A pequena propriedade rural, assim considerada a extensão de terra entre 01 (um) e 04 (quatro) módulos fiscais, desde que trabalhada pela família, não pode ser objeto de embargo ambiental, ainda que nela tenha sido praticada infrações administrativas ambientais, tais como desmatamento, supressão, destruição ou danificação de floresta ou vegetação nativa.
É que a pequena propriedade rural, quando explorada pelo agricultor e sua família, caracteriza-se como fonte de sustento, não podendo ser embargada tampouco objeto de ordem judicial de paralisação das atividades produtivas.
Isso porque, deve-se garantir e proteger um patrimônio mínimo necessário à obtenção, à manutenção e à sobrevivência da família, tendo força para afastar, inclusive, eventual termo de embargo ambiental por infração administrativa às normas de proteção do meio ambiente.
Sabe-se que o embargo é necessário para impedir a continuidade do dano ambiental. Ocorre que os órgãos ambientais usam a ferramenta sem critério, inclusive quando se trata de pequena propriedade rural.
E como se não bastasse, o processo administrativo sancionador ambiental é lento, e demora tempo significativo para que se tenha decisão definitiva sobre multas ambientais e outras sanções, sendo o embargo cautelar utilizado como uma forma de sanção sem processo administrativo prévio, como já escrevemos aqui no site.
Em grande parte, agentes de fiscalização embargam pequenas propriedades rurais, situação que, entre outros efeitos, inviabiliza o crédito rural e o próprio sustento da família.
Assim, embargos de atividade agrossilvipastoris em pequenas propriedades rurais, sobretudo nos casos em que a infração ambiental se der fora da área de preservação permanente ou reserva legal deve ser afastado, principalmente se a área pode ser objeto de conversão para uso alternativo do solo, o que em hipótese alguma justifica o embargo.
Vale mencionar que em se tratando de pequena propriedade rural, há presunção relativa de ser trabalhado para o sustento da família, cabendo ao agente de fiscalização produzir provas em contrário.
Ou seja, deve o agente de fiscalização demonstrar que não há exploração familiar da terra para afastar a hiperproteção da pequena propriedade rural e eventual embargo sobre a propriedade rural.
Índice
O que é pequena propriedade rural
O conceito de pequena propriedade rural está previsto no inciso V, artigo 3º da Lei Federal 12.651/12 (Código Florestal) segundo o qual:
Artigo 3º. […]. V – pequena propriedade ou posse rural familiar: aquela explorada mediante o trabalho pessoal do agricultor familiar e empreendedor familiar rural, incluindo os assentamentos e projetos de reforma agrária, e que atenda ao disposto no art. 3º da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006;
Como se depreende do referido inciso, a pequena propriedade rural deve atender o artigo 3º da Lei 11.326/06, a qual estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais, segundo o qual:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:
I – não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;
II – utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;
III – tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo;
IV – dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.
§ 1º O disposto no inciso I do caput deste artigo não se aplica quando se tratar de condomínio rural ou outras formas coletivas de propriedade, desde que a fração ideal por proprietário não ultrapasse 4 (quatro) módulos fiscais.
§ 2º São também beneficiários desta Lei:
I – silvicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o caput deste artigo, cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o manejo sustentável daqueles ambientes;
II – aqüicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o caput deste artigo e explorem reservatórios hídricos com superfície total de até 2ha (dois hectares) ou ocupem até 500m³ (quinhentos metros cúbicos) de água, quando a exploração se efetivar em tanques-rede;
III – extrativistas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos II, III e IV do caput deste artigo e exerçam essa atividade artesanalmente no meio rural, excluídos os garimpeiros e faiscadores;
IV – pescadores que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos I, II, III e IV do caput deste artigo e exerçam a atividade pesqueira artesanalmente.
V – povos indígenas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos II, III e IV do caput do art. 3º ;
VI – integrantes de comunidades remanescentes de quilombos rurais e demais povos e comunidades tradicionais que atendam simultaneamente aos incisos II, III e IV do caput do art. 3º .
Por seu turno, a Lei 4.504/64 (Estatuto da terra) conceitua propriedade rural em seu art. 4º:
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:
II – “Propriedade Familiar”, o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros;
III – “Módulo Rural”, a área fixada nos termos do inciso anterior.
Dentro desses termos legais, o imóvel rural que se enquadra no conceito de pequena propriedade rural, indispensável à sobrevivência do agricultor e de sua família, é insuscetível de embargo ambiental.
Pequena propriedade rural e a desproporcionalidade do embargo ambiental
A medida de embargo de pequena propriedade rural é, na maioria das vezes, decorrente da lavratura de auto de infração ambiental, ocasião em que o agente de fiscalização automaticamente também lavra o termo de embargo ambiental.
Contudo, a lavratura automática de termo de embargo, em se tratando de pequena propriedade rural é, nestes casos, sempre extrema e prematura, porquanto não só limita a utilização normal da propriedade rural, mas também subtrai do pequeno agricultor o seu sustento e de sua família, já que inviabiliza a venda legal de sua produção, sendo um efeito próprio do embargo ambiental.
Com todo respeito aos agentes de fiscalização, mas há de se observar o princípio da legalidade, sob pena de tornar morta a letra da Lei, e mais que isso, retirar o sustento de uma família, o que se mostra, indubitavelmente, irreversível, não se podendo desconsiderar a possibilidade de o imóvel rural ser passível de uso alternativo do solo.
Ora, em que pese o poder/dever de agir do agente de fiscalização, a Administração Pública não pode atropelar o processo e impor um embargo ambiental, inclusive cautelar, ao pequeno agricultor familiar uma situação que pode ser irreversível. Não por outro motivo o Código Florestal dispõe:
Art. 51. O órgão ambiental competente, ao tomar conhecimento do desmatamento em desacordo com o disposto nesta Lei, deverá embargar a obra ou atividade que deu causa ao uso alternativo do solo, como medida administrativa voltada a impedir a continuidade do dano ambiental, propiciar a regeneração do meio ambiente e dar viabilidade à recuperação da área degradada.
§ 1º O embargo restringe-se aos locais onde efetivamente ocorreu o desmatamento ilegal, não alcançando as atividades de subsistência ou as demais atividades realizadas no imóvel não relacionadas com a infração.
Não se está aqui dizendo que o Poder Público não deve zelar pela preservação e proteção dos espaços territoriais especialmente protegidos, à luz dos princípios e da norma constitucional, mas ponderando a sua atuação quando se tratar de pequena propriedade rural, notadamente da razoabilidade.
Os agentes de fiscalização não podem, mais uma vez pedindo vênia, agir a manu militari, desproporcionalmente, impondo obrigações desarrazoadas, como a indisponibilidade total da pequena propriedade rural, com o risco de violação flagrante do direito constitucional a atividade econômica, comprometendo a função social da propriedade e o próprio sustento da família que dela sobrevive.
Assim, uma vez presentes os pressupostos legais que caracterizam a área como pequena propriedade rural, incabível a imposição de embargo ambiental, e se imposto, deve ser suspenso, seja pela via administrativa, seja pela via judicial, esta última na maioria das vezes mais adequada.
O que diz a jurisprudência sobre embargo ambiental de pequena propriedade rural
Nos casos de pequena propriedade rural, cujo proprietário busca o sustento próprio, de sua família ou a complementação de sua renda, a jurisprudência admite a exclusão, suspensão ou levantamento do termo de embargo ambiental:
APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. IBAMA. AUTO DE INFRAÇÃO E TERMO DE EMBARGO. ANULAÇÃO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. ÁREA DESMATADA. ÁREA DE SUBSITÊNCIA FAMILIAR. COMPROVAÇÃO. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. POSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO STF. 1. O juiz sentenciante julgou a ação com base nos fundamentos jurídicos em relação à matéria posta em discussão, não ocorrendo julgamento extra petita, a análise por fundamentos diversos do adotado pelo réu. 2. A supressão de vegetação nativa para uso alternativo do solo só poderá ocorrer quando for respeitada a área de reserva legal, áreas de preservação permanente, dentre outras exigências legais, todas aferidas quando da caracterização da área e detalhamento da atividade, em sede de licenciamento ambiental junto ao órgão competente, sem o qual será ilícita a supressão (inteligência do Código Florestal, em consonância com art. 225, § 4º da CF). 3. Lado outro, esta Corte Regional entende que o art. 16 do Decreto 6.514/08, ao regular a aplicação da medida de embargo pelo agente ambiental no ato da fiscalização dispondo que, no caso de áreas irregularmente desmatadas ou queimadas, ele embargará quaisquer obras ou atividades nelas localizadas ou desenvolvidas, sujeitando-se os infratores às diversas penalidades previstas no ordenamento (multas, embargos, interdições, restrições das atividades etc), deve-se excetuar as atividades de subsistência, em regime de economia familiar, em respeito aos institutos do mínimo existencial e da dignidade da pessoa humana e aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Desse modo, cuidando-se de pequena propriedade destinada a atividade rural de subsistência, é indevido o embargo (TRF1 AI, Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, DJ de 20/04/2020). 4. Quanto à condenação em honorários em favor da DPU, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu ser possível a condenação da União ao pagamento de honorários em favor da Defensoria Pública da União ( AR 1.937, Ministro Gilmar Mendes, DJ de 30/06/2017), tendo em vista que a edição das Emendas Constitucionais 74/2013 e 80/2014 provocou relevante alteração do quadro normativo vigente à época em que fixada a tese do tema 134 da repercussão geral. Isso porque a nova redação do art. 134 da Constituição reforçou o papel institucional da Defensoria Pública, bem como sua autonomia funcional, administrativa e orçamentária, de modo a permitir uma atuação de maior destaque da instituição, inclusive contra entes públicos, notadamente em ações coletivas, tal qual reconhecido por aquela Corte na ADI 3.943, Ministra Cármen Lúcia, DJ de 07/05/2015. No caso, portanto, deve o IBAMA ser condenado ao pagamento dos honorários de sucumbência em favor da DPU. 5. Apelação do IBAMA não provida. (TRF-1 – AC: 00077505020164013000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ AMILCAR MACHADO, Data de Julgamento: 27/04/2021, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: PJe 11/05/2021 PAG PJe 11/05/2021 PAG)
Como se vê, a jurisprudência reconhece a importância da pequena propriedade rural a permitir que o embargo ambiental seja levantando, por se tratar de medida excepcional.
Conclusão: impossibilidade de embargar pequena propriedade rural
Conclui-se que, sendo o imóvel considerado pequena propriedade rural, inviável a imposição ou lavratura de termo de embargo ambiental, sob pena de prejudicar o sustento do agricultor familiar.
Além disso, para imposição do embargo ambiental, deve o agente de fiscalização no momento da lavratura do auto de infração ambiental e termo de embargo, demonstrar que a propriedade rural não é trabalhada pelo seu proprietário, nem serve de sustento para a família.
Transfere-se, desta feita, ao agente de fiscalização, o encargo de demonstrar que não há exploração familiar da terra para afastar a hiperproteção da pequena propriedade rural e eventual embargo ambiental relacionada ao bem.
A pequena propriedade rural é direito fundamental da família rurícola, sendo núcleo intangível, que restringe, justamente em razão da sua finalidade, uma garantia mínima de proteção à pequena propriedade rural, de um patrimônio mínimo necessário à manutenção e à sobrevivência da família.
Embora devesse ser ônus do agente de fiscalização a comprovação de que o imóvel não se enquadra nas dimensões da pequena propriedade rural para fins de imposição de embargo ambiental, tal fato não ocorre, sendo o embargo aplicado automaticamente, sem considerar as peculiaridades de cada caso, hipótese que autoriza a suspensão do embargo.
Ora. Se a propriedade é trabalhada pela família, há uma presunção de que esta, enquadrando-se como diminuta, nos termos da lei, será explorada pelo ente familiar, sendo decorrência natural do que normalmente se espera que aconteça no mundo real, inclusive, das regras de experiência.
O próprio microssistema de direito agrário (Estatuto da Terra – Lei 8.629/1993, entre outros diplomas) entrelaça os conceitos de pequena propriedade, módulo rural e propriedade familiar, havendo uma espécie de presunção de que o pequeno imóvel rural se destinará à exploração direta pelo agricultor e sua família, haja vista que será voltado para garantir sua subsistência.
Em razão da presunção juris tantum em favor do pequeno proprietário rural, transfere-se ao agente de fiscalização o encargo de demonstrar que não há exploração familiar da terra, para afastar a hiperproteção da pequena propriedade rural a tornar válido eventual termo de embargo ambiental.
Portanto, tratando-se de pequena propriedade rural, incabível a imposição de termo de embargo ambiental, não podendo a Administração Pública restringir o uso da área e impedir que o agricultor dela retire o seu sustento e de sua família.
6 Comentários. Deixe novo
Olá tudo bem? área que era passivel de uso, (porem nao era consolidada), foi embargada. é valido?
obs: o produtor tinha Reserva de acordo com a legislacao ambiental!
Imagino que o proprietário dessa área “passível de uso” tenha desmtado sem autorização. Foi isso? Se sim, ocorreu uma infração administrativa ambiental e o embargo está correto. Por outro lado, há várias formas legais de levantar esse embargo ambiental. Aqui no nosso site temos vários artigos escritos sobre possibilidades de suspensão de embargo, com esse da pequena propriedade rural e um mais específico: https://advambiental.com.br/artigo/8-possibilidades-para-levantar-embargos-ambientais/
Tenho um chácara de 5 hectares com desmatamento de 2021. Essa área tem possibilidade de ser embargada?
Olá Magno. Se o desmate foi irregular, tem possibilidade de embargo sim. Além das fiscalização in loco, análises e cruzamentos de dados na elaboração do CAR, por exemplo, há várias tecnologias aeroespaciais de monitoramento da expansão de desmatamento que geram alertas para os órgãos de fiscalização ambiental.
No caso do embargo para inicio da construção da casa, como ficaria esta situação? pois vou iniciar plantio e fui multado, já esta em fase das alegações finais no administrativo (vou para o judiciário se não for anulado). Esta lei se aplica neste caso, terreno tem fração de 6 mil metros com área para casa de 600 metros (casa e plantio inicial)?
O embargo se restringe ao local do dano ambiental. No seu caso, quando lavrado o termo de embargo, o agente de fiscalização deve ter indicado as coordenadas e o objeto do embargo que seria a construção.