O Código Florestal de 2012 (Lei Federal 12.651/2012) tratou de conceituar Área de Preservação Permanente como sendo uma “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas” (art. 3º, II).
Apesar de relativamente ampla a possibilidade de utilização da referida área ambientalmente protegida, nela não se permite, por exemplo, a instalação por parte de particulares de qualquer tipo de edificação.
É importante registrar que áreas de preservação permanente – APP têm a função de preservar, e por esta razão o seu uso e ocupação são fortemente restringidos, regra geral, até proibidos, exceto por raros casos previstos na legislação.
Contudo, os incisos VIII, IX e X do artigo 3º versam a definição das atividades de utilidade pública, interesse social e atividades eventuais ou de baixo impacto ambienta que autorizam a intervenção ou supressão de vegetação nativa em área de preservação permanente – APP.
Índice
Quais são ás Áreas de Preservação Permanente – APP
A Lei 12.651/2012 (Código Florestal de 2012) estabeleceu, em seu art. 4º, áreas a serem preservadas de forma permanente pelo respectivo proprietário, possuidor ou ocupante, a qualquer título.
Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
I – as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:
a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;
b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
II – as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:
a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;
b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;
III – as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento;
IV – as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;
V – as encostas ou partes destas com declividade superior a 45º , equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;
VI – as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
VII – os manguezais, em toda a sua extensão;
VIII – as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;
IX – no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25º , as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;
X – as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação;
XI – em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado
Contudo, vale lembrar que uma área somente poderá ser considerada como de preservação permanente se a situação fática do local evidenciar a existência da área que deve ser protegida. Dito de outra forma, a situação fática pode excluir a existência de uma área de preservação permanente.
APPs também podem ser definidas pelo Chefe do Poder Executivo Federal
Além das APP elencadas no art. 4º, o Código Florestal de 2012 expressamente previu hipóteses legalmente consideradas como de utilidade pública e interesse social que podem ser consideradas de preservação permanente:
Art. 6º Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo, as áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinadas a uma ou mais das seguintes finalidades:
I – conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha;
II – proteger as restingas ou veredas;
III – proteger várzeas;
IV – abrigar exemplares da fauna ou da flora ameaçados de extinção;
V – proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico, cultural ou histórico;
VI – formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;
VII – assegurar condições de bem-estar público;
VIII – auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares.
IX – proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional.
Trata-se de um rol exemplicativo, permitindo, em todos os casos, que outras atividades similares fossem definidas em ato do Chefe do Poder Executivo Federal, quando caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio e inexistente alterativa técnica e locacional ao empreendimento ou atividade proposta.
Regime de Proteção das Áreas de Preservação Permanente
Como já visto, as Áreas de Preservação Permanente – APP são áreas protegidas, cobertas ou não por vegetação nativa, com função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (art. 3º, II).
Diante da sua importância, o Direito Ambiental estabeleceu um regime diferenciado de proteção das Áreas de Preservação Permanente – APP, limitando sobremaneira o pleno exercício do direito de propriedade através da obrigação de manutenção integral de sua vegetação pelo proprietário, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, conforme se extrai do artigo 7º do Código Florestal de 2012:
Art. 7º A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.
§1º Tendo ocorrido supressão de vegetação situada em Área de Preservação Permanente, o proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recomposição da vegetação, ressalvados os usos autorizados previstos nesta Lei.
§2º A obrigação prevista no § 1º tem natureza real e é transmitida ao sucessor no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural.
§3º No caso de supressão não autorizada de vegetação realizada após 22 de julho de 2008, é vedada a concessão de novas autorizações de supressão de vegetação enquanto não cumpridas as obrigações previstas no § 1º .
Essas restrições administrativas tornam os bens situados em Áreas de Preservação Permanente insuscetíveis de uso, gozo e disposição, poderes inerentes à propriedade.
Contudo, há hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental, que autorizam a intervenção em área de preservação permanente.
Possibilidade de intervenção em APP
Embora as áreas de preservação permanente possuam natureza jurídica de limitação de uso ao direito de propriedade, o Código Florestal de 2012 expressamente autoriza a intervenção nestas áreas, conforme dispõe o artigo 8º
Art. 8º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.
§1º A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, dunas e restingas somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.
§2º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4º poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda.
§3º É dispensada a autorização do órgão ambiental competente para a execução, em caráter de urgência, de atividades de segurança nacional e obras de interesse da defesa civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes em áreas urbanas.
§4º Não haverá, em qualquer hipótese, direito à regularização de futuras intervenções ou supressões de vegetação nativa, além das previstas nesta Lei.
Veja-se que o § 3º do art. 8º do Código Florestal autoriza a dispensa de autorização do órgão ambiental competente para a execução, em caráter de urgência, de atividades de segurança nacional e obras de interesse da defesa civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes em áreas urbanas.
Assim, nos casos de interesse social, de utilidade pública ou de baixo impacto ambiental, autoriza-se a intervenção em APP, cujo rol de possibilidades de intervenções foi delimitado no art. 3º, incisos VIII, IX e X, do Código Florestal de 2012.
Intervenção em APP por utilidade pública
As formas de intervenção em área de preservação permanente – APP por “utilidade pública” estão elencadas no inciso VIII do art. 3º, do Código Florestal de 2012:
VIII – utilidade pública:
a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;
b) as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios, saneamento, energia, telecomunicações, radiodifusão, bem como mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho;
c) atividades e obras de defesa civil;
d) atividades que comprovadamente proporcionem melhorias na proteção das funções ambientais referidas no inciso II deste artigo;
e) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal;
Intervenção em APP por interesse social
Também é possível realizar intervenção em área de preservação permanente – APP por “interesse social” conforme o inciso IX do art. 3º, do Código Florestal de 2012:
IX – interesse social:
a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas;
b) a exploração agroflorestal sustentável praticada na pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades tradicionais, desde que não descaracterize a cobertura vegetal existente e não prejudique a função ambiental da área;
c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais ao ar livre em áreas urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas nesta Lei;
d) a regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009;
e) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e de efluentes tratados para projetos cujos recursos hídricos são partes integrantes e essenciais da atividade;
f) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente;
g) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional à atividade proposta, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal;
Intervenção em APP por atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental
Uma outra possibilidade de intervir em área de preservação permanente – APP e quando se tratar de “atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental” conforme o inciso X do art. 3º, do Código Florestal de 2012:
X – atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental:
a) abertura de pequenas vias de acesso interno e suas pontes e pontilhões, quando necessárias à travessia de um curso d’água, ao acesso de pessoas e animais para a obtenção de água ou à retirada de produtos oriundos das atividades de manejo agroflorestal sustentável;
b) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando couber;
c) implantação de trilhas para o desenvolvimento do ecoturismo;
d) construção de rampa de lançamento de barcos e pequeno ancoradouro;
e) construção de moradia de agricultores familiares, remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em áreas rurais, onde o abastecimento de água se dê pelo esforço próprio dos moradores;
f) construção e manutenção de cercas na propriedade;
g) pesquisa científica relativa a recursos ambientais, respeitados outros requisitos previstos na legislação aplicável;
h) coleta de produtos não madeireiros para fins de subsistência e produção de mudas, como sementes, castanhas e frutos, respeitada a legislação específica de acesso a recursos genéticos;
i) plantio de espécies nativas produtoras de frutos, sementes, castanhas e outros produtos vegetais, desde que não implique supressão da vegetação existente nem prejudique a função ambiental da área;
j) exploração agroflorestal e manejo florestal sustentável, comunitário e familiar, incluindo a extração de produtos florestais não madeireiros, desde que não descaracterizem a cobertura vegetal nativa existente nem prejudiquem a função ambiental da área;
j-A) atividades com o objetivo de recompor a vegetação nativa no entorno de nascentes ou outras áreas degradadas, conforme norma expedida pelo órgão competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama);
Embora as Área de Preservação Permanente – APP sejam um instrumento jurídico para proteção de espaço territorial especial e dotado de atributos ambientais relevantes, contribuindo no resguardo efetivo do direito constitucional ao ambiente ecologicamente equilibrado, percebe-se que o legislador flexibilizou o seu uso para realização de atividades de baixo impacto ambiental, interess social ou utilidade pública.
Conclusão
O Código Florestal de 2012 previu hipóteses de intervenção em áreas de preservação permanente por utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental.
Contudo, a delimitação do conceito de “utilidade pública”, “interesse social” e “baixo impacto ambiental” tem o efeito de flexibilizar o regime protetivo das APPs para admitir o desenvolvimento de certas atividades nessas áreas.
Isso, porém, não tem o condão de afastar a necessidade de licenciamento ambiental perante o órgão ambiental competente, exceto quando se tratar de execução, em caráter de urgência, de atividades de segurança nacional e obras de interesse da defesa civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes em áreas urbanas, bem como acesso de pessoas e animais às APP para obtenção de água e para realização de atividades de baixo impacto ambiental.
Contudo, as demais hipóteses de intervenção em APP devem ser legítimas e razoáveis para compatibilizar a proteção ambiental com o atendimento a outros valores constitucionais, tais como, prestação de serviços públicos; políticas agrícola e de desenvolvimento urbano; proteção de pequenos produtores rurais, famílias de baixa renda e comunidades tradicionais; o incentivo ao esporte, à cultura e à pesquisa científica; e o saneamento básico.
Portanto, o regime de proteção das áreas de preservação permanente – APPs apenas se justifica em caso de utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental, não havendo espaço para construção de residências familiares, exeto nas hipóteses detalhadas acima.