Quando o autuado por infração ambiental tenha endereço conhecido do órgão autuante, inclusive se constituído advogado para acompanhar o processo, foi intimado para apresentar suas alegações finais por meio do edital, haverá nulidade processual.
Isso porque, a intimação do autuado através de um meio que assegure a sua certeza tem previsão legal expressa no artigo 122 do Decreto Federal 6.514/2008. Confira-se:
Art. 122. Encerrada a instrução, o autuado terá o direito de manifestar-se em alegações finais, no prazo máximo de dez dias.
§1º Para fins de apresentação de alegações finais pelos interessados, o setor responsável pela instrução notificará o autuado e publicará em sua sede administrativa e na Internet a relação dos processos que entrarão na pauta de julgamento.
§2º A notificação de que trata o § 1º deste artigo poderá ser realizada por:
I – via postal com aviso de recebimento;
II – notificação eletrônica, observado o disposto no § 4º do art. 96; ou,
III – outro meio válido.
Não se desconhece recente julgado do Superiro Tribunal de Justiça – STJ que considerou válida a intimação de um autuado por edital, lançando entendimento de que só em caso de agravamento da penalidade é que seria necessária a intimação pessoal ou por via postal.
No entanto, a Lei 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, expressamente estabelece a necessidade de intimação do autuado por um meio que assegure a certeza da intimação, nada dispondo de qual tal deve ser realizada somente quando houver “agravamento”:
Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências. (…)
§3º Aintimaçãopode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.
§4º No caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido, a intimaçãodeve ser efetuada por meio de publicação oficial.
Quanto à notificação para alegações finais, vale transcrever parte do julgado proferido pelo TRF da 4ª Região, que expõe com propriedade a divergência entre o previsto no Decreto e na Lei:
Claramente se observa que a Lei 9.784/1999 não traz a previsão ora impugnada e acima transcrita. Na verdade, expressamente prevê que a intimação será feita por meio que assegure a certeza da ciência do interessado, cumprindo notar que referida certeza não se encontra assegurada pela afixação de edital na sede do órgão ambiental ou por sua publicação do site do IBAMA.
Não fosse isso, prevê a lei mencionada que apenas em caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido haverá intimação mediante publicação oficial (e não edital afixado), o que não é o caso dos autos.
Conclui-se, portanto, que o Decreto 6.514/2008, no ponto em que determina a intimação para apresentação de alegações finais através de edital, limita direito do interessado, sem contudo possuir base legal para tanto.
Com efeito, o dispositivo do Decreto em foco não tem respaldo em lei, sendo certo que referida restrição poderia ser feita somente mediante lei em sentido formal, não por meio de decreto (podendo-se questionar inclusive a previsão em lei de disposição semelhante, em face do princípio constitucional da ampla defesa).
Em suma, a Administração não pode, por sua própria iniciativa e sem base legal, criar obstáculos à ampla defesa do autuado, causando seu cerceamento.
Ressalte-se que o regulamento não pode criar direitos ou restrições à liberdade, propriedade e atividades dos indivíduos que já não estejam estabelecidos e restringidos na lei, cumprindo notar que a Lei 9.065/1998 (regulamentada pelo Decreto 6.514/2008) nada prevê a respeito da questão. (TRF4: AG 5025317-09.2013.404.0000, 3ª Turma, Rel. Juiz Federal Nicolau Konkel Junior)(Grifei)
Deste modo, indispensável a intimação do autuado para apresentar alegações finais por meio de correspondência ou outro meio que assegure sua ciência, sob pena de ofensa ao princípio da ampla defesa.
Por conseguinte, a intimação por edital somente é cabível quando o autuado não possui domicílio conhecido. Neste vértice:
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. IRREGULARIDADE PROCESSO ADMINISTRATIVO. INTIMAÇÃO POR EDITAL INJUSTIFICADA. PREJUÍZO À DEFESA. NULIDADE A PARTIR DA INTIMAÇÃO PARA ALEGAÇÕES FINAIS. 1. O art. 2º da Lei 9.784/99 prevê que a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, norma que é materialização de previsões constitucionais, como, v.g., a contida no art. 5º, inciso LV, da Constituição da República. 2. Sendo certo e conhecido o domicílio atual do contribuinte, é nula a notificação editalícia. Embora o processo administrativo tenha ocorrido de forma regular até a fase de instrução, o autuado foi notificado para apresentar alegações finais por meio de edital injustificadamente. As demais notificações do processo ocorreram por AR. Tal impropriedade gerou prejuízo concreto à defesa do autuado, na medida em que este não apresentou as alegações finais. (TRF4, AC 5000508-20.2017.4.04.7014, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 01/08/2018)
AÇÃO ORDINÁRIA. AUTUAÇÃO DO IBAMA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. INTIMAÇÃO POR EDITAL INJUSTIFICADA PARA APRESENTAR ALEGAÇÕES FINAIS. CERCEAMENTO DE DEFESA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. A lei (art. 26 da Lei nº 9.784/98) autoriza a intimação por edital apenas em caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido haverá intimação mediante publicação oficial (e não edital afixado). 2. Neste caso, o autor foi notificado pessoalmente em outras oportunidades no processo adminsitrativo, não se justificando a intimação por edital para apresentar alegações finais. 3. Honorários advocatícios mantidos porque fixados de acordo com o art. 20, § 4º, do CPC-1973. 4. Apelações improvidas. (TRF4 5006507-53.2014.4.04.7209, QUARTA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 19/05/2017)
AMBIENTAL. LEI 9.784/1999. INTIMAÇÃO POR EDITAL SOMENTE QUANDO OS INTERESSADOS SÃO PESSOAS INDETERMINADAS OU DESCONHECIDAS OU QUANDO HÁ DOMICÍILO INDEFINIDO. 2. No caso concreto, o IBAMA reconhece que intimou o requerente por edital para que apresentasse suas alegações finais em processo administrativo; infere-se, portanto, que o IBAMA expediu um “edital de notificação para alegações finais”, em que notifica alguns autuados para tanto, sem realizar a intimação pessoal do interessado para apresentação de alegações finais, com base no que prevê o art. 122 do Decreto nº 6.514/2008; todavia a Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, determina que aintimação deve ser feita através do meio que assegure a certeza da ciência do interessado e que somente nos casos em que o domicílio for indefinido e em que os interessados sejam indeterminados ou desconhecidos será possível a intimaçãopela via editalícia. 3. No caso dos autos, o domicílio do requerente é conhecido do IBAMA, como se verifica através das cópias das cartas com aviso de recebimento remetidas pela própria autarquia ao requerente; ademais, embora a cópias das cartas enviadas pelo próprio IBAMA ao requerente sejam prova cabal de ter conhecimento do domicílio do agravado, consta nos autos do processo o endereço completo do requerente por ele informado quando da apresentação de defesa administrativa.
(TFR4: AG Nº 5001519-82.2014.404.0000, 4ª Turma, Rel. Des. Federal Luis Alberto D’ Azevedo Aurvalle, D.E. 23/04/2014).
Tratando-se de processo administrativo federal, o IBAMA e o ICMBio somente estão autorizados à notificação por edital quando o autuado for indeterminado, desconhecido ou com domicílio indefinido.
Isso significa que se o autuado possui endereço conhecido pelo órgão responsável pela fiscalização, ou constitiu advogado o qual também tem seu endereço certo e determinado, deve ele ser pessoalmente notificado em seu respectivo endereço, ou o seu advogado..
Ao contrário, restará ferido o direito de defesa do autuado, eis que, não lhe será oportunizado o direito de apresentar suas alegações finais no âmbito administrativo, impedido-o de se manifestar sobre os elementos colhidos na fase instrutória.
Desta feita, não há dúvidas de que há cerceamento de defesa do autuado na via administrativa, tornando irregular o procedimento administrativo sempre que o IBAMA e o ICMBIo realizarem intimação pela via editalícia sem esgotar os meios de intimação pessoal ou por carta com aviso de recebimento.
Vale ressaltar, pois, que essa constatação não implica na nulidade de todo o procedimento, mas apenas dos atos que se realizaram após a fase em que deveria ter ocorrida a intimação válida para apresentação de alegações finais. O procedimento administrativo poderá eventualmente ser retomado a partir da nulidade constatada, conforme precedente do TRF da 4ª Região:
ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA ALEGAÇÕES FINAIS. 1. O processo administrativo padece de um único vício – não foi oportunizada a apresentação de alegações finais ao recurso. 2. Mantida a nulidade do processo administrativo, a partir da falta de intimação para apresentação das alegações finais, considerando a peculiaridade do caso concreto. (TRF4 5000708-11.2013.404.7000, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D’AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 25/05/2016).
Contatada nulidade no processo administrativo em virtude do cerceamento da defesa do autuado não notificado regularmente para alegações finais, o IBAMA ou o ICMBIo ficam também impedidos de inscrever o nome do autuado no Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Federais (CADIN).
O direito à apresentação de alegações finais no processo administrativo federal está previsto no artigo 44 da Lei 9.784/99, segundo o qual, “encerrada a instrução, o interessado terá o direito de manifestar-se no prazo máximo de dez dias, salvo se outro prazo for legalmente fixado”.
Conforme visto, o artigo 26 da referida lei prevê os requisitos para a realização de intimações no processo administrativo, quais sejam, em caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio.
Assim, se a intimação para apresentação de alegações finais no processo administrativo for realizada por meio de edital, com base no artigo 122 do Decreto 6.514/2008, nula será, e consequentemente todo o processo a partir dessa fase.
Vale lembrar que a Lei, anterior ao próprio Decreto, já exorbitava a dever de determinar que a intimação dos interessados para alegações finais fosse efetuada de modo a garantir a ciência do autuado.
Frise-se que, em se tratando de processo administrativo para aplicação de multa por danos ambientais, devem ser observados o contraditório e a ampla defesa, oportunizando-se ao autuado a efetiva notificação pessoal ou postal para fins de manifestação quanto à autuação, para defesa e para ciência acerca de seu resultado.
A notificação por edital constitui exceção à regra de notificação pessoal ou postal, cabível somente quando frustradas tais tentativas de intimação do autuado, ou quando estiver ele em lugar incerto e não sabido.
O art. 2º, X, da Lei 9.784/99, garante o direito à apresentação de alegações finais, devendo esse diploma normativo ser aplicado privilegiando-se a máxima eficácia da garantia estipulada no art. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal.
Desse modo, os princípios da ampla defesa e do contraditório encontram-se gravados no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, de modo que somente em casos em que o autuado tem domicílio desconhecido a administração pode recorrer à intimação por edital, sendo recorrente a jurisprudência vedando tal forma de chamamento para os casos em que o administrado é conhecido e encontra-se em lugar sabido.
Portanto, a regra que prevê a intimação por edital para alegações finais no procedimento ambiental, prevista em norma de hierarquia inferior (Decreto 6.514/2008), não prepondera sobre as disposições da Lei, de sorte que efetuada a intimação por edital para alegações finais sem esgotar todas as tentativas de localizá-lo, nulo será o processo administrativo.
2 Comentários. Deixe novo
Olá,
Agora com essa decisão do STJ como fica essa questão? A decisão é de repercussão geral ou apenas de um caso concreto?
O que fazer caso os tribunais inferiores se basearam na decisão do STJ para indeferir pedidos de nulidade?
Essa foi uma decisão que confirmou a validade do processo administrativo após a intimação do infrator por edital para apresentação de alegações finais foi proferida pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Primeira Turma ainda mantém o entendimento de que a intimação editalícia viola o contraditório e a ampla defesa. É necessário lutar para manter esse entendimento e discutir a questão até os últimos recursos, porque de fato há violação ao direito de defesa que nós, advogados, não podemos aceitar.