RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, em face Antonio Nunes da Silva Neto – ME, a desafiar sentença do Juízo Federal da 6ª Vara, situado em Campina Grande, que, em ação ordinária, extinguiu o feito sem resolução do mérito, por falta de interesse processual quanto ao pedido de anulação do auto de infração 491829D, e julgou parcialmente procedente o pedido para declarar a nulidade do auto de infração 491830-D, lavrado pelo instituto réu em desfavor da sociedade autora.
De acordo com os autos:
Alegou a empresa autora, em suma, que:
a) trabalha no ramo de comércio de madeira na cidade de Ingá-PB, efetuando suas compras no Estado do Pará, nunca tendo realizado transação no Estado do Rio de Janeiro ou qualquer outro Estado da Federação;
b) embora nunca tenha efetuado o negócio ilícito apurado administrativamente, foi autuada sob os ns. 491829 e 491830, relativas a supostas alegações de que teria apresentado informações ambientais falsas, enganosas ou omissas no sistema oficial de controle;
c) o auto de infração e a multa lavrados estão eivados de vícios de natureza primária que os tornam eivados de nulidades insanáveis, posto que, com relação ao respectivo processo administrativo, não teriam sido observados os princípios da legalidade, tipicidade, ampla defesa, devido processo legal e proporcionalidade, f. 284.
A sentença vergastada entendeu que, no caso:
a) a Administração expressamente reconheceu que não estaria cabalmente comprovada a autoria do ilícito que ensejou a multa aplicada à empresa autora;
b) não pode a Administração transferir para o particular o ônus de provar sua inocência quanto a um dano ambiental já exaurido (já que o princípio da precaução possui caráter inibitório e não repressivo);
c) não há como a empresa autora produzir prova negativa para demonstrar que ela não praticou o ato ilícito a ela imputado;
d) e há relevantes indícios de que a empresa autora efetivamente não cometeu ilícito em comento – a declaração de nulidade do auto de infração nº. 491830-D é medida que se impõe, em face da não comprovação da autoria da infração correlata, f. 289.
Alega o apelante,
1) equivocada interpretação da sentença quanto ao princípio da precaução, sendo possível sua aplicação nos caso de ilícitos ambientais de forma prévia e posterior, consoante jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e do Supremo Tribunal Federal;
2) a tutela do meio ambiente ecologicamente não fica adstrita à tentativa de evitar o dano ambiental, porém prolongam-se no tempo para atingir os danos já cometidos, evitando consequências mais graves, impedindo que o agressor fique impune;
3) os danos ambientais muitas veze se mostram com o decurso de prazo, e a demora em externar-se acaba beneficiando seus autores;
4) existem indícios suficientes de que a empresa tenha cometido o ilícito, eis que os dados referentes a infração ambiental estão vinculados a um computado cuja faixa de IP (Internet Protocol) pertence a provedor localizado no Estado do Rio de Janeiro, eis que o proprietário da senha poderia fornecê-la a um terceiro, que poderia realizar transações em qualquer lugar, servido pela rede mundial de computadores;
5) o SisDOF é um sistema oficial de registro de atos que gozam de presunção relativa de veracidade e legitimidade, as informações são fornecidas pelo próprio titular da senha, não havendo interferência de fatores externos, não logrando o demandante ilidir a presunção que milita em favor do sistema oficial, f. 295-300.
Não foram apresentadas contrarrazões, f. 303.
É o relatório.
VOTO
O desembargador federal Vladimir Souza Carvalho: Em seu recurso de apelação, insiste o instituto réu na higidez do auto de infração 491830-D, ressaltando a aplicação do princípio da precaução nos ilícitos ambientais de forma prévia e posterior, que a tutela do meio ambiente ecologicamente não fica adstrita à tentativa de evitar o dano ambiental, prolongando-se tempo para atingir os danos já cometidos, afastando graves consequência e a impunidade do agressor.
No panorama processual, quanto a imputação do delito ambiental ao apelado, sustenta a existência de indícios suficientes do cometimento do ilícito, eis que a pesso jurídica é detentora de um protocolo com senha, dentro do sistema que controla o transporte e armazenamento de produtos florestais, SisDOF – Sistema de Controle de Transporte de Produto Florestal, segundo o apelante, o cometimento da infração que gerou o auto é demonstrado no fato de que os dados referentes a infração ambiental estão vinculados a um computador cuja faixa de IP (Internet Protocol) pertence a provedor localizado no Estado do Rio de Janeiro e só o proprietário da senha poderia fornecê-la a um terceiro, que poderia realizar transações em qualquer lugar, servido pela rede mundial de computadores, enfatizando a supremacia da presunção relativa de veracidade e legitimidade do referido sistema.
Para além da principiologia adotada, a respeito da abrangência do princípio da precaução, a incidir em momento anterior ou posterior ao dano, os elementos probatórios produzidos no curso do processo administrativo que culminou com o referido auto de infração, desencadeando o processo judicial não foram suficientes para configurar a responsabilidade da sociedade imputada pelos danos apontados.
Daí a impertinência de o referido princípio ser utilizado como fundamento para a validade do auto de infração 491830/D.
Mesmo admitindo-se dentro do princípio do Direito Ambiental, os influxos do in dubio pro natura, a justificar a inversão do ônus da prova em desfavor da sociedade acusada de atividades potencialmente perigosa o encargo de demonstrar a segurança do empreendimento, as diversas conclusões dos pareceres técnicos do instituto apelante não lograram formar convencimento definitivo sobre o concurso da empresa nas irregularidades.
Antes da análise da infração ambiental, convém um rápido panorama sobre o DOF, sistema supostamente violado:
O Documento de Origem Florestal (DOF), instituído pela Portaria nº 253, de 18 de agosto de 2006, do Ministério do Meio Ambiente (MMA), constitui licença obrigatória para o transporte e armazenamento de produtos florestais de origem nativa, inclusive o carvão vegetal nativo, contendo as informações sobre a procedência desses produtos, nos termos do art. 36 da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012 (Lei de Proteção da Vegetação Nativa).
A emissão do documento de transporte e demais operações são realizadas eletronicamente por meio do sistema DOF, disponibilizado via internet pelo Ibama, sem ônus financeiro aos setores produtor e empresarial de base florestal, na qualidade de usuários finais do serviço e aos órgãos de meio ambiente integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), como gestores no contexto da descentralização da gestão florestal (Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011).
Os critérios e procedimentos de uso do DOF são regrados pela Instrução Normativa Ibama nº 21, de 23 de dezembro de 2014, alterada pela Instrução Normativa Ibama nº 9, de 12 de dezembro de 2016 (IN Ibama nº 9/2016), válida para todos os estados da federação que o utilizam.
É importante lembrar que há previsão no art. 6º, § 2º, da Resolução Conama nº 379, de 19 de outubro de 2006, de que estados utilizem sistemas próprios para emissão de documento de controle do transporte e armazenamento de produtos florestais desde que atendam às disposições constantes no anexo desta resolução.
Assim, três unidades da federação se valem dessa prerrogativa, como Pará e Mato Grosso que utilizam o Sisflora e Minas Gerais o SIAM (Sítio da Internet: http://www.ibama.gov.br/licencas-servicos/flora/transporteearmazenamento-de-produtosflorestais-dof#sobreodof).
Inicialmente o auto de infração contestado sofreu um redução do valor, de cinquenta mil reais para trinta mil reais.
O fato ilícito ambiental perseguido foi: apresentar informação ambiental total ou parcialmente falso, enganoso ou omisso, nos sistemas oficiais de controle, f. 84, no SisDOF, em 23 de março de 2012, sendo lavrados os autos de infração 491829/D e 491830/D, o primeiro auto de infração foi cancelado administrativamente, f. 164.
À vista do autos, tem-se que o Parecer Técnico 11/2012 tece considerações acerca da utilização do multicitado sistema para o implemento de transações comerciais envolvendo madeira serrada: antes de emitir o DOF, o emitente/VENDEDOR deve fazer a OFERTA (on line via sistema DOF) dos produtos ao destinatário/COMPRADOR e, somente após a aceitação da oferta pelo destinatário/COMPRADOR (on line via sistema DOF), o o emitente/VENDEDOR consegue emitir o DOF.
Após a emissão do DOF e depois do recebimentos dos produtos, o destinatário/COMPRADOR confirma (on line via sistema DOF) o recebimento dos mesmos e estes ficam disponíveis para o seu consumo, venda, etc. (dependendo da atividade do destinatário/COMPRADOR.
A transação comercial entre vendedor e comprador é realizada e registrada no Sistema de Controle de Transporte de Produto Florestal − Sistema DOF − e só possível acessar a página do vendedor ou do comprador junto ao Sistema de Controle de Transporte de Produto Florestal conhecendo-se a senha do usuário.
Visando a apuração de infrações contra o meio ambiente, foram feitas consultas junto a SisDOF, com o objetivo de identificar a ocorrência de vendas de madeira serrada do estado da Paraíba para produtores (AC, AM, AP, MA, MT, PA, RO, RR e TO), o que caracterizaria indícios de irregularidades, conhecido como rota inversa de comércio.
Constatados indícios de irregularidades, verificou-se o lapso de tempo entre a emissão do DOF e o recebimento do produto, a relação entre o volume e os valores declarados e a localização do computador utilizado para acessar o sistema, com o objetivo de obter elementos que componham a materialidade da infração, f. 92
No caso, segundo apurado no SisDOF, a pessoa jurídica acusada emitiu diversas DOFs em favor de compradores situados em Niterói, Estado do Rio de Janeiro, num total de 234,01 metros cúbicos de madeira.
A análise dessas operações, conforme tabela que repousa à f. 92, indica que o tempo decorrido para a conclusão das transações de produtos florestais não condiz com a distância percorrida, cerca de 1.912 km, da empresa apelada situada no Município de Ingá [Paraíba], para a pessoa jurídica Solar das Madeiras Ltda., localizada em Niterói, tendo o parecer concluído que as informações prestadas no sistema oficial de controle são falsas e o que está sendo negociado são créditos de volume de madeira para acobertar o comércio de madeira ilegal, f. 96.
Demais disso, constatou-se que foi utilizado um mesmo computador para se emitir o DOF e confirmar o recebimento do produto, no fato de se verificar que a faixa de IP [internet Protocol] pertencer a provedor situado no Estado do Rio de Janeiro.
Ainda no âmbito administrativo, o Parecer Técnico Instrutório com dilação Probatória 970 – PB/SUPES, concluiu que outras pessoas concorreram com a infração ambiental, a exemplo da Solar das Madeiras Ltda., não sendo, entretanto, devidamente autuados, não sendo divisadas as suas atuações nos fatos apurados, mantida a responsabilidade apenas sobre a empresa apelada, diante da utilização do login e da senha do SisDOF.
Por fim, a decisão de julgamento de infração ambiental conclui pela inexistência de elementos probatórios suficientes para comprovar a efetiva participação da empresa autuada nas irregularidades apontadas, e a despeito da comunicação à autoridade policial sobre os episódios Certidão de Ocorrência da Polícia Federal, f. 238, foi mantido o auto de infração, sendo reduzida a multa para trinta mil reais.
Em vista disso, o próprio deslinde do processo administrativo culminou com a conclusão de insuficiência de provas contra a empresa autuada, não faz sentido manter-se a sanção imposta, motivos pelos quais, é de ser reiterada a sentença que anulou o auto de infração 491830/D, hígida por seus judiciosos argumentos:
Assim, pode-se afirmar que, quando uma ação pode originar um dano ambiental irreversível, na ausência de consenso científico irrefutável, o ônus da prova de que não há risco de impactos negativos encontra-se do lado de quem pretende praticar a ação potencialmente dolosa, em razão do princípio da precaução.
Sob outra perspectiva, contudo, quando há um dano já exaurido e não há comprovação nem indícios suficientes quanto aos causadores de tal dano, como é o presente caso, jamais pode exigir-se da empresa acusada a produção de prova negativa quando ela aduz, como fundamento do direito invocado, justamente que não praticou o fato danoso a ela imputado, sendo da Administração o ônus de demonstrar, ao menos com elementos suficientemente indiciários, a autoria da infração ambiental cometida, antes de aplicar qualquer penalidade a quem quer que seja.
Nessa linha de raciocínio, vale destacar que, como bem pontuou o MPF em seu parecer, “o isolado fato de ter havido a utilização da senha de acesso e login de usuário vinculado à referida pesso jurídica não detém a força probatória necessária para a aplicação de sanção punitiva ambiental”.
Ademais, também cumpre registrar que, além de os próprios agentes do IBAMA terem apontado que não houve a produção de prova suficiente para imputar à parte autora a inserção das informações inconsistentes no SisDOF, a imputação feita à empresa autora também se mostra fragilizada em razão do Parecer Técnico nº. 11/2012, do próprio IBAMA, segundo o qual “os registros dos endereços do IP no SisDOF demonstram que foi utilizado um mesmo computador para emitir o DOF e em seguida confirmar o recebimento do produto, verifica-se ainda que a faixa de IP utilizada pertence a provedor de acesso localizado no Rio de Janeiro” (fl.94).
Com efeito, embora não seja impossível, é difícil acreditar que uma empresa com sede na cidade de Ingá/PB, como é o caso empresa autora, efetuou comercialização de madeira florestal em computador situado no Rio de Janeiro, de modo que a informação de que a transação foi realizada no referido estado, apurada pelo próprio IBAMA, milita em favor da tese de que a promovente não foi a autora do ilícito que ensejou a multa ela aplicada, o que reforça a necessidade do cancelamento do respectivo auto de infração e, consequentemente, da respectiva multa.
Feitas essas considerações, considerando que, no caso:
a) a Administração expressamente reconheceu que não estaria cabalmente comprovada a autoria do ilícito que ensejou a multa aplicada à empresa autora;
b) não pode a Administração transferir para o particular o ônus de provar sua inocência quanto a um dano ambiental já exaurido (já que o princípio da precaução possui caráter inibitório e não repressivo);
c) não há como a empresa autora produzir prova negativa para demonstrar que ela não praticou o ato ilícito a ela imputado;
d) e há relevantes indícios de que a empresa autora efetivamente não cometeu ilícito em comento – a declaração de nulidade do auto de infração nº. 491830-D é medida que se impõe, em face da não comprovação da autoria da infração correlata, f. 288-289.
Por este entender, nego provimento à apelação.
É como voto.