inexistência do marco interruptivo do prazo prescricional (art. 142, § 3 o da Lei 8.112/90), que terá como termo inicial, portanto, a data em que a Administração tomou conhecimento dos fatos. [STJ, 3ª S., v.u., MS 13.242, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 05/12/2008, DJe 19/12/2008]
[…] 2. A Terceira Seção desta Corte tem entendimento no sentido de que o anterior processo administrativo disciplinar declarado nulo, por importar em sua exclusão do mundo jurídico e consequente perda de eficácia de todos os seus atos, não tem o condão de interromper o prazo prescricional da pretensão punitiva estatal, que deverá ter como termo inicial, portanto, a data em a Administração tomou ciência dos fatos. [STJ, 3ª S., v.u., MS 13.703, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. em 24/03/2010, DJe 07/04/2010].
Assim, se o processo administrativo é nulo a partir da notificação editalícia, pode ter-se configurado tanto a prescrição intercorrente como a prescrição da pretensão punitiva. Mas isso depende da análise do caso, que deve ser realizada por um advogado especialista em Direito Ambiental.
Assim, uma vez reconhecida a nulidade absoluta do processo administrativo, é certo que também pode ser reconhecida, como sua consequência, tanto a prescrição punitiva do estado, quanto a intercorrente.
Conclusão
Como visto, a intimação por edital somente deve ser usada em caráter subsidiário em relação à intimação por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado (Lei 9.784/99, art. 26, § 3º).
A nulidade da notificação editalícia e suas decorrências são determinadas por lei, pela jurisprudência e por decisões administrativas do próprio IBAMA, podendo ser reconhecida tanto na esfera administrativa como judicial, sendo nesta, cabível a exceção de pré-executividade para reconhecimento da nulidade ocorrida no processo administrativo que maculou todos os atos daí em diante.
Se não houver fundamento ou justificativa para realização de intimação ficta do autuado, estar-se-á diante de irregularidade no processo administrativo que se estende de maneira ainda mais gravosa à Certidão de Dívida Ativa – CDA, acarretando na extinção da execução fiscal por vício na origem do crédito.
Portanto, se o órgão possui o endereço do autuado e opta por notificá-lo para apresentação das alegações finais por meio de edital, hipótese excepcional que só pode ser utilizada quando frustradas as demais modalidades previstas na legislação, há cerceamento de defesa e o ato é nulo, o que acarreta na nulidade da própria execução fiscal.
[1] Conforme o Ofício-Circular n. 5/2022/SIAM (também em anexo) enviado em 06/04/2022 pela Superintendência de Apuração de Infrações Ambientais do IBAMA a todas as Superintendências estaduais, “2. O Presidente se manifestou por meio do Despacho GABIN (11996516) e manteve, mediante justificativa, o posicionamento pela invalidade da notificação por edital para alegações finais. Além disso, encaminhou para a PFE-Ibama enviar à Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos (CGCOB) da PGF para eventual ratificação do entendimento. 3. Vale ressaltar que o Presidente estabeleceu efeito vinculante ao Despacho GABIN (11996516) conforme previsão do artigo 23 do Decreto 9.830/2019, que possibilita a edição de enunciados para vincular a própria entidade e os seus órgãos subordinados, na esteira do artigo 30 da Lindb. Assim, as análises deverão seguir a orientação contida no citado Despacho”.
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Parabéns Dr., excelente explanação sobre o tema!