A Justiça Federal somente detém competência para julgar crimes ambientais quando praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, de suas entidades autárquicas ou de empresas públicas federais, a teor do que dispõe o art. 109, inciso IV, da Constituição Federal.
A preservação do meio ambiente é matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do art. 23, incisos VI e VII, da Constituição Federal.
Ocorre que, não há que se confundir patrimônio nacional com bem da União, porque aquela locução revela mera proclamação de defesa de interesses do Brasil diante de eventuais ingerências estrangeiras.
Desse modo, se o crime de desmatamento ocorrido em propriedade particular, não há se falar em lesão a bem da União, e se o crime ambiental não foi praticado em detrimento da União, não há se falar em competência da Justiça Federal.
Índice
Competência da Justiça Federal
A questão aqui analisada é sobre a competência para processar e julgar o crime ambiental de desmatamento de árvores da Floresta Amazônica, constantes de terreno objeto de propriedade particular.
São comuns os entendimentos, em especial do Ministério Público Federal, com intuito de defender a competência da Justiça Federal, aponta que a Floresta Amazônica seria bem da União porque compõe o patrimônio nacional, a teor do parágrafo 4º do art. 225 da Constituição Federal.
Ocorre que, em regra, pela Justiça Estadual, a competência da Justiça Federal surge apenas quando houver configurado, em tese, violação a bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas.
Desse modo, o interesse genérico, mediato ou indireto da União, não é o bastante para atrair a competência da Justiça Federal.
Vale destacar, que a atividade de fiscalização ambiental exercida pelo IBAMA ou ICMBio, ainda que relativa ao cumprimento a Lei de Crimes Ambientais, configura interesse genérico, mediato ou indireto da União, para os fins do art. 109, IV, da Constituição.
Com efeito, somente a presença de interesse direto e específico da União, de suas entidades autárquicas e empresas públicas, constitui pressuposto para que ocorra a competência da Justiça Federal prevista no art. 109, IV, da Constituição.
Competência para julgar crime ambiental na Mata Atlântica
Sem delongas, a Mata Atlântica integra o patrimônio nacional a que alude o art. 225, parágrafo 4º, da Constituição Federal, as não é bem da União.
Isso significa que em crimes ambientais ocorridos na Mata Atlântica, o interesse da União, para que ocorra a competência da Justiça Federal prevista no art. 109, IV, da Carta Magna tem de ser direto e específico, e não interesse genérico da coletividade, embora aí também incluído genericamente o interesse da União.
Consequentemente, a competência é da Justiça Comum estadual, porque a simples circunstância de se tratar de Mata Atlântica não tem o condão de deslocar a competência para a Justiça Federal, sobretudo nos casos em que a área se constituir como particular, hipótese em que não há interesse direto e específico da União.
Como definir se a competência para julgar crime ambiental é federal ou estadual
Para se definir a competência da Justiça Federal ou Estadual, é importante precisar qual é o conceito de patrimônio nacional , contido no 4.º do art. 225 da Constituição Federal:
4º – A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
Sobre o tema, ensina José Afonso da Silva[1] destaca:
Declara a Constituição que os complexos ecossistemas referidos no seu art. 225, 4.º, são patrimônio nacional . Isso não significa transferir para a União o domínio sobre as áreas particulares, estaduais e municipais situadas nas regiões mencionadas.
Na verdade, o significado primeiro e político da declaração constitucional de que aqueles ecossistemas florestais constituem patrimônio nacional está em que não se admite qualquer forma de internacionalização da Amazônia ou de qualquer outra área.
A locução patrimônio nacional revela espécie de proclamação, concitando todos à defesa de tais ecossistemas tão importantes para o Brasil.
Todavia, tal não conduz, ipso iuris, à competência da Justiça Federal. Até mesmo porque, como salientado por José Afonso da Silva, haverá casos em que o particular será dono de parcelas de tais trechos geográficos.
Logo, não se está diante de bem da União, mas do próprio particular, sobre o qual vige significativa limitação do exercício do domínio.
Floresta Amazônica não é bem da União
A despeito de a Floresta Amazônica ser patrimônio nacional, em seu bojo foram constituídos parques nacionais e estaduais.
Por exemplo, sendo praticado o crime de desmatamento no Parque Estadual, dúvidas não há de que a competência para apreciar o feito é da Justiça Estadual do Amazonas.
Por outro lado, sendo praticado delito semelhante no Parque Nacional, a competência, aí sim, seria da Justiça Federal.
É importante consignar que a simples atuação de órgão federal ou estadual na Floresta Amazônica, fiscalizando o comportamento do infrator, por si só não é suficiente para caracterizar a competência federal ou estadual.
Se o crime ambiental não foi praticado contra bens da União, a competência não é da Justiça Federal, e sim da Justiça Estadual.
Conclusão
Uma vez que o crime ambiental tenha ocorrido em área específica que importe em bens da União, subsiste assim o interesse direto e específico da União na causa, a atrair a competência da Justiça Federal para o deslinde do feito.
Logo, se o crime ambiental provocou alterações nas características naturais que, não a teor do art. 225, § 4º da Constituição Federal, mas se trata de interesse federal, então está-se diante de ação que merece guarida perante a Justiça Federal, do art. 109, IV, da Constituição Federal.
Com efeito, a competência da Justiça Federal aplica-se aos crimes ambientais que também se enquadrem nas hipóteses previstas na Constituição, a saber:
(a) a conduta atentar contra bens, serviços ou interesses diretos e específicos da União ou de suas entidades autárquicas;
(b) os delitos, previstos tanto no direito interno quanto em tratado ou convenção internacional, tiverem iniciada a execução no país, mas o resultado tenha Supremo Tribunal Federal ou devesse ter ocorrido no estrangeiro – ou na hipótese inversa;
(c) tiverem sido cometidos a bordo de navios ou aeronaves;
(d) houver grave violação de direitos humanos; ou ainda
(e) guardarem conexão ou continência com outro crime de competência federal; ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral, conforme previsão expressa da Constituição.
Portanto, para que se reconheça a competência da Justiça Federal em crimes ambientais, é necessário que se verifique a existência efetiva de dano a bens, serviços ou interesse da União, não sendo suficiente para tal fim o fato de o delito ter sido praticado em rio federal.
[1] Comentário contextual à Constituição. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 844