Prima facie, não temos concordado com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ no sentido de que a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar, que têm natureza propter rem.
Índice
1. Responsabilidade civil por danos ambientais
A reparação dos danos causados ao meio ambiente, por ofenderem interesses difusos da sociedade, mereceu especial atenção do legislador no campo da responsabilidade civil.
Adotou nosso ordenamento jurídico, quanto a essa matéria, a Teoria da Responsabilidade Objetiva, cujo enfoque recai sobre a necessidade de reparação do dano, independentemente da aferição da culpabilidade do agente.
A importância indiscutível que a proteção ambiental e os demais interesses difusos e coletivos adquirem no mundo moderno impôs ao legislador a adoção de responsabilidade civil fundada no risco integral, como forma de tornar eficaz o ressarcimento dos prejuízos, sem o inconveniente de ter o lesado (no caso, a sociedade) o ônus de provar que o agente agressor agiu culposamente.
A condenação, em sede de ação civil pública por dano ao meio ambiente, segue a Lei 6.938/81, que especificou a política nacional do meio ambiente. No caso, o art. 4º, inciso VII, da norma aludida, prevê
“a imposição, ao poluidor e predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e ao usuário da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”.
Também com relação às penalidades a serem impostas ao causador de danos ambientais, dispõe o art. 14, § 1º, da lei Lei 6.938/81:
Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Pela simples leitura dos artigos acima transcritos, denota-se que a pena aplicada ao causador de dano ao meio ambiente será de reparação ou de indenização do dano ocasionado.
2. O que diz a doutrina
Sobre o tema da condenação ao pagamento de indenização cumulada com obrigação de fazer ou não fazer, Edis Milaré, coordenador da obra “Ação Civil Pública”, 2ª edição, Revista dos Tribunais, posiciona-se:
A Lei 6.938/81 dispõe que a Política Nacional do Meio Ambiente, entre outros objetivos, visará à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados”.
Assim, há duas formas principais de reparação do dano ambiental: a) a recuperação natural ou o retorno ao status quo ante e b) a indenização em dinheiro. Não estão elas hierarquicamente em pé de igualdade.
A modalidade ideal – e a primeira que deve ser tentada, mesmo que mais onerosa – de reparação do dano ambiental é a reconstituição ou recuperação do meio ambiente agredido, cessando-se a atividade lesiva e revertendo-se a degradação ambiental.
É, pois, imperioso que o aplicador da lei atente para esta constatação. Já que não são poucas as hipóteses em que ‘não basta indenizar, mas fazer cessar a causa do mal, pois um carrinho de dinheiro não substitui o sono recuperador, a saúde dos brônquios, ou a boa formação do feto’.
Essa opção, verdadeira execução específica, vem claramente defendida no Direito Brasileiro, inclusive em sede constitucional.
A regra, pois, é buscar-se, por todos os meios razoáveis, ir além da ressarcibilidade (indenização) em sequência ao dano, garantindo-se, ao contrário, a fruição do bem ambiental. Aquela, como já alertamos, não consegue recompor o dano ambiental.
O valor econômico não tem o condão – sequer por aproximação ou ficção – de substituir a existência e fruição do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
O trabalho do legislador, por conseguinte, visa a garantir essa possibilidade de fruição e, só excepcionalmente, o ressarcimento monetário da lesão.
Apenas quando a reconstituição não seja viável – fática ou tecnicamente – é que se admite a indenização em dinheiro. Essa – a reparação econômica – é, portanto, forma indireta de sanar a lesão.”
Logo, na esteira da doutrina colacionada, não há que se falar em condenação à indenização pela degradação ambiental, vez que a indenização será aplicável em caso de não ser possível recuperar o ecossistema agredido, pelo fato de não ser cumulável a pena de recuperação do meio ambiente com a de indenização pelo ato lesivo à biota.
Ora. Se existe a possibilidade de reparação da biota afetada, mesmo o local agredido estando em estágio avançado de degradação, não se torna adequado cumular a condenação por reparação de dano ambiental com a indenização pelo ato, como disposto na lei que rege a matéria, sendo cabível, tão-somente, a recuperação da área ambiental danificada.
3. Condenação cumulativa e simultânea quando não for possível a recuperação do meio ambiente
No sistema jurídico brasileiro o princípio da reparação integral do dano ambiental, determina a responsabilização por todos os efeitos decorrentes da conduta lesiva, incluindo, entre outros aspectos, o prejuízo suportado pela sociedade, até que haja completa e absoluta recuperação in natura do bem lesado.
Na linha do estatuído nos arts. 225, 170, inciso VI, e 186, II, da Constituição Federal, o art. 4º da Lei 6.938/1981 dispõe que a Política Nacional do Meio Ambiente se norteará pelos princípios do poluidor-pagador, do usuário-pagador e da reparação in integrum.
É o que basta para concretizar a obrigação de recuperar o dano ambiental, indenizar os prejuízos sofridos pelas vítimas e pela biota afetada e pagar pelos serviços ambientais retirados da Natureza:
VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.
Por sua vez, vale colacionar novamente a previsão estatuída no art. 14, § 1º, da referida lei estabelece a responsabilidade objetiva do poluidor da seguinte forma:
Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.
Logo, os deveres de indenização e recuperação ambientais não são “pena”, mas providências ressarcitórias de natureza civil que buscam, simultânea e complementarmente, a restauração do status quo ante da biota afetada.
De igual moda, busca-se a reversão à coletividade dos benefícios econômicos auferidos com a utilização ilegal e individual de bem supraindividual salvaguardado, que, nos termos do art. 225 da Constituição, é “de uso comum do povo”.
Portanto, em que pese o entendimento jurisprudencial de ser possível cumular nesta ação os pedidos de condenação à obrigação de fazer (reparação do dano ambiental, por exemplo), com o pedido de indenização a título de ressarcimento pelos danos materiais causados, temos defendido que tal somente se aplica nos casos em que a restauração do meio ambiente ao status quo ante se mostrar impossível.