O Direito ambiental sempre foi muito visto como um direito difuso, onde tão somente o Ministério Público poderia buscar a tutela judicial, mas nos últimos anos, as pessoas passaram a litigar em busca de seus direitos.
De início, importante destacar que o art. 225 da Constituição Federal, o qual dispõe sobre meio ambiente, assegura direito de todos ao meio ambiente equilibrado:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Seguindo essa linha o § 3º do mesmo artigo ensina que os poluidores deverão reparar os danos causados:
3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados
Nesse sentido, o grande doutrinador constitucional José Afonso da Silva[1], explica de maneira sucinta qual a razão jurídica do direito ambiental:
“O Objetivo de tutela jurídica (ambiental) não é tanto o meio ambiente considerado nos seus elementos constitutivos. O que o Direito visa a proteger é a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida. Pode-se dizer que há dois objetivos de tutela, no caso: um imediato, que é a qualidade do meio ambiente; e outro mediato, que é a saúde, o bem estar e a segurança da população, que se vem sintetizando na expressão “qualidade de vida”.
A descrição de poluição está explicada pelo art. 3º, inciso III, da Política Nacional do Meio Ambiental, que buscou de maneira taxativa demonstrar quando ocorre, de fato, a poluição:
Art 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;
IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;
V – recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.
Para o Ministro Hermen Benjamin, do STJ, “equiparam-se (a poluidor) quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa de fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem.” REsp 1090968/SP.
Além disso, podemos trazer ainda o poluidor indireto, sendo que o STJ entende que caracteriza a responsabilidade objetiva para os casos de omissão do poder público, ou do próprio órgão fiscalizador, quando deixam de fazer.
Índice
Poluição e o dano ambiental individual
Visto isso, passa-se a entender que a poluição está caracterizada em várias situações, mas quando pode ser considerado um dano ambiental individual?
O direito difuso é aquele que busca primar pelo meio ambiente de modo geral, enquanto o direito individual a um meio ambiente equilibrado, a qualidade de vida em si, diz respeito aos prejuízos e a degradação da saúde, ou até mesmo do lazer de cada ser humano.
Portanto, quando for caracterizada uma situação de poluição que esteja prejudicando a qualidade de vida de uma pessoa, resta caracterizado uma possibilidade de um dano ambiental individual.
Para elucidar melhor a questão, vale citar o art. 4º, inciso VII, também da PNMA:
Art 4º – A Política Nacional do Meio Ambiente visará:
VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.
A título de exemplo de poluição que pode caracterizar um dano ambiental individual, podemos mencionar:
- fábrica que gera fumaça, odor, ou fuligem, que ultrapassem suas cercanias, causando degradação a qualidade de vida de seus vizinhos;
- empresa de atuar durante 24 horas gerando um barulho que atrapalhe a qualidade de vida dos moradores do entorno;
- esgoto a céu aberto, devido a baixa qualidade do saneamento da rua, atrapalhando a rotina das pessoas;
- alagamento da residência, causado pela omissão do município, dentre outros.
Importante destacar o fato de que, para os casos em que existam empreendimentos poluidores, esses não podem se valer do fato de estarem no local a mais tempo que os moradores, pois a teoria da pré-ocupação já foi debatida pela doutrina ambiental e foi desconsiderada, com o fundamento do princípio in dubio pro natura.
Conclusão
Conforme demonstrado, ficou evidente que a legislação prevê a obrigação tanto do particular, quanto do poder público em zelar pelo meio ambiente equilibrado, sendo que nos casos de desrespeito pode ser tutelado o dano ambiental individual. Vejamos o caso a seguir:
Assiste razão aos autores em sua pretensão ao pagamento de indenização pelo mau cheiro e proliferação de insetos ocasionado pelo descarte irregular de esgoto cloacal na rede pluvial – a céu aberto – pela ausência de canalização e fiscalização adequadas, o que é responsabilidade solidária, como anteriormente visto, do Município – como titular do serviço público – e da CORSAN (Companhia de Saneamento Básico).
Em outro caso, mas referente a poluição gerada por uma empresa, a qual estava atuando de modo irregular, ao descartar produtos químicos, sem filtragem, em sua Estação de Tratamento de Efluentes:
“No caso em comento, recordo que os autores vinham sofrendo com desconforto, irritação nos olhos, náuseas, dores de cabeça, dores no estômago, por diversos meses, sem que a demandada tomasse qualquer providência.
Desta forma, as condições de degradação e insalubridade advindas da poluição ambiental gerada pela ré, que diminuiu a qualidade de vida dos autores, com certeza configura verdadeiro e profundo abalo psicológico.
Portanto, correto o juízo de procedência do feito, uma vez que há nos autos farta documentação capaz de amparar as alegações da parte requerente, estando perfeitamente configurados o dano e o nexo de causalidade entre a conduta e dano ambiental.
Por conseguinte, para a justa quantificação do dano moral, o magistrado deve avaliar o grau de sequela produzido, que diverge de indivíduo a indivíduo, assim como a repercussão negativa em suas atividades, a duração da ilicitude, a situação econômico/financeira das partes, a ocorrência de ofensa coletiva e repetitiva, a existência de pedido administrativo para a regularização ou cessação da ilicitude, a existência ou não de outras circunstâncias em favor ou em desfavor do ofendido, enfim, deve o magistrado avaliar concretamente todas as circunstâncias para fixar de forma justa e equilibrada o valor do dano moral. [2]
Portanto, nada mais justo as partes que sofrem com a degradação da sua saúde, ou ainda prejuízos na qualidade de vida e no próprio lazer, com a alteração da rotina diária, devido a poluição gerada por empresas ou pelo próprio poder público, lutar por seus direitos.
“Quem não luta por seus direitos, não é digno deles.” (Rui Costa.)