No procedimento administrativo para apuração da infração e consolidação da sanção deve ser observada a prescrição intercorrente de 3 anos, constante do § 1º, do art. 1º, da Lei 9.873/1999, que decorre da evidente contumácia do ente ambiental ao apurar a autoria e materialidade da infração.
Neste caso, quando sobrestado o curso do procedimento administrativo por mais de 3 anos, e desde que neste período não tenha sido lavrado um despacho sequer, operar-se-á a prescrição extintiva
Tal prescrição se consuma apenas durante a tramitação do processo administrativo no qual a administração pretende fazer valer a sua pretensão.
A paralisação deve ser imputável à Administração, pois o instituto tem por escopo sancionar a inércia do titular do direito ou da pretensão.
Significa dizer que a prescrição penaliza quem detinha o poder de exigir o adimplemento de uma dada obrigação pelo fato de não ter agido quando o sistema lhe conferia legitimação.
Então se de algum modo o administrado deu causa ao sobrestamento, tal fato deverá ser certificado nos autos e a prescrição estará afastada. O escopo da norma é conferir andamento do processo visando ao deslinde da causa.
Desse modo, é capaz de obstar a ocorrência da prescrição intercorrente, qualquer ato processual necessário a impulsionar o processo ao seu fim.
Os atos meramente procrastinatórios, que não objetivem a solução da demanda, embora se caracterizem formalmente como movimentação processual, não são hábeis a obstar a prescrição intercorrente.
Vale esclarecer, que os despachos proferidos no curso do processo administrativo podem ou não interromper a prescrição, a depender de seu teor.
Caso determinem ou deliberem a respeito de providências voltadas à apuração dos fatos, configuram causa interruptiva do prazo prescricional.
Índice
1. Reflexão sobre a prescrição intercorrente
A análise da prescrição remete à reflexão de uma questão anterior, isto é, o tempo do processo, que por sua vez não somente pode como deve ser enfrentada seguindo a ordem de valores constitucionais, que sugere o tratamento do tema, primeiramente, a partir da ótica do cidadão, para tão somente após ser enfrentado sob o ponto de vista do Estado.
A dignidade da pessoa, fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1°, inciso III, da CF/1988), surge como princípio-normativo fundante do Estado e conformador do exercício dos Poderes Públicos, dentre eles, à toda evidência, o poder jurisdicional.
Por sua vez, os direitos fundamentais dispostos na Constituição Federal explicitam ou revelam as diversas projeções ou faces da dignidade da pessoa como direito fundamental, por meio do qual a todos, no âmbito judicial e administrativo
são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação[1].
No curso de um procedimento administrativo, que tem por objeto mediato a pretensão punitiva do Estado, incidem os prazos para que a Administração conclua os trâmites imprescindíveis à conclusão da apuração e da consolidação das sanções.
Mencionados prazos têm como fundamento os princípios da segurança e da estabilidade das relações jurídicas, no sentido de impedir que a invocação de direitos perdure infinitamente, já que a regra é a prescritibilidade dos direitos, conforme palavras do renomado professor Heraldo Garcia Vitta[2]:
No Direito Administrativo, digamos “punitivo”, o tema merece relevo, devido à finalidade mesma da pena: evitar que o infrator ou a sociedade em geral possam cometer condutas consideradas nocivas à sociedade.
Ora, se demorar muito para ser imposta, a finalidade da pena restaria prejudicada, inócua, sem sentido.
Daí o limite temporal para que a Administração possa apurar o ilícito e impor a penalidade administrativa. (…)
O fato é que não se pode admitir, por causa da estabilidade das relações sociais e da finalidade da penalidade administrativa a imprescritibilidade da ação punitiva do Estado. A prescrição é a regra.”
Portanto, se qualquer das partes não executar determinado direito dentro do prazo estabelecido em lei, a pena para esta inércia é o perecimento do direito de exigir o que lhe era devido, sendo que, na esfera do Poder Público, a prescrição se verifica pela perda do direito de punir atribuída ao Estado, em razão de sua inércia.
2. A prescrição em matéria administrativa ambiental
A prescrição em matéria ambiental está inserida no processo administrativo ambiental que é conduzido pelos princípios da legalidade, da segurança jurídica e da razoável duração do processo.
E, mais especificamente, em se tratando de prescrição intercorrente, segue-se ainda o princípio da oficialidade onde, segundo o Douto Carvalho Filho, “a iniciativa da instauração e do desenvolvimento do processo administrativo compete à própria Administração”[3]. E continua:
Ainda que a lei não o estabeleça nesse sentido, o dever da Administração é inerente à função de concluir os processos para a verificação da conduta a ser adotada, satisfazendo, assim, o interesse da coletividade[4].
Assim, não competirá ao servidor público decidir atuar ou não no processo, já que vinculado à observância da indisponibilidade do interesse público, no caso, da necessária proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e da repressão das condutas indesejadas.
Dessa forma, a ocorrência da prescrição intercorrente no procedimento administrativo ambiental acarreta a necessária apuração da responsabilidade funcional do servidor desidioso, verificando a ocorrência de dolo ou negligência.
3. Prescrição no processo administrativo federal – Lei 9.873/99
O art. 1º, §1º da Lei Federal 9.873/1997, já estatuía a hipótese de prescrição administrativa intercorrente à Administração Pública Federal, que decorre da inércia do ente ambiental ao apurar a autoria e materialidade da infração ambiental. In verbis:
Art. 1º – Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
§1º – Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.
Com o advento do Decreto Federal 6.514/2008, foi disciplinada a questão da prescrição intercorrente no § 2º do art. 21, reforçando, portanto, a vontade do legislador de estabelecer a prescrição em processos que ficam paralisados por mais de 3 (três) anos, senão vejamos:
Art. 21. Prescreve em cinco anos a ação da administração objetivando apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, contada da data da prática do ato, ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que esta tiver cessado.
2º Incide a prescrição no procedimento de apuração do auto de infração paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação.
Logo, uma vez sobrestado o curso de procedimento administrativo por mais de três anos, operar-se-á a prescrição extintiva intercorrente.
4. Interrupção da prescrição
Conforme se verifica do art. 22 do Decreto Federal 6.514/2008, haverá casos em que a prescrição restará interrompida, senão vejamos:
Art. 22. Interrompe-se a prescrição:
I – pelo recebimento do auto de infração ou pela cientificação do infrator por qualquer outro meio, inclusive por edital;
II – por qualquer ato inequívoco da administração que importe apuração do fato; e
III – pela decisão condenatória recorrível.
Parágrafo único. Considera-se ato inequívoco da administração, para o efeito do que dispõe o inciso II, aqueles que impliquem instrução do processo.
Note-se que o parágrafo único do artigo supracitado é claro em definir o que vem a ser “ato inequívoco da administração”, em complementação ao inciso II da referida norma.
Assim, o despacho, para ter o condão de interromper a prescrição deve implicar em instrução do processo para apuração do fato
O conceito de instruir, neste caso, remete a atos/despachos que tenham a capacidade de preparar o processo para julgamento, como a solicitação de diligências, juntada de novas provas, etc. De modo que, despachos meramente protelatórios não interrompem a prescrição.
Ou seja, despachos que remetem o processo a repartições internas que em nada tem a ver com a demanda e outros que nada somam a instrução processual não interrompem a prescrição, por inteligência do artigo alhures.
5. Ato administrativo capaz de interromper a prescrição
O que causa a interrupção é o ato da administração, ou seja, um ato administrativo. Nesse sentido, segundo ensina Hely Lopes Meirelles[5]:
Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.
Assim, como se trata de um ato administrativo, aquele emanado pela Administração Pública, de vontade unilateral, não pode ser considerado como causa de interrupção de prazo prescricional.
São exemplos que não interrompem a prescrição intercorrente, a juntada de defesa, recurso ou qualquer requerimento do Infrator ou Autuado, eis que se trata de ato de particular/administrado.
É certo que cabe à Administração a função de conduzir o andamento do processo administrativo, adotando todas as medidas necessárias à sua adequada instrução, visando a uma decisão final justa
De igual forma, a Administração deve evitar a inércia e a eternização do processo, observando na sua atuação os princípios do processo administrativo – legalidade objetiva, oficialidade, verdade material, e garantia da defesa.
Nesse sentido, denota-se que a doutrina adota o princípio da oficialidade, podendo-se dizer que o impulso oficial é ato decorrente deste princípio. Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma sobre o impulso oficial que
É ele que autoriza a Administração a requerer diligências, investigar fatos de que toma conhecimento no curso do processo, solicitar pareceres, laudos, informações, rever os próprios atos e praticar tudo o que for necessário à consecução do interesse público.
Dessa forma, o impulso processual compreende o poder – dever de instaurar, fazer andar e rever de ofício a decisão, sendo que, o seu fundamento, como o do princípio da oficialidade, é o próprio interesse público.
Assim, como o processo é o meio de atingir o interesse público, seria uma lesão a este se o processo não chegasse ao fim.
Portanto, para se interromper a prescrição intercorrente o ato administrativo de impulso processual também tem que importar apuração do fato, ou seja, impulsos que imponham ao processo administrativo a devida instrução, como laudos, certidões e pareceres.
6. Conclusão
Não importa se ato administrativo é de instrução ou de impulso processual, se não for prolatado inequivocamente para apuração dos fatos, ele não terá o condão de interromper a prescrição. É evidente que nem todos os atos de impulso processual são exarados com este fim.
Assim, a simples juntada de AR (aviso de recebimento) não é causa de interrupção da prescrição, exceto, se for da notificação do próprio Auto de Infração ou da decisão condenatória recorrível, eis que expressos como tal em ambos os decretos (incisos I e III).
Também não pode ser considerada como causa de interrupção os encaminhamentos determinando a análise dos autos ou apenas informando a mudança de setor, ou ainda, enviando o processo para arquivo temporário.
Nesse mesmo sentido, os ofícios enviados, bem como suas juntadas, eis que a prescrição se interrompe pela decisão que determinou o envio do mesmo (ato inequívoco), e não o documento por si só, tendo como marco inicial do prazo prescricional a data daquela decisão.
Portanto, assim como para os demais atos administrativos de instrução, o ato de impulso processual só tem o condão de interromper a prescrição intercorrente se importar na apuração do fato.
Se assim não o fosse, estaria a administração pública a permitir que meras movimentações processuais, sem qualquer utilidade para elucidação do fato, interrompam o curso do prazo prescricional, eternizando ilegalmente os processos administrativos.