A fixação do valor da multa ambiental imposta ao infrator com base no art. 47, do Decreto 6.514/2008, apesar de prever multa fechada de R$ 300,00 por metro cúbico, não pode fugir da baliza legal que impõe observância a critérios definidos em Lei para dosimetria da multa.
Entre os requisitos que devem ser observados pelo agente de fiscalização, ao lavrar o auto de infração ambiental, estão a gravidade dos fatos, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente; os antecedentes do infrator, quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; e, principalmente, a situação econômica do infrator.
A partir desses requisitos é que o agente de fiscalização ambiental deve indicar o valor da multa ambiental, não podendo ela ser desproporcional, excessiva, abusiva ou imposta em contrariedade com os fatos constatados.
Índice
O que diz o artigo 47 do Decreto 6.514/08
O art. 47 do Decreto 6.514/08 é o principal motivo pelo qual as pessoas físicas e jurídicas que atuam no setor madeireiro são autuadas. A redação do citado dispositivo é a seguinte:
Art. 47. Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira serrada ou em tora, lenha, carvão ou outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento:
Multa de R$ 300,00 (trezentos reais) por unidade, estéreo, quilo, mdc ou metro cúbico aferido pelo método geométrico.
§ 1o Incorre nas mesmas multas quem vende, expõe à venda, tem em depósito, transporta ou guarda madeira, lenha, carvão ou outros produtos de origem vegetal, sem licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento, outorgada pela autoridade competente ou em desacordo com a obtida.
§ 2o Considera-se licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento aquela cuja autenticidade seja confirmada pelos sistemas de controle eletrônico oficiais, inclusive no que diz respeito à quantidade e espécie autorizada para transporte e armazenamento.
§ 3o Nas infrações de transporte, caso a quantidade ou espécie constatada no ato fiscalizatório esteja em desacordo com o autorizado pela autoridade ambiental competente, o agente autuante promoverá a autuação considerando a totalidade do objeto da fiscalização.
§ 4o Para as demais infrações previstas neste artigo, o agente autuante promoverá a autuação considerando o volume integral de madeira, lenha, carvão ou outros produtos de origem vegetal que não guarde correspondência com aquele autorizado pela autoridade ambiental competente, em razão da quantidade ou espécie.
Veja-se que, apesar de o valor da multa ambiental ser de R$ 300,00 por unidade, estéreo, quilo, mdc ou metro cúbico aferido pelo método geométrico, sua imposição ao infrator deve respeitar os critérios ante mencionados, os quais servem de baliza para a dosimetria da sanção de multa.
Logo, a fixação do valor da multa ambiental imposta ao infrator será considerada de valor excessivo, ainda que aplicada de acordo com o critério objetivo previsto art. 47, do Decreto 6.514/2008 que prevê multa fechada de R$ 300,00 por metro cúbico, porque o agente fiscalizador, ao apurá-la, não pode fugir da observância aos critérios para dosimetria da pena de multa.
Multa aplicada por metro cúbico
Quando a multa ambiental é aplicada sem que fossem considerados os critérios estabelecidos pelo art. 6º da Lei 9.605/98, haverá violação aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, ante o excesso na dosimetria da multa.
De fato, o valor da multa ambiental prevista no art. 47 do Decreto 6.514/08 é fechada, prevendo a quantia de R$ 300,00 (trezentos reais) por unidade, estéreo, quilo, mdc ou metro cúbico aferido pelo método geométrico.
Todavia, ainda que o agente de fiscalização aplique multa considerando o valor fechado previsto no artigo 47 por metro cúbico, restará ultrapassado os limites da razoabilidade e da proporcionalidade, culminando multa ambiental de valor exorbitante, tendo em vista a inobservância dos critérios legais de dosimetria.
Celso Antônio Bandeira de Mello[1] afirma que “as multas têm que atender ao princípio da proporcionalidade, sem o que serão inválidas. Além disto, por muito grave que haja sido a infração, as multas não podem ser “confiscatórias”.
Por ter caráter cominatório e objetivar aplicar uma sanção ao administrado por ter infringido uma norma de direito ambiental, é possível afirmar que, o quantum aplicado foi desproporcional e irrazoável. Isto porque como ato administrativo que é, deve ser capaz de atingir os fins pretendidos e não unicamente punir.
Vale observar que quando se tratar de Empresa, é necessário que o agente de fiscalização verifique o seu porte, enquadramento e receita bruta no exercício anterior ao da autuação, a fim de que possa estabelecer o adequado o valor da multa ambiental, sem excessos.
Requisitos para dosimetria da multa ambiental
Seguindo-se esta linha, ao invés de surtir um efeito cominatório diante da ilegalidade, a multa imposta poderá representar um impedimento para a continuidade da empresa.
É justamente visando evitar este tipo de situação que o art. 6º da Lei 9.605/98 prescreve os critérios de observância obrigatória para imposição de multa ambiental:
Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:
I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente;
II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;
III – a situação econômica do infrator, no caso de multa.
Ao autuar uma empresa ou pessoa física com multa em patamar elevado, sem considerar, a capacidade econômica e os antecedentes do infrator, age em total descompasso com os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Isso porque, na maioria das multas ambientais, a situação econômica do infrator não comporta o pagamento de multa em montante exorbitante sem que tenha sua existência inviabilizada.
Dessa forma, tendo em vista que o ato administrativo não deve ser apenas contrastado com o princípio da legalidade, mas também deverá ser valorado sob o enfoque dos demais princípios de igual hierarquia, dentre eles o da boa-fé, razoabilidade e proporcionalidade, a multa ambiental deve ser reduzida.
O que diz a jurisprudência sobre redução de multa ambiental
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ é no sentido de que a multa ambiental pode ser reduzida pelo Poder Judiciário sempre imposta em excesso:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO AMBIENTAL. MULTA APLICADA. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DE VALORES EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ.
1. Os atos tidos como discricionários, exercidos pela Administração Pública, devem, ao fixar o quantum de multa ou qualquer outra penalidade, guardar os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, pois, quando exorbitantes, permitem que o Poder Judiciário adeque-os a fim de evitar desequilíbrios inaceitáveis entre a Administração e administrados.
2. O Tribunal de origem, soberano na análise das circunstâncias fáticas e probatórias da causa, ao negar provimento à apelação, entendeu que a multa aplicada pelo recorrente revela-se exorbitante e que a redução aplicada pelo magistrado mostra-se proporcional e razoável.
3. Portanto, modificar o acórdão recorrido, como pretende o recorrente, no sentido de que o valor da multa arbitrada (R$1.480.800,00) encontra-se em um patamar razoável, demandaria o reexame de todo o contexto fático-probatório dos autos, o que é defeso a esta Corte em vista do óbice da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido
(STJ, AgRg no AREsp 419651, Segunda Turma, DJE 16/12/2013).
Jurisprudência regional sobre redução de multa aplicada por metro cúbico
AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO. DOCUMENTO DE ORIGEM FLORESTAL. NÃO EMISSÃO. MULTA.
Sentença que reduz multa ambiental aplicada por conta da venda de madeiras sem emissão do Documento de Origem Florestal (DOF). Reexame necessário (CPC, art. 475).
Apelação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) defendendo a estrita observância do critério objetivo estabelecido no art. 47 do Decreto 6.514/08 para fixação da multa, qual seja: trezentos reais por m³. Recurso adesivo da autora reafirmando: a) a inocorrência do fato gerador da multa; b) a ausência de dolo na não emissão dos DOFs; c) o cometimento de erro escusável; d) a inexistência de notificação oficial da irregularidade previamente à aplicação da multa; e) a exorbitância do valor da multa; f) a possibilidade de conversão da multa em prestação alternativa; e g) a má-fé do Ibama, ao apresentar documentos diversos dos solicitados pelo Juízo.
A aplicação de penalidades administrativas por infração ambiental “não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano” (REsp nº 1.251.697/PR, STJ, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 17/4/12).
Tanto na imposição quanto na gradação da penalidade administrativa, hão de ser considerados: a gravidade do fato, os antecedentes e a situação econômica do infrator (Lei 9.605/98, art. 6º).
A imposição da multa por infração ambiental prescinde e independe de prévia advertência. Esta, efetivamente, constitui sanção autônoma, aplicável apenas às “infrações administrativas de menor lesividade ao meio ambiente”, como tais consideradas “aquelas em que a multa máxima cominada não ultrapasse o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), ou que, no caso de multa por unidade de medida, a multa aplicável não exceda o valor referido” (Decreto 6.514/08, art. 5º, § 1º).
Por sua vez, a conversão de multa em prestação de serviço é faculdade exclusiva da Administração, cujos critérios de conveniência e oportunidade não podem ser substituídos pelo Judiciário (Decreto 6.514/08, art. 139).
Caso em que a autora, empresa de reduzido porte econômico, deixou de providenciar a emissão dos DOFs que dariam cobertura à venda de 3.737,2503 m³ de madeira, não porque pretendesse esconder as transações comerciais, mas apenas por apego a rotinas ultrapassadas, em face da incerteza quanto à operacionalidade do sistema de controle eletrônico então recém implantado e ainda estranho para a própria Administração. Omissão sem consequências ambientais, porquanto as vendas das madeiras não deixaram de ser informadas, embora por meio antiquado.
Remessa oficial e apelação do Ibama não providos. Recurso adesivo da autora provido, em parte, para reduzir o valor da multa para R$ 11.211,75 e, consequentemente, condenar a ré aos ônus sucumbência. Honorários advocatícios arbitrados em três mil reais.” (Processo n.º 0800123-85.2013.4.05.8001, Rel. Des. Fed. Manoel Erhardt, TRF5 – 1ª. T., j. 23/07/2015).
Conclusão
O ato administrativo não está regido apenas pelo princípio da legalidade (critério objetivo da fixação da multa ambiental), mas também pela razoabilidade e proporcionalidade, princípios estes de igual hierarquia, uma vez que eles estão encartados implicitamente na Constituição Federal por meio do devido processo legal substantivo[2] (art. 5º, LIV).
Todavia, tanto na imposição quanto na gradação da penalidade administrativa, hão de ser considerados: a gravidade do fato, os antecedentes e a situação econômica do infrator (Lei 9.605/98, art. 6º).
Significa dizer que a fixação do valor da multa ambiental imposta ao infrator que infringir o art. 47, do Decreto 6.514/2008 não deve apenas seguir o critério objetivo que prevê multa fechada de R$ 300,00 por metro cúbico, mas sim, observar os critérios definidos em Lei para cada caso.
Logo, é razoável e proporcional a redução da multa ambiental quando aplicada fixada em patamar tão elevado que ao invés de servir para coibir a prática de novas infrações da mesma natureza, inviabilize a atividade empresária ou o sustento do infrator.
[1] MELLO, Celso A. B. Curso de direito Administrativo. 26ª ed. Editora Malheiros: São Paulo, 2009. Pág. 856.
[2] Cf. Para Luís Roberto Barroso, o princípio da razoabilidade integra o direito brasileiro, seja na linha de concepção germânica, seja na de influência norte- americana, sendo certo que, de acordo com esta última, ele é extraído da cláusula do devido processo legal, em que a razoabilidade das leis se torna exigível por força do caráter substantivo que se deve dar à cláusula. (Interpretação e Aplicação da Constituição, 3ª ed. Saraiva, p. 228).