APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. TER EM DEPÓSITO MADEIRA PARA FINS COMERCIAIS SEM LICENÇA (LEI N. 9.605/1998, ART. 46, PARÁGRAFO ÚNICO). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PLEITO ABSOLUTÓRIO. ADUZIDA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS QUANTO À MATERIALIDADE DOS FATOS. SUBSISTÊNCIA. LEI N. 12.651/2012, ARTS. 35 E 36; PORTARIA N. 253/2006 DO MINISTÉRIO DO MEIO-AMBIENTE E INSTRUÇÃO NORMATIVA N. 112/2006 DO IBAMA QUE APENAS EXIGEM LICENÇA PARA O DEPÓSITO DE PRODUTOS E SUBPRODUTOS FLORESTAIS DE ORIGEM NATIVA. INEXISTÊNCIA DE LAUDO PERICIAL, ASSINADO POR PROFISSIONAL HABILITADO NO ASSUNTO, QUE ATESTE QUE A MADEIRA APREENDIDA ERA DA ESPÉCIE PINHEIRO BRASILEIRO. TERMO CIRCUNSTANCIADO, TERMO DE APREENSÃO, FOTOGRAFIAS E DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS AMBIENTAIS, SEM A CONFIRMAÇÃO DE UM PERITO, QUE SÃO INSUFICIENTES PARA AMPARAR A CONDENAÇÃO. PRECEDENTES DESTA CÂMARA. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE ( CPP, ART. 386, VII). RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(TJ-SC – APR: 00002938820188240003 Tribunal de Justiça de Santa Catarina 0000293-88.2018.8.24.0003, Relator: Antônio Zoldan da Veiga, Data de Julgamento: 25/03/2021, Quinta Câmara Criminal)
RESUMO
O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra os acusados, imputando-lhes a prática do crime ambiental previsto no art. 46, parágrafo único, da Lei n. 9.605/1998.
Segundo o Ministério Público, a acusada, uma madeireira, e o sócio proprietário da madeireira, em desacordo com a legislação vigente e sem anuência dos órgãos ambientais competentes, mantiveram em depósito 246 m³ de madeira nativa beneficiada em tábuas e 121 m³ de madeira nativa em toras, sem licença ambiental válida para o seu armazenamento ou transporte, conforme auto de apreensão e depósito.
Recebida a denúncia e encerrada a instrução processual, sobreveio sentença, cuja parte dispositiva segue parcialmente transcrita:
a) CONDENAR MADEIREIRA [pessoa jurídica], como incursa nas sanções do art. 46, parágrafo único, da Lei n. 9.605/98, ao pagamento de multa que fixo no valor de R$ 30.000,00 a ser destinado à Policia Ambiental, no prazo de 30 (trinta) dias, mediante recibo.
b) CONDENAR [sócio], acima qualificado, como incurso nas sanções do art. 46, parágrafo único, da Lei nº 9.605/98, a pena de 07 (sete) meses de detenção, além de 11 (onze) dias-multa.
Os dias-multa terão valores mínimos legais de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, uma vez que não há nos autos prova da capacidade econômica do acusado.
Estabeleço o regime aberto para cumprimento da pena corporal imposta ao réu, nos termos do art. 33 do CP.
Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, bem como a concessão de sursis, em virtude da reincidência do réu.
Concedo ao réu o direito de recorrer em liberdade haja vista o regime inicial para cumprimento da pena, não estando presentes os fundamentos da prisão preventiva.
Inconformados com a sentença condenatório pelo crime ambiental, os réus interpuseram recurso de apelação, no qual pleitearam absolvição, por insuficiência de provas da materialidade do crime.
Os réus condenados alegaram que não foi elaborado laudo pericial para atestar que a madeira apreendida era, de fato, da espécie pinheiro brasileiro, e por insuficiência de provas da autoria do delito, pois as toras de madeira não se encontravam na propriedade da empresa ré, mas no terreno vizinho, e, segundo testemunhas, pertenciam a um indivíduo conhecido como “Marcão”.
Contudo, o TJSC entendeu que inexistência de laudo pericial assinado por expert no assunto, que ateste que os produtos e subprodutos florestais apreendidos são provenientes de floresta nativa e exigem licença para seu armazenamento para fins comerciais, é indispensável para o crime ambiental em questão, e por isso, reformou a sentença e absolveu os acusados.
Leia na íntegra o voto que absolveu os acusados do crime ambiental de armazenamento de madeira nativa.
VOTO
Os apelantes pleitearam absolvição quanto à imputação da prática do crime previsto no art. 46, parágrafo único, da Lei n. 9.605/1998, ao argumento de que não há provas da materialidade do delito, pois não foi realizada perícia técnica que atestasse que a madeira apreendida era, de fato, da espécie pinheiro brasileiro.
Sustentaram, ainda, que não haveria evidências suficientes da autoria do crime, pois o material foi apreendido no terreno vizinho ao da empresa ré e, segundo testemunhas, pertencia a um indivíduo conhecido como “Marcão”.
Adianta-se que razão lhe assiste, senão vejamos.
Inicialmente, é relevante realizar alguns esclarecimentos sobre o crime previsto no art. 46, parágrafo único, da Lei n. 9.605/1998. O crime ambiental em comento estabelece:
Art. 46. Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento:
Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, tem em depósito, transporta ou guarda madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento, outorgada pela autoridade competente.
Outrossim, leciona a doutrina de Guilherme Nucci (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas: volume 2. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 620) a respeito deste delito:
Análise do núcleo do tipo: vender (alienar por determinado preço), expor à venda (apresentar ao público para a venda por certo preço), ter em depósito (possuir algo armazenado), transportar (levar de um lugar a outro) e guardar (manter sob vigilância) são as condutas (é um tipo misto alternativo, podendo-se praticar uma como várias condutas e consiste num único delito, quando no mesmo cenário), cujos objetos são madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal. Tudo depende da existência ou não de licença.
Na jurisprudência: TJRS: “Em matéria ambiental penal não é qualquer madeira que não pode ser usada para fins comerciais e/ou industriais, apenas as especialmente protegidas. Neste sentido mostra-se indispensável a perícia técnica a fim de constatar se de fato as madeiras que o réu possuía são aquelas protegidas pela Lei Ambiental, prova essa que não veio aos autos, ensejando o provimento do recurso e a absolvição do acusado. Recurso provido” (Rec. 71005676499 – RS, Turmas Recursais, rel. Luis Gustavo Zanella Piccinin, 23.05.2016, v.u.).323.
Sujeitos ativo e passivo: o sujeito ativo é o comerciante, inclusive a pessoa jurídica. Não fosse, seria inútil estabelecer, na parte final do tipo, a licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento. Particulares, não comerciantes, que comprem ou vendam, esporadicamente, por exemplo, lenha, não tem necessidade disso. O sujeito passivo é a sociedade.324. Elemento subjetivo: é o dolo.
Não há elemento subjetivo específico, nem se pune a forma culposa.325. Norma penal em branco: depende do conhecimento da legislação extrapenal para se obter a autorização necessária voltada ao comércio desses produtos (madeira, lenha, carvão etc.). Logo, verifica-se que, por ser uma norma penal em branco, é necessário consultar a legislação extrapenal para aferir quais tipos de madeira e demais produtos de origem vegetal necessitam de licença para serem utilizados para fins comerciais.
Nesse sentido, a Lei n. 12.651/2012 (o Novo Código Florestal) preconiza:
CAPÍTULO VIII – DO CONTROLE DA ORIGEM DOS PRODUTOS FLORESTAIS
Art. 35. O controle da origem da madeira, do carvão e de outros produtos ou subprodutos florestais incluirá sistema nacional que integre os dados dos diferentes entes federativos, coordenado, fiscalizado e regulamentado pelo órgão federal competente do Sisnama.
1º O plantio ou reflorestamento com espécies florestais nativas ou exóticas independem de autorização prévia, desde que observadas as limitações e condições previstas nesta Lei, devendo ser informados ao órgão competente, no prazo de até 1 (um) ano, para fins de controle de origem.
2º É livre a extração de lenha e demais produtos de florestas plantadas nas áreas não consideradas Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal. […]
Art. 36. O transporte, por qualquer meio, e o armazenamento de madeira, lenha, carvão e outros produtos ou subprodutos florestais oriundos de florestas de espécies nativas, para fins comerciais ou industriais, requerem licença do órgão competente do Sisnama, observado o disposto no art. 35.
Com efeito, a Portaria n. 253/2006 do Ministério do Meio Ambiente, atualmente vigente, instituiu o Documento de Origem Florestal – DOF, a qual foi regulamentada pela Instrução Normativa n. 112/2006, do IBAMA, como:
a licença obrigatória para o transporte e armazenamento de produtos e subprodutos florestais de origem nativa, contendo as informações sobre a procedência desses produtos, gerado pelo sistema eletrônico denominado Sistema – DOF” (art. 1º, § 1º).
Denota-se, portanto, que somente o armazenamento de produtos e subprodutos florestais de espécies nativas é que requer a licença obrigatória, uma vez que é livre a extração de produtos de florestas plantadas em áreas que não sejam APP ou reserva legal e que as regulamentações do Ministério do Meio-Ambiente e do IBAMA apenas dizem respeito a florestas de espécies nativas.
Ausência de laudo pericial
Pois bem. A denúncia, de fato, descreveu que os acusados praticaram a conduta de manter em depósito madeira nativa sem a devida licença ambiental.
Ocorre que, segundo a sentença, a materialidade do delito “restou devidamente delineada pelo Termo Circunstanciado, Auto de Infração Ambiental, Termo de Apreensão e Depósito, fotografias, além da prova oral colhida”.
Os referidos documentos, realmente, mencionam que a madeira apreendida no estabelecimento do acusado seria da espécie pinheiro brasileiro.
Destaca-se, contudo, que tanto termo circunstanciado quanto o auto de infração ambiental e termo de apreensão e depósito foram subscritos pelos policiais militares ambientais.
Ouvidos judicialmente, porém, os policiais sequer confirmaram de que espécie seria a madeira apreendida, mas apenas relataram que foram até a sede da empresa ré para transportar, para fins de doação, alguns materiais que já haviam sido apreendidos em fiscalização anterior e que, na ocasião, verificaram que os acusados estavam mantendo ainda mais madeira em depósito, inclusive recém cortada.
Ademais, além de não ter sido confirmado judicialmente que a madeira encontrada seria proveniente de floresta nativa, não há qualquer informação nos autos a respeito da formação dos policiais, a demonstrar que fossem expertos na área ambiental e, portanto, capacitados a atestar que as toras e tábuas exibidas nas fotografias fossem mesmo de pinheiro brasileiro, conforme consignaram os agentes nos documentos da fase administrativa.
Acrescente-se que, por outro lado, o engenheiro ambiental esclareceu, sob o crivo do contraditório, que, para o armazenamento de madeira exótica, não é necessária licença ambiental.
Nesse sentido, explicou que um profissional especializado e com competência para identificar as espécies é que teria de atestar que o material apreendido com os réus se tratava de madeira nativa para, então, se comprovar a ocorrência do crime.
Julgamentos similares
Outrossim, também esta Câmara adota o posicionamento de que, para a configuração do crime ambiental do art. 46, parágrafo único, da Lei n. 9.605/1998, é indispensável a existência de laudo pericial, assinado por expert no assunto.
O expert deve atestar que os produtos e subprodutos florestais apreendidos são provenientes de floresta nativa e exigem licença para seu armazenamento para fins comerciais, conforme disposto na Lei n. 12.651/2012, na Portaria n. 253/2006 do Ministério do Meio Ambiente e na Instrução Normativa n. 112/2006 do IBAMA.
Isso porque, nos termos dos arts. 158 e 159 do Código de Processo Penal, é obrigatória, no que se refere aos crimes que deixam vestígio, a realização de exame de corpo de delito, o qual deverá ser produzido por perito oficial.
Além disso, especialmente em casos como o presente, é muito difícil que uma pessoa sem conhecimento técnico esteja apta a identificar precisamente a espécie da madeira apreendida.
No entanto, como demonstrado, não existe nos autos qualquer comprovação de que os produtos florestais apreendidos tratassem realmente de madeira de pinheiro brasileiro.
Constam no processo somente o termo circunstanciado, o auto de infração ambiental, o termo de apreensão e depósito e as fotografias, os quais, sem a análise de um perito, não permitem conclusões relevantes.
A palavra dos policiais ambientais, por sua vez, além de não ter sido confirmada em juízo, não supre o parecer de um expert no assunto.
Jurisprudência do TJSC
O presente caso, portanto, carece de provas cabais quanto à materialidade delitiva. Eis alguns julgados deste Órgão Fracionário a respeito do tema:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. ARTIGOS 38-A, CAPUT E 46, PARÁGRAFO ÚNICO, AMBOS DA LEI N. 9.605/98. SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGÊNCIA DEFENSIVA. PLEITO ABSOLUTÓRIO. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE E TIPICIDADE DA CONDUTA. DEFENDIDA SUPRESSÃO E ARMAZENAMENTO DA VEGETAÇÃO NATIVA DENTRO DAS NORMAS LEGAIS E QUE A MADEIRA APREENDIDA SERIA UTILIZADA PARA CONSUMO PRÓPRIO. ANÁLISE, DE OFÍCIO, DA MATERIALIDADE DOS CRIMES TIPIFICADOS NOS ARTIGOS 38-A E 46, PARÁGRAFO ÚNICO, AMBOS DA LEI N. 9.605/98.
POSSIBILIDADE, CONTUDO, POR MOTIVO DIVERSO DIANTE DA AUSÊNCIA DE LAUDO TÉCNICO REFERENDADO POR EXPERT HABILITADO NA ÁREA. IMPOSSIBILIDADE DE SE PREVER QUAIS ESPÉCIMES PERTENCENTES AO BIOMA MATA ATLÂNTICA FORAM DESTRUÍDOS, DANIFICADOS E ARMAZENADOS. ELEMENTARES DO TIPO NÃO COMPROVADAS. PRECEDENTES DESTA CÂMARA. ABSOLVIÇÃO IMPERIOSA. POR CONSEQUÊNCIA, AS DEMAIS TESES RESTARAM PREJUDICADAS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. É cediço que os crimes que deixam vestígios exigem para comprovação da materialidade, conforme artigos 158 e 159 do Código de Processo Penal, a elaboração do exame de corpo de delito por perito oficial, o qual não pode ser suprido sequer pela confissão do acusado e, portanto, nos crimes ambientais não basta a confecção de relatório por um dos membros da Polícia Ambiental, sem qualquer qualificação técnica, incumbindo ao órgão estatal, ao verificar a ocorrência do dano ambiental, requerer a realização do laudo pericial a ser confeccionado por meio de expert.
(TJSC, Apelação n. 0002670-14.2014.8.24.0022, de Curitibanos, rel. Des. Rodrigo Collaço, Quarta Câmara Criminal, j. 05-05-2016). (TJSC, Apelação Criminal n. 0006546-95.2014.8.24.0015, de Canoinhas, rel. Luiz Neri Oliveira de Souza, Quinta Câmara Criminal, j. 27-06-2019, grifou-se).
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES AMBIENTAIS. TER EM DEPÓSITO, SEM LICENÇA, MADEIRA PARA FINS COMERCIAIS/INDUSTRIAIS (ART. 46 DA LEI 9.605/98) E FAZER FUNCIONAR ESTABELECIMENTO POTENCIAL POLUIDOR SEM LICENÇA OU AUTORIZAÇÃO DOS ÓRGÃOS COMPETENTES (ART. 60 DA LEI 9.605/98). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. MATERIALIDADE INEXISTENTE.
AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL SUBSCRITO POR PROFISSIONAL HABILITADO. DÚVIDA QUANTO À ESPÉCIE DE MADEIRA E QUANTO AO POTENCIAL POLUIDOR DO ESTABELECIMENTO. EXIGÊNCIA DE CONHECIMENTO TÉCNICO PARA VERIFICAÇÃO. ELEMENTARES NÃO DELIMITADAS POR OUTROS MEIOS DE PROVA. MATERIALIDADE NÃO COMPROVADA. REFORMA QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(TJSC, Apelação Criminal n. 0001381-15.2012.8.24.0055, de Rio Negrinho, rel. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, Quinta Câmara Criminal, j. 08-03-2018, grifou-se).
Sendo assim, a absolvição dos acusados, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, é medida que se impõe.
Consequentemente, encontra-se prejudicada a questão arguida pela PGJ quanto ao afastamento, de ofício, da agravante da reincidência em relação ao réu […].
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento para absolver os acusados com fulcro no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.