ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. EXECUÇÃO FISCAL. IBAMA. MULTA. DESMATAMENTO. ERRO NA DESCRIÇÃO DAS COORDENADAS DO IMÓVEL. NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA.
1. Trata-se de recurso contra a sentença que reconheceu a ausência de responsabilidade do apelado por dano ambiental em razão de as coordenadas geográficas constantes do auto de infração indicarem a propriedade vizinha.
2. Considera-se vício insanável aquele em que a correção da autuação implica modificação do fato descrito no auto de infração. AC 000463.44.2009.4.01.3303, Sexta Turma, Rel. Desemb. Federal Jirair Aram Meguerian, e-DJF 24/02/2017)
3. No caso concreto, a área em que teria ocorrido a queimada não corresponde às coordenadas da propriedade do apelado, de modo que se pode concluir que sua retificação posterior implicaria modificação do fato descrito.
4. A constatação de vício insanável impõe a nulidade do auto de infração, sendo possível a imputação do mesmo fato ao infrator se lavrado novo auto dentro do prazo prescricional ( § 2º do art. 100 do Decreto nº 6.514/2008).
5. Acerca do auto de infração dispõe o art. 97 do Decreto n. 6.514/08: O auto de infração deverá ser lavrado em impresso próprio, com a identificação do autuado, a descrição clara e objetiva das infrações administrativas constatadas e a indicação dos respectivos dispositivos legais e regulamentares infringidos, não devendo conter emendas ou rasuras que comprometam sua validade.
6. Recurso de apelação a que se nega provimento. (TRF-1 – AC: 00048957820154013600, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MOREIRA ALVES, Data de Julgamento: 04/07/2022, 8ª Turma, Data de Publicação: PJe 06/07/2022 PAG PJe 06/07/2022 PAG)
RELATÓRIO
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA manifesta recurso de apelação por meio do qual pede a reforma da r. sentença do Juízo Federal da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Mato Grosso que, nos embargos à execução em que o autor postula a desconstituição do título executivo extrajudicial que embasa a execução fiscal nº 17308-65.2011.4.01.3600, acolheu o pedido formulado na inicial para “reconhecer a nulidade do auto de infração nº 345204/D, que fundamenta a CDA nº 18855114, e, em consequência, julgar extinta a execução fiscal.” (Id 73601033 – fls. 202).
Argumenta, em síntese, que o apelado foi autuado em razão da queimada não autorizada em 120 hectares no interior da propriedade rural denominada Fazenda, localizada no Município de Santa Cruz do Xingu/MT, ocasião em que foi lavrado o auto de infração n. 345204-D.
Assevera que embora as coordenadas geográficas contidas no auto de infração indicarem a Fazenda II, como local da queimada, no curso do processo administrativo restou apurado que na região onde se localizam ambas as propriedades teriam sido identificados diversos pontos de queimada não autorizada, de forma que houve equívoco na indicação das coordenadas geográficas descritas no auto de infração, incorrendo em mero erro material, incapaz de ensejar a nulidade da autuação. (Id 73601033 – fls. 205/207v).
É o relatório.
VOTO
Cuida-se de recurso de apelação contra decisão de primeiro grau que reconheceu a ausência de responsabilidade do apelado à infração descrita na Certidão de Dívida Ativa acostada aos autos às fls. 26, qual seja: a queimada não autorizada em 120 hectares no interior da propriedade rural denominada Fazenda, localizada no Município de Santa Cruz do Xingu/MT.
Não obstante a certidão de dívida ativa gozar da presunção de certeza e liquidez, ela é relativa, conforme entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça ( REsp 1646621/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/2017, DJe 19/04/2017).
Na espécie, o auto de infração n. 345204-D, acostado aos autos às fls 76 que originou a CDA, trazem as coordenadas geográficas do local da queimada (S = 10º 06’13″— W = 052º 25’33”) as quais referem-se à propriedade vizinha.
De outro lado, o apelante, embora admitindo o erro na descrição das coordenadas geográficas descritas no auto de infração, diz induvidosa a ocorrência de queimada não autorizada no interior da propriedade rural do apelado, restando caracterizado mero erro material no preenchimento do auto de infração, incapaz de ensejar a nulidade da autuação.
Acerca do auto de infração dispõe o art. 97 do Decreto n. 6.514/08: “O auto de infração deverá ser lavrado em impresso próprio, com a identificação do autuado, a descrição clara e objetiva das infrações administrativas constatadas e a indicação dos respectivos dispositivos legais e regulamentares infringidos, não devendo conter emendas ou rasuras que comprometam sua validade.”
Como bem pontuou o juízo de piso, “o auto de infração ambiental, oriundo do poder de polícia da administração pública, é ato formal, punitivo e vinculado, devendo, portanto, atender os requisitos legais previamente estabelecidos”, e quando maculado de vício de natureza grave, como na espécie, que define o local do dano ambiental, não podendo ser definido como mero erro material.
Nesse sentido precedente desta Corte:
“ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO ORDINÁRIA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO. ERRO NA DESCRIÇÃO DAS COORDENADAS. NULIDADE DA AUTUAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA.
I – Não sendo a questão de fundo debatida nos autos relativa ao meio ambiente, apesar de o auto de infração questionado ter sido lavrado por infração ambiental, mas sim referente ao reconhecimento da nulidade de ato administrativo, não há que se falar em necessidade de intervenção do Ministério Público Federal. Nulidade suscitada pelo IBAMA afastada.
II – Não se decreta nulidade sem a demonstração de efetivo prejuízo pela parte que a alega. Limitando-se o IBAMA a afirmar ser nula a sentença por cerceamento de defesa por não terem sido ouvidas as testemunhas arroladas, sem indicar concretamente qual o prejuízo daí advindo, não há como acolher a preliminar suscitada.
III – Embora a legislação vigente à época da lavratura do auto de infração não enumere seus requisitos de validade, fato é que o autuado deve ter ciência exata do fato que lhe é imputado, inclusive com a correta descrição e individualização da área na qual se diz desenvolver exploração de floresta nativa sem aprovação prévia do órgão ambiente competente, sob pena de cerceamento de defesa.
IV – A legislação superveniente ao auto de infração (Decreto 6.514/2008) enumera, em seu art. 97, os requisitos do auto de infração, dentre eles a descrição clara e objetiva das infrações administrativas constatadas. Embora ela não possa ser aplicada ao caso dos autos, o IBAMA a utilizou como referência ao citar o art. 99 em sua defesa, argumentando que erro na indicação das coordenadas no auto de infração seria secundário e, portanto, sanável. Nada obstante, o que se entende por vício sanável decorre da interpretação a contrario sensu do § 1º do art. 100 do mesmo diploma, que não foi citado pelo IBAMA em sua contestação e prevê que “considera-se vício insanável aquele em que a correção da autuação implica modificação do fato descrito no auto de infração”.
V – No caso concreto, embora a imputação da infração administrativa seja a mesma – exploração de floresta de origem nativa sem aprovação prévia do órgão ambiental competente -, a área em que ela fora desenvolvida não corresponde às coordenadas fornecidas pela autoridade ambiental, de modo que se pode concluir que sua retificação posterior implicaria em modificação do fato descrito. A constatação de vício insanável impõe a nulidade do auto de infração, sendo possível a imputação do mesmo fato ao infrator se lavrado novo auto dentro do prazo prescricional. Idêntica previsão consta da legislação superveniente à autuação questionada ( § 2º do art. 100 do Decreto nº 6.514/2008).
VI – Recurso de apelação interposto pelo IBAMA a que se nega provimento.”
(AC 000463.44.2009.4.01.3303, Sexta Turma, Rel. Desemb. Federal Jirair Aram Meguerian, e-DJF 24/02/2017) – (Grifei)
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. IBAMA. NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO.
1. Tendo em vista que foram constatados pelo próprio IBAMA diversos erros na autuação da impetrante deve ser mantida a sentença que concedeu a segurança para anular o Auto de infração e as penalidades nele aplicadas.
2. Nega-se provimento à remessa oficial.”
( AC0001618-45.2001.4.01.3600, Quarta Turma Suplementar, Rel. Juiz Federal convocado Rodrigo Navarro de Oliveira, e-DJF 27/06/2012)
Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação.
É como voto.