A indenização não está relacionada, não se quantifica e nem se orienta pelo princípio da reparação integral.
A responsabilidade reparatória decorrente do dano ambiental apenas emerge quando efetivamente concretizado e constatado um dano ao meio ambiente.
De fato, não há que se falar em presunção da ocorrência de danos, até porque o Código Civil de 2002, em seu art. 944, é transparente ao dispor que a indenização mede-se pela extensão do dano.
Em outras palavras, não se pode falar em responsabilidade ambiental no sentido reparatório sem a efetiva concretização de um dano, e por reparatório, veja-se a doutrina:
Diz-se sentido reparatório da responsabilidade ambiental, pois é possível se falar na sua vertente preventiva ou inibitória, pela qual, em se evidenciando concretamente a possível e eminente ocorrência de um dano ambiental, tomam-se medidas preventivas ou inibitórias para evitá-lo.
Os instrumentos processuais para inibir ou remover ilícito há muito são previstos no Código de Defesa do Consumidor (e aplicáveis as ações civis públicas, por força do art. 90 deste diploma legal).
No novo Código de Processo Civil (Lei 13.105, de 16.03.2015), tais tutelas inibitória e de remoção de ilícito estão previstas no parágrafo único do art. 497, in verbis:
“Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o Juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.
Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.
O art. 225, § 3º, da Constituição Federal e o art. 14, § 1º, da Lei Federal 6.938/1981, que tratam do tema, não fazem restrição a extensão da reparação e, exatamente por isso, devem ser interpretados à luz do caso concreto e das características peculiares ao direito ambiental.
Nesse passo, Édis Milaré[1] ensina que:
“a finalidade do sistema de responsabilidade civil ambiental, nos dizeres da Constituição e da lei, consiste na reparação do dano ambiental constitucional, com vistas ao restabelecimento do equilíbrio ecológico”.
Complementa o doutrinador, que de tal característica se extrai que a indenização, em situações de danos ambientais:
“deve ser estabelecida nos casos em que a reparação integral do dano ambiental não é alcançada, donde se impõe concluir que o princípio da reparação integral não guarda relação direta com o dever de indenização do dano causado”.
Neste âmbito, deve-se ressaltar que o objetivo da reparação ambiental é restaurar a área degradada de forma a se restabelecer equilíbrio, tendo em vista que a reparação do status quo ante é praticamente inalcançável.
Índice
Obrigação de reparar o dano ambiental
O mandamento constitucional não poderia, desse modo, ser interpretado de forma a impor uma obrigação de impossível cumprimento.
Essas noções, inclusive, se alinham com o conceito legal de restauração do meio ambiente, estampado na Lei Federal 9.985, de 18.07.2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, assim dispondo:
“restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada o mais próximo possível da sua condição original” (art. 2º, inciso XIV).
E apenas em não sendo possível a recuperação natural no próprio local do dano, é que deverá ser invocada a compensação por equivalente ecológico (ou, restauração ex situ), por meio da substituição do bem afetado por outro que lhe corresponda funcionalmente.
Aliás, essa modalidade de reparação ambiental também foi prevista na referida Lei 9.985/2000, quando definiu recuperação do meio ambiente como sendo:
“restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada a uma condição não degradada, que pode ser diferente de sua condição original” (art. 2º, inciso XIII).
Vale citar, neste ponto, a ponderada lição de Annelise Monteiro Steigleder[2], quando afirma ser a reparação integral um ideal jurídico, o que nos faz refletir sobre o quão desafiador é alcançá-lo do ponto de vista prático. Vejamos:
Por sua vez, a responsabilidade civil objetiva pelo dano ambiental propõe-se a reparação “integral” do dano, o que implica a imposição ao poluidor de obrigações voltadas a prevenção de novos danos, a restauração dos aspectos reversíveis, com vistas ao retorno ao status quo ante, e a indenização de danos extrapatrimoniais e de danos materiais irreversíveis.
Saliente-se que a reparação integral é um ideal jurídico, não necessariamente atingível na realidade fática. Sob o ponto de vista da Ecologia, todos os danos ambientais são irreversíveis, já que a matéria e a energia perdidas, após a degradação de uma área, são irrecuperáveis. (BERTAO, 2007, p. 389).
No entanto, haverá a reparação Jurídica integral, mesmo quando a restauração natural for impossível, quando do pagamento de uma indenização que encerre a maior parte dos valores associados ao dano.
Qual o objetivo da reparação do dano ambiental
O que deve ser entendido como reparação ao dano ambiental, portanto, é, em um primeiro plano, a reparação com objetivo de se restabelecer o equilíbrio ecológico, por meio de ações que visem ao retorno da situação anterior de forma mais próxima possível.
E, na hipótese de não ser viável a restauração natural do equilíbrio, é que, num segundo plano, se poderia impor a compensação econômica (indenização).
Destarte, somente é cabível a indenização nas hipóteses em que a recuperação in situ ou ex situ não for possível, o que só pode ser avaliado através de análise dos casos concretos. É nesse sentido que tem Julgado o Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇAO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. INDENIZAÇAO PECUNIARIA CUMULADA COM OBRIGAÇAO DE FAZER. EFETIVA REPARAÇAO DA ÁREA DEGRADADA. SÚMULA 7/STJ.
Em ação civil pública ambiental, é admitida a possibilidade de condenação do réu a obrigação de fazer ou não fazer cumulada com a de indenizar.
Tal orientação fundamenta-se na eventual possibilidade de que a restauração in natura não se mostre suficiente à recomposição integral do dano causado.
No entanto, na hipótese dos autos, impossível alterar o entendimento do Tribunal a quo, uma vez que lastreado em prova produzida. Óbice da Súmula 7/STJ. Agravo não conhecido. (AgRg no REsp 1486195/SC. Rel. Min. Humberto Martins, 23 Turma, DJe 11.03.2016).
PROCESSUAL CIVIL. AÇAO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. VERIFICAÇAO DO CUMPRIMENTO INTEGRAL DO PRAD. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ. DISSIDIO JURISPRUDENCIAL NAO CARACTERIZADO. HIPÓTESE EM QUE HOUVE A REPARAÇAO INTEGRAL DO DANO SEM PREJUÍZOS REMANESCENTES. CUMULAÇAO DE AÇAO DE OBRIGAÇAO DE FAZER COM AÇAO INDENIZATÓRIA. INOCORRÊNCIA DE DANO REMANESCENTE OU REFLEXO. REPARAÇAO TOTAL DA ÁREA DEGRADADA. PEDIDO INDENIZATÓRIO INDEFERIDO. RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAO CONHECIDO E RECURSO ESPECIAL DO IBAMA IMPROVIDO.
Recursos especiais nos quais se discute se o saneamento total do dano, bem como o cumprimento integral do Plano de Recuperação da Área Degradada – PRAD, ilide a necessidade de indenização.
No caso dos autos, o Tribunal de origem indeferiu o pedido de indenização, por entender que a área em questão já havia sido completamente restaurada, nos termos do PRAD, não havendo existência de outros prejuízos.
O Superior Tribunal de Justiça tem externado o entendimento de que as ações de obrigação de fazer podem ser cumuladas com as indenizatórias; e que nem sempre a recomposição da área degradada ou o saneamento do dano provocado ilide a necessidade de indenização.
Todavia, esse entendimento não implica a conclusão de que, sempre, será devida a indenização, pois, quando é possível a completa restauração, sem que se verifique ter havido dano remanescente ou reflexo, não há falar em indenização. (REsp 1198727/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, Julgado em 14/08/2012, DJe 09/05/2013).
Além do mais, concluir de forma diferente do que foi decidido pelo Tribunal de origem, com relação a indenização, demandaria a incursão em matéria fático-probatória, o que não é permitido, por óbice da Súmula 7 do STJ.
Por fim, no que tange a alegação de dissídio Jurisprudencial, cabe a parte que a alega a comprovação da similitude fático-jurídica, bem como o cotejo analítico entre os acórdãos confrontados.
No caso, o recorrente além de limitar-se a transcrição das ementas, não demonstrou as circunstâncias que identificam ou assemelham os Julgados divergentes. Recurso especial do Ministério Público não conhecido e recurso especial do IBAMA improvido. (REsp 1382999/SC, Rel. Min. Humberto Martins, 23 Turma, DJe 18.09.2014).
Portanto, volvendo a reparação integral do dano, o que se deve considerar para essa finalidade é o esgotamento de ações voltadas a reparação in natura e, somente diante de situações excepcionais é que se falará em indenização.
Isso é relevante, inclusive, porque a indenização deve ser mensurada considerando se o responsável pelo dano promoveu, ou não, medidas de recuperação in natura.
Conclusão
O princípio da reparação integral, portanto, impõe o dever de se buscar a reparação in natura do dano ambiental de forma a se restabelecer o equilíbrio ecológico por meio de ações que visem ao retorno da situação evidenciada de forma mais próxima ao status quo ante.
Em não sendo possível, deve-se buscar a adoção de medida reparatória equivalente, de sorte a propiciar algo próximo daquilo que era antes da sua ocorrência, que se traduz, ao fim e ao cabo, em mecanismo voltado ao restabelecimento do equilíbrio ecológico.
E a fixação de indenização pecuniária – insista-se – tem lugar apenas quando as medidas de reparação, tal como descritas acima, não forem efetivamente suficientes.
Exatamente por não importar o restabelecimento do ambiente lesado, a indenização não está relacionada, não se quantifica e nem se orienta pelo princípio da reparação integral.